segunda-feira, 28 de maio de 2012

Semiologia em "Popeye"

O personagem Popeye (cujo o nome, pop eye, significa olho arregalado), filho da criatividade do escritor Elzie Crisler Segar, nasceu em 1929. Baseado em Frank Fiegel, baixinho invocado amigo de Segar, o personagem é um carismático marinheiro, cuja principal função é proteger sua amada, Olivia Palito, das garras de seu inimigo Brutus. Ao ingerir espinafre, Popeye adquire uma força descomunal, ficando preparado para vencer quaisquer desafios.

Durante o ano de 1933, o estado do Texas, considerado o maior produtor mundial de espinafre, viu-se diante de uma supersafra dessa folhagem e sem mercado para escoar a colheita excedente. Os empresários do agronegócio convenceram Segar a fazer Popeye adquirir uma força extraordinária ingerindo espinafre. As vendas aumentaram 30%.

Popeye, ao ingerir o vegetal, apresentava uma súbita hipertrofia na região anterior do braço, como se nele houvesse uma bola, o que deu origem ao termo médico Sinal de Popeye:

(Gravura de M. Waldman). Sinal de Popeye após a ingestão de espinafre.
Denomina-se Sinal de Popeye, músculo de Popeye, deformidade de Popeye ou bíceps de Popeye o aspecto morfológico advindo da rotura do tendão da cabeça longa do bíceps do braço. Fixado no tubérculo supraglenoidal da escápula, o referido tendão localiza-se parcialmente no sulco intertubercular do úmero, o que propicia a ocorrência de tendinite e degeneração tecidual. Em mais de 70% das roturas totais do tendão originado da cabeça longa do bíceps braquial, o paciente apresenta um “caroço” na superfície anterior do braço.

Rotura do tendão da cabeça longa do bíceps do braço e consequente "Sinal de Popeye".
A saliência ocorre devido à retração do ventre do músculo bíceps. Outras manifestações são estalidos audíveis e dor súbita no ombro.

Curiosidades: 

Ano passado, pesquisadores ingleses receberam um homem de 42 anos que havia sofrido um acidente de bicicleta. Um caminhão bateu em sua traseira e seu glúteo direito sofreu uma separação e adquiriu um contorno anormal durante a contração. Os médicos resolveram chamar o caso de glúteo do Popeye, em alusão ao formato do bíceps do personagem do desenho animado. De acordo com o médico responsável pelo caso, Thomas Wood, eles pensaram no desenho porque o glúteo do paciente parecia o braço do Popeye quando ele comia espinafre: seu bíceps ficava perpetuamente flexionado, com aparência de forte, como se o músculo tivesse se separado do osso.

Olívia ganhou de presente, no ano de 1936, um estranho bichinho de estimação chamado Eugene. Dotado de poderes mágicos, amarelado e monossilábico, pronunciava de vez em quando as palavras “jeep jeep”. Em 1940, durante a II Guerra Mundial, a Willys-Overland Motors investe tudo na propaganda de seu estranho veículo 4 x 4, projetado para rodar em qualquer terreno, ou seja “general purpose” (GP). Os americanos apelidam carinhosamente o gp (pronuncia-se em inglês gipi) de jeep, em alusão ao jeep proferido pelo animalzinho de estimação de Oliva.

O pão com salsisha e molho de tomara foi chamado pela primeira vez de “hot-dog” em uma das historias de Popeye.

É de Olívia a frase “A esperança é a última que morre”, pois há 83 anos espera-se casar com Popeye e com ele viver feliz para sempre.

REFERÊNCIAS: 
1.BEZERRA AJC, ARAUJO JP - Medicando com arte. Cons. Reg. Med. Distrito Federal, 2006 
 2.Wikipédia: Popeye

sábado, 26 de maio de 2012

Câncer de mama em obra de Rembrandt

Exposta no Louvre, O Banho de Betsabé é uma famosa obra do pintor barroco Rembrandt van Rijn (1606-1669):

O Banho de Betsabé (1654). Rembrandt van Rijn. Óleo sobre tela, 142cm x 142cm. Museu do Louvre (Paris).
A pintura retrata a cena bíblica em que o Rei Davi observa Betsabé nua, e a envia uma carta exigindo sua presença no palácio. A figura feminina expressa tristeza e resignação ao invés de prazer.

De acordo com um cirurgião italiano, Rembrandt registrou na mama esquerda de sua esposa e modelo Hendrickje Stoffels, sinais de câncer de mama, como retração na pele, assimetria mamária, alteração da cor e linfadenomegalia axilar.

Detalhe evidenciando deformidades na mama esquerda.
Devido as alterações sugestivas de neoplasia tanto na mama quanto na axila da modelo representada por Rembrandt, o quadro ilustra a capa do livro Women, Cancer and History, de autoria de James S Olson.

Outros possíveis diagnósticos sugeridos são tuberculose da glândula mamária e mastite puerperal ou da lactação.

Após a conclusão de O Banho de Betsabé Hendrickje viveu durante nove anos, envidencia-se em outras pinturas uma deterioração física de sua saúde ao longo deste período. A esposa de Rembrandt faleceu em 1663. Alguns registros históricos afirmam que ela morreu vítima de tuberculose, outros creem ser mais plausível considerar como causa mortis a disseminação de uma neoplasia mamária.

REFERÊNCIAS: 
1.Bourne RG. Did Rembrandt’s Bathsheba really have breast cancer?. Aust N Z J Surg. 2000;70:231–23. 
2.Masuda, H. Nemoto, N. “Rembrandt’s Bathsheba, possible lactation mastitis following unsuccessful pregnancy.”Medical Hypotheses. Volume 66, Issue 6 , Pages 1240-1242 , 2006.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Adrenoleucodistrofia no filme "Óleo de Lorenzo"

Dirigido por George Miller, Óleo de Lorenzo (1992) é um enternecedor filme baseado em fatos reais que conta a história de Lorenzo Adone, um garoto que aos cinco anos de idade recebe o diagnóstico de adrenoleucodistrofia (ADL), doença que o levaria à morte em menos de três anos.


A ADL é uma doença rara (1:25.000), ligada ao cromossomo X, causada pela deficiência da proteína transportadora de Acil-coenzima A, que é encontrada na membrana dos peroxissomos e está relacionada ao transporte de ácidos graxos para o interior dessa estrutura celular; por conseguinte, há acúmulo de ácidos graxos de cadeia longa principalmente na adrenal e no sistema nervoso central.

A adrenoleucodistrofia deve ser lembrada quando um paciente jovem do sexo masculino apresenta sinais de hipocortisolismo e distúrbios neurológicos, como espasticidade de membros inferiores e/ou distúrbios das funções vesical e sexual.

Augusto e Michaela Odone, pais de Lorenzo, frustrados com a falta de tratamento, resolveram se aprofundar no assunto, e após inúmeras pesquisas, desenvolvem um óleo terapêutico – o óleo de Lorenzo (mistura dos derivados dos ácidos oleico e erúcico), que atua interrompendo a síntese dos ácidos graxos, estagnando a evolução de algumas doenças desmielinizantes, como a ALD.

Augusto, Michaela e Lorenzo Odone.
Por sua importante contribuição à medicina, o pai de Lorenzo recebeu o título de Doutor honorário. Lorenzo Odone faleceu em 30 de maio de 2008, aos 30 anos de idade, por broncoaspiração. Antes do óleo que leva seu nome, a expectativa de vida para esses pacientes era de, no máximo, dez anos.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Síndrome de Cushing e o personagem Barney, d’Os Simpsons.

A síndrome de Cushing é a resultante fenotípica da exposição crônica a concentrações elevadas de cortisol, hormônio liberado pela glândula adrenal em resposta à liberação de ACTH na hipófise anterior.

A causa mais comum de síndrome de cushing é a iatrogênica, pela administração de glicocorticoides nas mais diversas situações clínicas. As causas endógenas de hipercortisolismo são divididas em dois grandes grupos: ACTH-dependente, representada pela doença de Cushing e ACTH-independente, cujo protótipo é o adenoma adrenal.

Analisando o personagem Barney Gumble, alcoólatra da série animada Os Simpsons, nota-se claramente características fenotípicas da síndrome de Cushing:



Apesar de ser um hormônio catabólico, o cortisol leva ao acúmulo de gordura abdominal. O motivo é a expressão muito maior, tanto do receptor para glicocorticoide como da enzima formadora de cortisol, no omento do que no restante do subcutâneo. O resultado é a obesidade tronco-facial e, graças ao desenvolvimento de atrofia e fraqueza muscular pelo catabolismo proteico, associa-se ao quadro extremidades finas e consumidas.

Outros achados característicos são: deposição anormal de gordura na fossa supraclavicular e temporal, hirsutismo, fraqueza muscular proximal, estrias violáceas largas (>1 cm), aparecimento de irritabilidade, redução da cognição e da memória de curto prazo e osteoporose.

O tipo físico de Barney foi inspirado em vários biriteiros americanos:
Estendendo a analogia e levando em consideração o alcoolismo do personagem, ouso dizer que Barney representa um clássico portador da síndrome de pseudo-cushing (que compartilha muitas das características clínicas e bioquímicas da síndrome de Cushing), tendo como uma possível etiologia a alteração da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal pelo consumo exagerado de álcool ou pela interrupção abrupta do mesmo.

REFERÊNCIAS: 
1.Romanholi, D. “Estados de pseudo-Cushing”. Arq Bras Endocrinol Metab vol.51 no.8 São Paulo Nov. 2007.

domingo, 20 de maio de 2012

Jeca Tatu na Medicina Brasileira

Observando o modo de vida dos caboclos de sua propriedade, o consagrado escritor Monteiro Lobato (1882-1948), transporta para a literatura as suas inquietações, insatisfações e dissabores com relação a preguiça e vagabundagem do homem do campo.

Assim, para representar fielmente o caboclo do Vale da Paraíba, – “homem amarelo, franzinho, inerte, que provoca a morte dos animais, queimadas, e possui baixa produção”, Monteiro semeia, na obra “Urupês”, o personagem Jeca Tatu, onde, desfazendo-se da imagem do caboclo romântico, constrói o anti-herói, o caboclo preguiçoso, piolho da terra, que vive de cócoras, sem aptidões.

Participando ativamente dos debates em torno da campanha pelo saneamento nas áreas rurais, Lobato se depara com os problemas causados pelas péssimas condições de higiene e fraqueza do homem do campo. Assim o escritor, percebendo que sua criaturinha possuía mais problemas que a preguiça, curvou-se a realidade, e para desculpar-se do erro cometido, verificou que “os caipiras eram barrigudos e preguiçosos por motivo de doenças”. O homem do campo era vítima da falta de higiene e saneamento básico, tendo as suas entranhas corroídas por um parasito adquirido.

Consciente das angústias e fatos que acometem os “Jecas da vida”, Monteiro resolve dar uma nova direção para a história, criando o Jeca Tatuzindo, que segundo ele: “padecia dos mesmos males, no entanto,após entrar em contato com a ciência médica, curava-se das moléstias que o levavam a ser indolente; tornava-se trabalhador, enriquecia e transformava-se em exemplo para os vizinhos.” A nova história a ser contada faz parte de uma campanha objetivando esclarecer a população brasileira sobre a ancilostomíase.

O parasito, Ancylostoma duodenale, é agora o causador do “caboclo amarelo e franzinho”, e deve ser combatido para livrar o sertanejo do “mal” de seu corpo. Assim, Monteiro Lobato libera o personagem Jeca Tatu para a participar da campanha nacional contra o amarelão. Lobato, a fim de esclarecer sua nova posição, afirmou no jornal O Estado de São Paulo que “O Jeca não é assim, está assim., .(...) a saúde pública brasileira vai mal e a apatia do caipira é decorrente de suas enfermidades, destacando-se a anciosmose, a leishmaniose, a tuberculose e a subnutrição., em particular, o incômodo causado pelo verme Ancylostoma duodenale.”



O “amarelão” é conhecido desde tempos imemoriais, e caracteriza-se no homem por parasitismo intenso e considerável anemia; Avicena, o mais famoso médico persa, que viveu no século X da nossa Era, foi o primeiro a encontrar os vermes nos intestinos dos pacientes, e responsabilizá-los pela anemia espoliativa, de evolução lenta e progressiva, acompanhadas de perturbações gastrointestinais, depressão mental e física, por serem os mesmos hematófagos (sugadores de sangue).

Estimuladas pelo calor da pele de seus futuros hospedeiros, as larvas atravessam a superfície da mesma, por entre as fissuras ou poros, valendo-se das bordas desses poros como suporte auxiliar de seu caminho posterior, e penetram através das fissuras horizontais, folículos ou aberturas das glândulas sudoríparas, conforme a natureza da pele exposta. No caminho de sua penetração na epiderme, a cápsula, se ainda não inteiramente expulsa, é deixada; o maior número delas e encontrado nos capilares linfáticos do derma, e pequeno número penetram diretamente nos capilares sanguíneos; algumas ficam vagando, muitas vezes, nas camadas superficiais da pele, penetrando no tecido gorduroso e não raro no muscular. As lavas que caem nos linfáticos, são levadas primeiro aos gânglios linfáticos, onde muitas vezes são destruídas, atacadas pelas próprias células linfáticas de defesa, que se fixam firmemente á cutícula das lavas e as matam; Muitas delas, não sendo vítimas dessas células de defesa natural do organismo paralisado, atravessam os gânglios, e caindo no ducto torácico e na corrente circulatória, sendo conduzidas pelos vasos sanguíneos, vão ter ao coração direito, de onde são levadas pela artéria pulmonar até o próprio pulmão; neste órgão, caem nos alvéolos pulmonares, possivelmente atraídas pela presença do oxigênio. Uma vez nos alvéolos, tendo caminhado a curta distância até os brônquios, o epitélio ciliado empurra as larvas pelo caminho restante até a boca do animal hospedeiro. Esse último caminho é apenas mecânico, estimulando a secreção de muco que embebe as larvas, provocando tosse. Tal tosse, chamada tosse chistosa, característica do parasitismo por vermes que efetuam o chamado Ciclo de Looss, acabado de ser descrito, é sintoma que serve para caracterização clinica do parasitismo. A tosse que ocorre por irritação da mucosa das vias aéreas, provocada pela própria larva embebida em muco, serve como meio de ser a mesma deglutida, caindo então no estômago, e daí, para os intestinos, para completarem assim todo o caminho para se estabelecerem definitivamente neste último órgão, agora então como parasitas plenamente desenvolvidos, aptos a sugarem sangue de suas vítimas, e causando todos os malefícios decorrentes.

Yokogawa (1926), através de experiências, descobriu que a maioria das lavas se desenvolve diretamente, sem migrações através da pele,e que poucas penetram nas paredes do canal alimentar. O tratamento na época era feito pela utilização de um vermífugo por via oral. No Brasil, o parasito, Ancylostoma duodenale, recebeu vários nomes, tais quais: Opilação, Amarelão ou Anemia Tropical.

Também para alívio de sua consciência, em 1910 Monteiro Lobato deixa a imagem de seu personagem caipira assumir o papel de garoto propaganda do laboratório paulista fundado por Cândido Fontoura. Supostamente, o antianêmico (ferro para o sangue e fósforo para os nervos e músculos) veio mudar a situação do Jeca, que tornou-se robusto após combater a vermifucação.


Sem perda de tempo, o escritor idealiza e coloca em pratica o novo personagem, o Jeca Tatuzinho, que após tomar o biotônico, teve suas forças refeitas. Assim surgiu o Almanaque do Jeca Tatu, idealizado por Monteiro e editado e distribuído pelo Laboratório Fontoura.

O almanaque explicava com simples palavras ao povo brasileiro, através de Jeca, como o parasito se apropriava de seus corpos através da pele, qual era o ciclo e como os ovos eliminados pelas fezes permaneciam no solo e que para seu bem o caboclo não deveria mais utilizar as bananeiras para as suas necessidades fisiológicas. Deveriam sim andar calçado com suas botinas, na época feitas de couro cru e fabricado de forma artesanal, para evitar a contaminação. Neste período, mais de noventa por cento da população andava descalça e não tinham noções básicas de higiene pessoal, com o almanaque, a população ficou ciente de que os ovos do parasito no solo produziriam as lavas que retornaria através da sola dos pés, e para completar o ciclo as lavas cairiam na circulação; desenvolveriam-se; fixavam-se nas paredes intestinais; aptos a sugarem sangue de suas vítimas e botarem novos ovos para ser expelidos pelas fezes.  
Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provada que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharada cruel que te faz papudo, feio, molenga inerte. Tens culpa disso? Claro que não. Assim, é com piedade infinita que te encara hoje o ignorantão que outrora só via em ti manparra e ruindade. Perdoa-me, pois, pobre opilado, e crê no que te digo ao ouvido: és tu isso se tirar uma virgula, mas ainda és melhor coisa desta terra. Os outros, os que falam francês, dançam o tango, fumam havanas e, senhores de tudo, te mantêm nessa geena infernal para que possam a seu favor viver vida folgada á custa do teu trabalho ,esses, meu caro Jeca Tatu, esses têm na alma todas as verminoses que tu tens no corpo. Doente por doente, antes como tu, doente só do corpo....(Urupês, 4º edição. Monteiro Lobato)
Examinando a história do progresso rural, percebemos a incrível contribuição que representou o personagem Jeca Tatu para o desenvolvimento da medicina nacional, em tempos em que era escassa a preocupação com a saúde do povo brasileiro.

Mais que um escritor brasileiro, Lobato é o próprio guia da nacionalidade; com sua literatura, ele tencionou salvar o caboclo dos males da terra, e levando o conhecimento sobre a importância do saneamento e das condições de higiene, inegavelmente obteve resultados positivos.

REFERÊNCIAS: 
1.LOBATO, Monteiro. Urupês. In: Obras completas de Monteiro Lobato. São Paulo: Brasiliense, 1957.
2.PACHECO, RE. "Jeca Tatu: A medicina de Monteiro Lobato." Disponível em: http://encipecom.metodista.br/mediawiki/index.php/Jeca_Tatu:_a_medicina_de_Monteiro_Lobato 3.REY, L. “Um século de experiência no controle da ancilostomíase”. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 34(1):61-67, jan-fev, 2001.