Os médicos são personagens freqüentes na obra de Érico Veríssimo (1905 – 1975). Alguma vivência com o tema deu-lhe o período em que trabalhou numa farmácia, em sua terra natal, Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul. Mais que os aspectos técnicos, no entanto, interessava-lhe a dimensão humana da profissão. Olhai os Lírios do Campo, do qual foi extraído o trecho abaixo, é exemplar nesse sentido:
“Ele principiava a ser um médico de verdade, estava diante da vida, atendia os seus clientes com toda a solicitude e às vezes tinha de esforçar-se para ser delicado e não se encolher diante de criaturas que, pelo aspecto físico ou pela natureza de seus males, lhe inspiravam repugnância ou mal-estar. Fazia-lhes perguntas, interessava-se pela vida deles. Aos poucos ia perdendo os velhos temores de fracasso e aquela sensação de que os outros não tinham confiança nele. Atirava-se à clínica cheio de coragem e isso já era a metade da vitória.”
Olhai os Lírios do Campo conta a história do dr. Eugênio Fontes, que, menino pobre, estuda medicina, apaixona-se por uma idealista colega, Olivia – mas opta por uma vida de conforto, casando com Eunice, filha de um rico empresário. Desgostoso com a existência fútil, volta a exercer a medicina, mas agora encarando a profissão por seu lado social e humano. Escrita em 1938, a obra denuncia a comercialização da medicina e propõe soluções: um sistema socializado, que imporia também uma triagem: “só seguiriam a profissão médica os que tivessem vocação”, diz Eugênio a seu colega e mentor, o dr. Seixas. Esse projeto encaixa-se num contexto mais amplo de transformação, pois é a sociedade que está doente: “A vida ali estava a se oferecer toda, numa gratuidade milagrosa. Os homens viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer davam por ela. Nem com todas as conquistas da inteligência tinham descoberto um meio de trabalhar menos e viver mais. Agitava-se na terra e não se conheciam uns aos outros, não se amavam como deviam”.
Para Érico Veríssimo, a medicina é, sobretudo, um ato de amor.
REFERÊNCIAS:
1.VERÍSSIMO, Érico. Olhai os lírios do campo. 32. ed. Porto Alegre: Globo, 1976
2.SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo,
1996
Fantástico em tempos de desumanidades, é bom olhar para trás e nos permitir sorrir novamente!
ResponderExcluirrepensar nosso papel como médico e ser humano, sobretudo.