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sábado, 26 de maio de 2012

Câncer de mama em obra de Rembrandt

Exposta no Louvre, O Banho de Betsabé é uma famosa obra do pintor barroco Rembrandt van Rijn (1606-1669):

O Banho de Betsabé (1654). Rembrandt van Rijn. Óleo sobre tela, 142cm x 142cm. Museu do Louvre (Paris).
A pintura retrata a cena bíblica em que o Rei Davi observa Betsabé nua, e a envia uma carta exigindo sua presença no palácio. A figura feminina expressa tristeza e resignação ao invés de prazer.

De acordo com um cirurgião italiano, Rembrandt registrou na mama esquerda de sua esposa e modelo Hendrickje Stoffels, sinais de câncer de mama, como retração na pele, assimetria mamária, alteração da cor e linfadenomegalia axilar.

Detalhe evidenciando deformidades na mama esquerda.
Devido as alterações sugestivas de neoplasia tanto na mama quanto na axila da modelo representada por Rembrandt, o quadro ilustra a capa do livro Women, Cancer and History, de autoria de James S Olson.

Outros possíveis diagnósticos sugeridos são tuberculose da glândula mamária e mastite puerperal ou da lactação.

Após a conclusão de O Banho de Betsabé Hendrickje viveu durante nove anos, envidencia-se em outras pinturas uma deterioração física de sua saúde ao longo deste período. A esposa de Rembrandt faleceu em 1663. Alguns registros históricos afirmam que ela morreu vítima de tuberculose, outros creem ser mais plausível considerar como causa mortis a disseminação de uma neoplasia mamária.

REFERÊNCIAS: 
1.Bourne RG. Did Rembrandt’s Bathsheba really have breast cancer?. Aust N Z J Surg. 2000;70:231–23. 
2.Masuda, H. Nemoto, N. “Rembrandt’s Bathsheba, possible lactation mastitis following unsuccessful pregnancy.”Medical Hypotheses. Volume 66, Issue 6 , Pages 1240-1242 , 2006.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

"O Cisne Negro", de Thomas Mann: Clássico da literatura alemã cuja protagonista tem câncer de ovário

A cidade de Dusseldorf, às margens do Rio Reno, serviu como cenário para que o romancista alemão Thomas Mann desenhasse a dramática história de uma viúva na pós-menopausa acometida por um tumor metastático ovariano.



Publicado pela primeira vez em 1953, O Cisne Negro é marcado como o último grande trabalho concluído por Thomas Mann.

Em determinado momento do romance, a protagonista, Rosália von Tummler, percebe sinais de rejuvenescimento em si mesma, notados através do retorno da menstruação, o que a faz acreditar no reaparecimento de sua mocidade lamentavelmente perdida:

Voltei a ser mulher, um ser completo, uma mulher que reencontrou as suas aptidões. É-me permitido, portanto, sentir-me digna da juventude viril que me enfeitiçou e perante ela já não tenho que baixar os olhos com um sentimento de impotência!
Tragicamente, a realidade é que as mudanças que a principio a encantam, são decorrentes dos efeitos hormonais do tumor ovariano das células granulosas produtoras de estrogênio:
O toque bimanual revelou ao Dr. Mutthesius um útero demasiado volumoso em relação à idade da doente e, seguindo a trompa, um tecido irregularmente espessado. Em vez dum ovário, já muito pequeno, um tumor informe. A Biópsia acusou células neoplásicas que, seguindo a sua natureza, provinham do ovário, mas outras células permitiram estabelecer que no próprio útero, células mães cancerosas estavam em pleno desenvolvimento. Tudo isso denotada a progressão rapidíssima do mal funesto.
O tumor das células granulosas representa cerca de 1 a 3% de todas as neoplasias ovarianas. Quando acomete mulheres na faixa etária da menopausa, manifesta-se comumente com sangramento genital pós-menopausa e hiperplasia endometrial. Em Rosália, a descoberta do tumor faz-se em um estágio demasiado avançado, quando já estabelecido o processo de metastatização, ao que ela rapidamente sucumbe:
O momento propício para fazer a operação tinha manifestamente passado havia muito tempo. Não só todos os órgãos da bacia estavam em plena degenerescência, mas também o peritônio apresentava, mesmo a olho nu, a mortífera aglomeração de células. Todos os gânglios do sistema linfático estavam espessados pelo carcinoma. Com toda a evidência, o fígado devia ter igualmente núcleos de células cancerosas.
Nesse trabalho, Mann, como um clássico novelista, oferece uma estimulante e agradável experiência de leitura, onde há um grande potencial para aprofundamento da compreensão da condição humana. O retrato psicológico do ser humano e a complexidade de cada personagem desafiam o entendimento do leitor. Por tratar repetidamente da morte e da doença, o autor chama a atenção para as questões existenciais da vida. Suas histórias são indubitavelmente uma atraente opção para o profissional médico.



REFERÊNCIAS:
1.MANN, Thomas. "O Cisne Negro". Trad: Domingos Monteiro.
2.Thomas Mann’s last novella “The Black Swan”: the tragic story of a post-menopausal woman. PMID: 15063972. PubMed.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ferdinand Hodler: o artista que imortalizou o processo de morte de sua amada

Ferdinand Hodler (1853-1918), – pintor suíço mais conhecido do Século XIX, precursor da pintura expressionista –, conheceu no ano de 1908 Valentine Godé-Darel, que se tornou sua amante. Valentine foi diagnosticada com um câncer ginecológico em 1913, e na quase totalidade de horas Hodler ficou ao lado da cama da enferma, confortando-a. O pintor utilizou o trabalho como meio de aliviar o sofrimento que passava diante da iminente e irreversível partida da amada. Essa fase difícil resultou em uma notável série de pinturas que documentam sua desintegração.

"Antes de mais nada, Hodler é um interpretador de pessoas, que consegue mostrar a alma através da pintura do corpo melhor do que ninguém ", escreveu Paul Klee, em 1911, a respeito de seu colega artista.

Hodler imortalizou a eventual extinção de Godé-Darel, mostrando-a antes, durante e após sua doença. O artista criou uma série de pinturas que forçam o espectador a enfrentar a visão do processo de morrer. A morte de Godé-Darel ocorreu em janeiro de 1915.


Fig. 1: "A juventude". Este retrato em tons de vermelho, de 1912, mostra Gode-Darel como uma bela, jovem e saudável mulher.


Fig. 2: “A doença”. Nesta segunda pintura, Gode-Darel já é registrada como uma paciente acamada.Hodler fez esta pintura onde aparecem rosas e um relógio em junho de 1914, após Gode-Darel passar por uma segunda operação.


Fig. 3: “A exaustão”. Valentine em 2 de janeiro de 1915, com os olhos fechados e a cabeça pendida. A paciente está dormindo. Seus traços estão se tornando mais nítidos, a face aparece mais angular.


Fig 4: “A dor”. A paciente está nos últimos dias de sua vida. Em 19 de janeiro de 1915, Godé-Darel fala pela última vez com Hodler, que continua a fazer retratos dela. Este esboço horrendo mostra seu rosto atormentado, sua cabeça aparece caida profundamente na almofada.


Fig.5: “A agonia”. Retrato pintado um dia antes de sua morte. Valentine já perdeu a consciência. A boca aparece aberta. Durante esta fase, torna-se impossível se comunicar com a pessoa que está morrendo. Se durar um longo tempo, a morte geralmente vem como um alívio para a família e a equipe de cuidadores.


Fig. 6: "A última pintura da morte de Godé-Darel". Nesta, feita em 26 de janeiro de 1915, um dia após sua morte Hodler simbolicamente transforma a imagem. Ela é dominada por muitas linhas horizontais. As faixas azuis na parte superior aparecem para simbolizar o céu, transmitindo a suposta idéia de é para lá que a alma vai. A base escura dos pontos de cama indica um mundo subterrâneo. O cabeçalho e rodapé da cama não parecem ser feitos de madeira. Pelo contrário, as duas pinceladas possivelmente simbolizam as medidas de tempo, o início e o fim.


Fig. 7: “Por do sol no Lago de Genebra”, 1915. Hodler repetidamente pintou essa cena, que ilustra o local onde Godé-Darel morreu.


REFERÊNCIAS:
Pestalozzi, B. “Looking at the Dying Patient: The Ferdinand Hodler Paintings of Valentine Gode-Darel”. Classic Papers, Supplement to JCO, Vol 21, No 9 (May 1), 2003: pp 74s-76s DOI: 10.1200/JCO.2003.01.178.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"A Morte de Ivan Ilitch" de Liev Tolstói

"Ivan Ilitch via que estava morrendo e sentia-se constantemente desesperado. No fundo da alma sabia bem que estava morrendo; mas não só não conseguia habituar-se a essa idéia, como não a compreendia mesmo - era incapaz de compreendê-la." Liev Tolstói

Em A Morte de Ivan Ilitch, considerada por alguns críticos literários a novela mais perfeita já escrita, Liev Tolstói (1828-1910) traça a trajetória de um paciente terminal confrontado com sua doença. O protagonista, Ivan Ilitch, membro de uma corte de apelação provincial, leva uma confortável vida burguesa. A doença – câncer –mudará tudo, transformará sua vida numa jornada de sofrimento e degradação. Com sua genialidade, o escritor russo nos leva a ocupar “o lugar do doente”, fazendo-nos refletir sobre o quanto a desatenção do médico pode ser desfavorável à evolução geral do paciente:

Ivan Illich foi. Tudo se passou como previa e como se passa sempre. Uma longa espera, expressões solenes e doutorais que conhecia muito bem, pois no tribunal era a mesma coisa, auscultação, apalpações, as perguntas habituais, exigindo certas respostas previamente determinadas e evidentemente inúteis, um ar importante que significava: vocês não precisam fazer mais do que obedecer-nos e nós arranjaremos tudo; sabemos muito bem, sem possíveis dúvidas, como se arranjam essas coisas, sempre da mesma forma, qualquer que seja o paciente. Tudo se passava, sem tirar nem pôr, como no tribunal. Do mesmo modo que ele representava uma farsa diante dos acusados, ali o famoso clínico a representava diante dele. O médico dizia: isto e aquilo indicam que o senhor tem isto e aquilo; mas no caso em que o exame não o confirme, seremos levados a supor que seu mal é este ou aquele. E se chegarmos a essa suposição... nesse caso... etc., etc. [...]Ivan Ilitch concluiu do resumo do médico que a coisa ia mal; para o médico, para toda gente mesmo, talvez aquilo não tivesse importância, mas para ele, pessoalmente, a coisa ia muito mal. E essa conclusão abalou de maneira dolorosa Ivan Ilitch, despertando nele um profundo sentimento de piedade de si mesmo e de ódio ao médico, tão indiferente em face de um fato daquela importância. [...] Ivan Ilitch saiu lentamente, retomou com tristeza o seu trenó e mandou tocar para casa. Durante todo o trajeto não cessou de meditar sobre as palavras do médico, esforçando-se por traduzir todos aqueles termos científicos, complicados e obscuros numa linguagem simples, a ver se encontrava nela a resposta à sua pergunta: o meu caso será perigoso, muito perigoso ou não será nada? E pareceu-lhe que as palavras do médico significavam que o seu caso era muito mau. As ruas revestiram-se de uma estranha tristeza aos olhos de Ivan Ilitch: os fiacres estavam tristes, as casas, os passantes, as lojas, tudo estava triste. E a dor que ele sentia, aquela dor surda, obstinada, que não o abandonava um instante, parecia adquirir, graças às frases ambíguas do médico, um significado novo, muito mais sério.

Os médicos, como mostra o texto acima, não se mostram dispostos a ajudá-lo; pelo contrário, o tom de “indiferença” e as palavras utilizadas pelo doutor exacerbam a sensibilidade do doente, fazendo-o se deparar com a morte de uma forma extremamente dolorosa. Seu criado, Guerássim, apieda-se dele; e é com esse homem simples que Ivan Ilitch aprenderá, afinal, o significado da fé e do amor.

A Morte de Ivan Ilitch é um dos clássicos utilizados na disciplina “Humanidades Médicas”, já instituída em diversas universidades do país.

REFERÊNCIAS:
TOLSTÓI, L A morte de Ivan Ilitch. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1998.