sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Os "bichinhos de pelúcia" da corte francesa

A hipertricose (também conhecida como a síndrome do lobisomem), seja universal ou localizada, é uma doença de natureza endócrina perenizada em telas.

A hipertricose generalizada pode ocorrer na anorexia nervosa, no hipotireoidismo, na porfiria, em certas doenças do sistema nervoso e com o uso drogas (ex: fenobarbital).

Pedro Gonzales, sofreu de hipertricose universal (doença tão bizarra que beira a ficção).


Pedro Gonzales, seu filho, suas duas filhas e um neto foram afetados pelo transtorno e enviados à França como uma curiosidade para os nobres. Nascido em Tenerife, nas Ilhas Canárias, em 1556, Pedro foi dado de presente à corte de Henrique II, como se fosse um bichinho de pelúcia.

Um dos primeiros casos conhecidos de hipertricose universal congênita foi, portanto, o de Pedro Gonzales. Em razão de sua inteligência e de sua presença marcante, Henrique II fez dele um de seus mais importantes embaixadores. A artista Lavinia Fontana de Zappis, filha do também artista Prosperam Fontana - amigo de Michelangelo Buonarroti e retratista do papa Júlio – representou artisticamente a hipertricose dos Gonzales. Abaixo, o retrato de Gonzales:

Gonzales (1585).Lavínia Fontana de Zappis (1552-1614).Óleo sobre tela.Castelo de Ambras (Innsbruck)

Nascida na Holanda em 1572, Antonieta Gonzales, conhecida por Tonina, herdou do pai, Pedro Gonzales, casado com uma bela holandesa, a hipertricose universal congênita.

Em 1592, Ulisses Aldrovandi, médico e professor da Universidade de Bolonha, examinou os Gonzales e documentou os casos em seu livro ilustrado com xilogravuras, o qual recebeu o título de História de Monstros. No final do capítulo, o médico registra ter recebido a notícia de que Tonina havia se casado e dado à luz um filho peludo. O óleo sobre tela ao lado, intitulado Filha de Gonzales foi pintado também por Lavinia Fontana em 1585, e encontra-se exposto no Kunsthistorishes Museum (Viena).

"Toninha" (Séc. XVI); Lavinia Fontana.

REFERÊNCIAS:
 1.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.
2Cardoso CBMA, Bordallo MAN, CKA. Hirsutismo . Adolesc. Saude. 2005;2(1):37-40

O caso da mulher barbuda

A pilosidade patológica conhecida como hirsutismo, de localização tipicamente masculina, deve-se a uma produção aumentada de andrógenos pelas supra-renais ou pelos ovários.


A Mulher Barbuda é um caso de androgenização magnificamente registrado em obra de arte. Em 1631, o duque de Alcalá, à época vice-rei de Nápoles, impressionado com o aspecto particular de uma mulher que tinha barba, atribuiu a José Rivera a tarefa de imortalizar-la em uma de suas pinturas.

Magdalena Ventura, natural de Nápoles, é a senhora retratada no quadro; ela é vista em primeiro plano amamentando seu filho caçula com sua volumosa mama direita. Em seu rosto, vê-se um espesso bigode e densa barba negra. Na época em que a obra foi concluída, possuía ela 52 anos de idade, porém, conta-se que os pêlos surgiram quando Magdalena tinha em torno de 37 anos. Teve três filhos antes de surgir barba e quatro depois do hirsutismo localizado. Magdalena casou-se duas vezes (ao seu lado na pintura aparece Felix, o segundo marido).

A mulher barbuda ganhou seu pão de cada dia indo de cidade em cidade em circos itinerantes.

REFERÊNCIAS:
BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.

domingo, 4 de dezembro de 2011

São Bartolomeu: O padroeiro da Dermatologia

São Bartolomeu (ou Natanael) foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo. Ele aparece na ponta esquerda da mesa na Santa Ceia, pintada por Leonardo da Vinci.

Segundo fontes históricas, após haver convertido muitas pessoas ao cristianismo, São Bartolomeu teve o corpo esfolado e decapitado em Albanópolis, atual Derbent, na província russa de Daguestão, a mando do governador.

A pele escalpelada de São Bartolomeu é vista no Juízo Final da Capela Sistina, um declarado auto-retrato de Michelangelo:

Detalhe de Juízo Final (1541). Michelangelo Buonarroti (1475-1564). Afresco. Capela Sistina (Vaticano).
São Bartolomeu aparece à esquerda da figura central de Jesus, empunhando o instrumento do seu suplício – uma faca cirúrgica – em sua mão direita, e a própria pele com a mão esquerda. A pele, esfolada, é o símbolo de seu sofrimento.

Michelangelo pintou São Bartolomeu com uma pele nova e perfeita; no entanto, o próprio rosto do artista, angustiado, é retratado numa pele velha e flácida, como a representar a face de um pecador.

A velha pele substituída por uma nova significa a renovação pregada pelo cristianismo. A respeito dessa purificação conseguida através do martírio, Michelangelo – além de pintor, exímio poeta – escreveu o seguinte poema ao completar a pintura em foco:
Como se fosse uma velha serpente esgueirando-se
Por uma estreita passagem
E perdendo sua velha pele,
Poderia me renovar,
Abrir mão de meu estilo de vida e de todos os desejos humanos.
Tenho perfeita consciência de que, quando se está coberto
Com uma pele mais forte,
O mundo passa a não significar nada. (Michelangelo, 1541).
Tradicionalmente, São Bartolomeu foi consagrado o santo protetor contra as doenças de pele e, também, o padroeiro da Dermatologia.

REFERÊNCIAS:
1. Biografia: "São Bartolomeu, o apóstolo". Sociedade das Ciências Antigas.
2.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.
3.BARRETO, Gilson "A Arte Secreta de Michelangelo - Uma Lição de Anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Freud explica a epilepsia

A literatura, mais especificamente a intensa vida emocional transparecida na obra do escritor Fiódor Dostoiévski, inspirou Sigmund Freud a escrever Dostoiévski e o Parricídio (1928), ensaio onde o psicanalista destrincha a distinta e complexa personalidade do escritor. Quatro aspectos humanitários relevantes são analisados na obra: o artista criador, o neurótico, o moralista e o pecador.

Freud analisa também a epilepsia de Dostoiévski, concluindo que as crises são conseguintes à extraordinária atividade emocional do escritor, e que essas crises também podem ocorrer em outras pessoas que apresentam uma vida emocional excessiva, via de regra insuficientemente controlada.

É, portanto, inteiramente correto distinguir entre epilepsia orgânica e epilepsia ‘afetiva’. A significação prática disso é a de que uma pessoa que sofre do primeiro tipo tem uma moléstia do cérebro, ao passo que a que padece do segundo é neurótica. No primeiro caso, sua vida mental está sujeita a uma perturbação estranha, oriunda de fora; no segundo, o distúrbio é expressão de sua própria vida mental.(Freud em Dostoiévski e o Parricídio.)

O trecho acima mostra que Freud distingue claramente o que atualmente é classificada como epilepsia secundária da epilepsia idiopática. No primeiro caso, a causa é definida pela exacerbação paroxística de determinada função cortical devido a tumores cerebrais, AVC isquêmico, vasculites ou outra causa orgânica; no segundo, mesmo com todos os sofisticados exames de neuroimagem, não se descobre nenhum substrato orgânico.

Sabe-se que a excitação emocional está direta e indiretamente ligada a ocorrência de crises epilépticas. A tensão causada por tarefas cognitivas estressantes reduz o limiar epiléptico, podendo gerar diretamente anormalidades no eletroencefalograma (EEG) e, indiretamente, fatores emocionais como a ansiedade ou excessiva manifestação de alegria geram hiperventilação (um dos principais fatores desencadeantes das crises epilépticas), também a privação de sono decorrente do estresse pode levar a uma atividade elétrica anormal, deixando o indivíduo mais propenso às epilepsias.

É a epilepsia idiopática (ou primária) denominada anteriormente por Freud de “epilepsia afetiva”. Assim, Freud foi o primeiro a observar que a “tensão emocional” é um importante fator desencadeador das crises epilépticas.

REFERÊNCIAS:
FREUD, S. "Dostoiévski e o parricídio". In: O Futuro de uma Ilusão, O Mal-Estar na Civilização e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996. pp.67-148.