segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Doença de Paget na Pintura de Metsys

A osteíte deformante parecia ser uma doença relativamente nova quando descrita pela primeira vez no final do século XIX em Londres. Acreditando que obras de arte de diferentes tipos pode prever uma importante fonte de evidências de doenças antigas, J. Dequeker pesquisou possíveis lesões pagetóides no crânio e clavículas em uma pintura "Uma velha grotesca” atribuída a Quinten Metsys (1465-1530):

Uma Velha Grotesca. After Quinten Metsys (1465/1530).The National Gallery, London.

O desenho feito por Leonardo da Vinci foi a fonte direta para a pintura. O quadro representa uma mulher vestida numa roupa com um grande decote e um traje da moda italiana na cabeça. O mais marcante na pintura é o realismo de cada detalhe e o rosto caricatural. As narinas, por exemplo, são estranhas, excessivamente abertas e arqueadas. A amplitude das bochechas é acentuada pelas orelhas, que se destacam fortemente da cabeça; há também um abaulamento da área abaixo do nariz.

A osteíte deformante foi estudada pela primeira vez em 1877, pelo Sir James Paget, que a descreveu ao observar as deformidades ósseas de seu motorista, que não conseguia colocar o chapéu que lhe tinham oferecido, devido a um aumento progressivo do seu crânio. Também denominada doença de Paget, a condição esquelética localizada é caracterizada por uma excessiva reabsorção óssea, seguida de um aumento exagerado na produção óssea, originando um tecido ósseo estruturalmente desorganizado. Qualquer osso pode ser comprometido e as feições faciais mais robustas podem produzir leontíase óssea por conta da hipertrofia dos ossos da face, especialmente do maxilar e/ou mandibular.

As clavículas hipertróficas e a face leonina na pintura de Metsys questiona a crença que nutria James Paget de que a osteíte deformante foi uma condição que surgiu recentemente. Segundo Dequeker, a hipertrofia do osso maxilar, da mandíbula e das clavículas é característica das mudanças pagetóides nos ossos.

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Face Leonina no Desenho de Leonardo da Vinci

REFERÊNCIAS:
1. Projeto Diretrizes: Doença de Paget. Sociedade Brasileira de Reumatologia.2004
2. Dequeker, J.“Paget's disease in a painting by Quinten Metsys”.BMJ,VOLUME 299:23-3,DEC 1989.

Face Leonina no Desenho de Leonardo da Vinci

Características típicas da leontíase óssea pode ser visualizada num desenho de Leonardo da Vinci:
 Desenho de uma mulher. Leonardo da Vinci.

Esta ampla e longa face, com esse largo nariz, dá a todo o rosto uma aparência semelhante a de um animal selvagem. Essa face típica tem sido chamada de face leonina.

No desenho, a mulher retratada - uma idosa italiana - possui uma deformidade da face que pode ser explicada pela hipertrofia dos ossos maxilares, o que dá esta proeminência ao lábio superior e empurra para cima suas narinas. O queixo também é, provavelmente, hipertrofiado, por conseqüência da hipertrofia maxilar e/ou mandibular.

O termo leontíase óssea tem sido usado para descrever a fisionomia da hipertrofia dos ossos da face do crânio associada com diferentes processos patológicos, como a doença de Paget, hanseníase, displasia fibrosa e doença óssea inflamatória reativa.

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Doença de Paget na Pintura de Metsys

REFERÊNCIAS:
1.Cabral, F.; Natal,M. “Leontíase Óssea Urêmica”. Brasília Med 2010;47(2):254-257

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A "Clínica Gross" de Thomas Eakins

A pintura Clínica Gross, criada pelo pintor americano Thomas Eakins (1844-1916) em 1875, é um belíssimo trabalho visual relacionado à medicina e um marco na história da arte do século 19.

Clínica Gross. Thomas Eakins, 1875. Jefferson Medical College, Philadelphia.

A fim de aprimorar a qualidade técnica de suas pinturas, Thomas Eakins participou de um curso de anatomia do Jefferson Medical College, em 1874, tendo então oportunidade de assistir palestras presididas pelo professor Dr. Samuel D. Gross, que na época destacava-se como um dos cirurgiões mais ilustres e influentes dos Estados Unidos.

Os conhecimentos anatômicos e as habilidades desenhísticas de Eakins fez dele o escolhido para testemunhar a operação cirúrgica e retratar a lição ministrada pelo Dr. Gross.

O quadro mostra o professor Dr. Samuel D. Gross, do Jefferson Medical College, demonstrando uma operação conservadora para osteomielite do fêmur no anfiteatro cirúrgico. Esta cena sangrenta fora excessivamente criticada imediatamente após Eakins concluí-la, por ser considerada altamente dramática e poderosa.

Em decúbito lateral direito, à esquerda do cirurgião, encontra-se o paciente - um adolescente do sexo masculino - com a coxa esquerda exposta sendo submetido à remoção de um segmento do fêmur. O médico, com seu rosto severo e calmo, é retratado com os dedos sangrentos de sua mão direita segurando um bisturi ensangüentado na ponta. O rosto do paciente é obscurecido pela toalha encharcada de clorofórmio que o anestesista está usando para administrar anestesia geral.

Sentado atrás Dr. Gross aparece um funcionário da clínica que registra as notas do ato operatório. Vemos na tela o ambiente cirúrgico da época, que se assemelha a um grande teatro, com várias camadas de alunos observando o processo em torno do paciente. Há incluído entre o grupo o autorretrato de Eakins, que está sentado à direita da grade do túnel, desenhando ou escrevendo. Em pé no túnel aparece, à esquerda, o filho do Dr. Gross, o também cirurgião, Samuel W. Gross.

Vê-se nessa pintura um curioso fato histórico: antigamente, para testemunhar o honesto trabalho do cirurgião, um membro da família era obrigado a estar presente durante a cirurgia. A angustiada figura do sexo feminino que aparece à direita do Dr.Gross é a mãe do paciente, que se encolhe com horror diante do sangue do filho e bloqueia sua visão cobrindo os olhos com as mãos em garra.

A Clínica Gross retrata um heróico médico executando calmamente a múltipla tarefa de instruir os alunos e os assistentes enquanto opera. O quadro tem um importante lugar na história da medicina, tanto porque honra o surgimento da cirurgia como uma profissão de cura (anteriormente, não havia cirurgia conservadora para osteomielite, que era tratada com amputação), e porque nos mostra o teatro que parecia uma operação cirúrgica no século XIX.

Hoje, o quadro, outrora difamado, é admirado como uma notável pintura histórica do século XIX e considerado um dos mais excelentes retratos da arte americana.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Poliomielite na Arte / "O Mundo de Christina" de Andrew Wyeth

O Mundo de Christina (1948) é a mais conhecida pintura do artista americano Andrew Wyeth. O quadro mostra uma mulher deitada no chão rastejando em direção a uma casa cinzenta no horizonte:

“O Mundo de Christina”, 1948. Andrew Wyeth. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque.

A mulher que aparece na cena chama-se Christina Olson (03 de maio de 1893 - 27 jan 1968). Ela sofria de poliomielite e estava impossibilitada de andar por conta da deterioração muscular que paralisou a parte inferior do seu corpo. Wyeth era vizinho dos Olson e se inspirou para criar a pintura quando, olhando através da janela de sua casa, viu Cristina rastejando-se no campo. No quadro é representada a atrofia das extremidades que caracteriza a doença.

A obra encontra-se atualmente exposta no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, como parte de sua coleção permanente.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A História de Helen Keller no Cinema e na Literatura

Tudo tem suas maravilhas, mesmo a escuridão e o silêncio, e por isso aprendo a ficar contente, seja qual for o estado em que possa estar. Helen Keller


Helen Keller (1880 – 1968), nascida no Alabama, foi uma das mais notáveis personalidades da história. Cega e surda desde a infância, a extraordinária mulher superou os obstáculos inerentes às deficiências sensoriais para seguir uma brilhante carreira, provando para o mundo que certas limitações não impedem a obtenção do sucesso.


O trecho abaixo faz parte da autobiografia de Helen Keller, publicada no Brasil com o título A História da Minha Vida. No livro, Helen conta as dificuldades e alegrias vividas durante os primeiros anos de sua vida.

Então, no sombrio mês de fevereiro, chegou a doença que fechou meus olhos e ouvidos, mergulhando-me na inconsciência de um bebê recém-nascido. Chamaram-na de congestão aguda do estômago e do cérebro. O médico achou que eu não conseguiria sobreviver. Numa manhã bem cedo, porém, a febre foi embora tão súbita e misteriosamente como chegara. Houve uma grande alegria na família naquela manhã, mas ninguém, nem mesmo o médico, sabia que eu jamais enxergaria ou ouviria de novo.A História da Minha Vida (1902) – Helen Keller

Aos 19 meses de idade, Helen foi vítima de uma enfermidade descrita pelos médicos da época como "um forte congestionamento do estômago e do cérebro". A doença de Keller nunca foi identificada com certeza. Atualmente, os médicos acreditam ter sido escarlatina ou meningite.

Em 1886, a mãe de Helen, inspirada pelo conto American Notes de Charles Dickens - que narra a história real da educação bem sucedida de outra criança cega e surda, Laura Bridgman - procurou uma instrutora para a filha. O diretor do Instituto Perkins para Cegos indicou para a função sua ex-aluna Anne Sullivan (1866-1936). Também deficiente visual, a Sra. Sullivan havia sido quase cega, mas depois de duas operações, recuperou alguns graus da visão. Helen tinha seis anos, em 1887, quando Anne mudou-se para sua casa. Desde então, a educadora começou a ensiná-la usando a linguagem de sinais do alfabeto na palma de sua mão.



Helen Keller e Anne Sullivan (1893)

Utilizando apenas o tato, Keller aprendeu a se comunicar com o mundo. Através da linguagem dos sinais e do método braile, chegou a dominar os idiomas inglês, francês, latim e alemão, tornando-se mais tarde uma célebre escritora, filósofa, conferencista e ativista política.

Anne Sullivan foi sua professora, companheira e protetora durante 49 anos. Segundo Helen “Foi o gênio de minha professora, sua rápida solidariedade, seu amoroso tato que tornaram tão bonitos os primeiros anos de minha instrução. O melhor de mim pertence a ela - não há um talento, uma aspiração ou uma alegria em mim que não tenha sido despertado por seu toque amoroso”. Juntas, Keller e Sullivan desenvolveram diversas campanhas em favor do bem estar das pessoas portadoras de deficiência.

Baseado na autobiografia de Helen, a história do encontro entre as duas é contada no clássico das artes cinematográficas O Milagre de Anne Sullivan, de 1962, dirigido por Arthur Penn.



Sob a orientação de sua professora e com uma persistência inigualável, Helen, além de aprender a ler, escrever e falar (por imitação das vibrações da garganta de sua preceptora) demonstrou, também, excepcional eficiência no estudo das disciplinas do currículo regular. “Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar” é a mensagem deixada por Helen junto com o incentivador exemplo que fora sua bela trajetória.

Curiosidade: A inteligência refinada de Helen fez dela amiga de distintas personalidades, tendo como um dos mais íntimos de seu ciclo social o cientista e inventor Alexander Graham Bell , que por causa da deficiência auditiva de sua mãe, estava trabalhando com crianças surdas na época. Encantado com as qualidades intelectuais de Helen, também o médico e poeta Oliver Wendell Holmes tornou-se seu inseparável amigo.