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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Demência: Autorretratos de William Utermohlen

William (Bill) Utermohlen nasceu em 1933 numa família de imigrantes alemães no sul da Filadélfia.

Integrou a Academia de Belas Artes da Pensilvânia no periodo entre 1951-1957.
Viveu a maior parte da carreira artística em Londres, onde residia com sua esposa, Patricia, uma historiadora de arte.

Conversação. 1990. Óleo sobre tela.
Ironicamente, o acervo de Bill retrata preferencialmente comunicações interpessoais – anos mais tarde prejudicada no artista devido ao declínio das habilidades comunicativas provocado pela doença de Alzheimer – , sendo poderosamente sensoriais, com cores intensas e arranjos espaciais envolventes, amplificado as interações dos membros da composição.

Ao receber o diagnostico de doença de Alzheimer, em 1995, seu estilo mudou dramaticamente. Pinceladas mais espessas refletem um sentimento urgente e expressionista.

Bill inicia uma série de trabalhos expressando não mais a conexões entre seres, mas uma variedade de estados espontâneos de espírito, incluindo tristeza, raiva e resignação.

A obra de Bill oferece uma narrativa visual única da experiência subjetiva de um paciente que sofre de demência. O artista pinta as mudanças graduais que vivencia – alterações que não consegue mais transmitir em palavras.

Se por um lado o declínio cognitivo engessa seus gestos e linguagem limitando o contato externo material, por outro, a liberdade do espírito criativo interno amplia a proximidade humana através das emoções expressas em seus autorretratos:

Blue Skies. 1995.
Em Blue Skies (1995) o artista testemunha o anúncio de sua doença e seu declínio iminente . O diagnóstico desta morte psíquica, que ocorre antes da morte real, produz um medo profundo. O tempo parou. O exterior é vazio. Um buraco oblíquo encontra-se acima pronto para sugá-lo. Para não ser devorado pela escuridão, ele paira sobre a mesa como um náufrago em sua jangada, como um pintor amarrado em sua tela.

Broken Figure. 1996. 

O diagnóstico é claro. Os médicos agora estão testando a memória de Bill. Eles perguntaram-lhe se ele ainda sabe o dia, o mês, o ano, e o lugar em que está. Questionam se ele ainda pode memorizar uma lista de palavras, completar uma subtração simples, nomear objetos comuns, ou realizar a cópia de simples formas geométricas. A humilhação de não conseguir responder a estas perguntas simples quebra sua auto-confiança. Em breve, ele sente que não será capaz de responder quaisquer perguntas. Toda a esperança de uma cura ou mesmo uma estabilização da sua condição está perdida. Confrontado por seu próprio declínio, a queda em sua auto-estima é vertiginosa. O retrato mostra um “eu” fragmentado.

Autorretrato - 1996
Este autorretrato fixa uma imagem de si mesmo. Bill compartilha a experiência de viver com a doença de Alzheimer testemunhando, através de seu trabalho, sua verdade pungente - ele espreita o exterior atrás das grades da prisão.

Duplo Autorretrato. 1996

Sabendo agora que a fonte de sua doença é sua cabeça, ele se concentra no contorno de seu crânio, delineando duas vezes na cabeça que surge à esquerda. Seu olhar transparece carga e resignação; à direita, sua expressão é brava e machucada.

Máscara. 1996.

A pintura acima reflete a transição de ser para não-ser. O autor registra o instante em qual o “eu” se afasta do si mesmo, se derrete, deixando apenas silêncio para trás.

Autorretrato. 1997


Neste auto-retrato, a serra vertical, como uma lâmina de guilhotina, simboliza a aproximação de uma morte prefigurada. A divisão entre o que ele sente, o que ele gostaria de fazer ou dizer, e o que ele é realmente capaz de fazer é maior a cada dia. É um encontro com o “eu” desconhecido. Suas possibilidades de expressão já não são suficientes para expressar a natureza extrema de sua experiência.

Autorretrato (verde). 1997 

Dois anos após o diagnóstico, os autorretratos são distintamente diferentes. As formas são turvas. Motivação, atenção, memória e reconhecimento visual estão agora desorganizados e tornam as tarefas desajeitadas. Emoções são precisamente expressas – nota-se o sentimento de tristeza, ansiedade, resignação e impotência.

Autorretrato. 1998; Autorretrato, 1955.

Sozinho no estúdio, Bill quer experimentar novamente os velhos movimentos da pintura. Desta vez, ele inspira-se num antigo autorretrato, quando ele tinha 22 anos de idade. O autorretrato de 1998 mostra a mudança na arquitetura de sua psique. Sua cabeça está totalmente enquadrada pelo retângulo de seu cavalete. As linhas vermelhas e amarelas estreitam a constrição de sua cabeça e servem para desligar este último retrato de si mesmo.

Autorretrato Apagado, 1999. Cabeça, 2000. 

Cinco anos após o dianóstico, o artista pinta os últimos autorretratos. Neles surge a tentativa de estruturação de uma cabeça desmontada. O artista tenta evocar uma imagem primordial de si mesmo, mas o que emerge é algo estranho e ameaçador.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Icterícia em Obra de Caravaggio

Pequeno Baco Doente (italiano: Bacchino Malato [1594]), é uma pintura de Michelangelo Merisi da Caravaggio realizada em meados de 1592, durante os primeiros anos de Caravaggio em Roma, período no qual o artista esteve extremamente doente e passou seis meses internado no hospital de Santa Maria della Consolazione.

Pequeno Baco doente (Bacchino Malato) (1594). Oil on canvas, 67 × 53 cm. Óleo sobre tela, 67 × 53 cm. Galleria Borghese, Rome, Italy. Galleria Borghese, em Roma, Itália.

O sinal externo da afecção de Baco (isto é, Caravaggio) é icterícia, como pode ser visto a partir dos tons de pele e da esclerótica, os quais correspondem aos dos pêssegos na mesa em frente a ele.

A icterícia, definida como coloração amarelada da pele, escleróticas e membranas mucosas devido à deposição de pigmento biliar nesses locais, reflete perturbações na produção e/ou em passos do metabolismo/excreção da bilirrubina, sendo manifestação clínica de numerosas doenças hepáticas e não hepáticas.

De acordo com a publicação médica norte-americana Clinical Infectious Diseases (2009), a doença sofrida por Caravaggio neste período é malária, que pode cursar com icterícia decorrente da destruição das hemácias pelo plasmódio, ocasionando uma produção exagerada de bilirrubinas.

Dois anos mais tarde, quando já completamente curado, o artista também se retratou em Jovem Baco (1596), um espécime completamente saudável.

Baco (1596). Oil on canvas, 95 × 85 cm. Óleo sobre tela, 95 × 85 cm. Galleria degli Uffizi, Florence Galleria degli Uffizi, Florença.

Por que ao ver a icterícia como manifestação da sua doença, Caravaggio escolheu retratar-se assim, como Baco?

Pequeno Baco Doente é um autorretrato duplamente autobiográfico. Considerado um alcoólatra crônico, o italiano, extremista, era temido nos botecos da cidade, onde constantemente arrumava brigas. Autor de obras de inigualáveis belezas, Caravaggio tinha tanto talento e habilidade quanto vícios e paixões. Baco, – deus do vinho, da ebriedade e dos excessos –, é a imagem viva de sua eterna ressaca, do destemor de um farrista inconsequente.

Além disso, para manifestar sua arte, o artista buscava inspiração entre os moradores de rua, prostitutas e alcoólatras; pessoas não consideradas pela sociedade como de nobre estirpe mas que, para Caravaggio, tinham grande expressão. Sabe-se que uma das etiologias mais comuns de doença hepática é a alcoólica. Presumivelmente, nesse meio, o artista conviveu com muitos portadores de hepatopatias alcoólicas (associando-os ao deus do vinho), ictéricos, consumidos pela insuficiência hepática conseguinte a cirrose.

Com traços peculiares ao estilo barroco, o pintor nos surpreendente passando, através da fisionomia e a inclinação da cabeça, uma sensação muito real do sofrimento provocado pela doença.

Referências:
1.Jeffrey K Aronson 1 and Manoj Ramachandran. The diagnosis of art: Caravaggio's jaundiced Bacchus. JR Soc Med de setembro de 2007, 100 (9): 429-430.
2.Clinical Infectious Diseases. 2009. Volume 48.
3.Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Baco.

terça-feira, 5 de março de 2013

Mitologia & Medicina: "Cabeça de Medusa"

Segundo a mitologia, Medusa era uma jovem tão bonita e orgulhosa que ousou julgar os seus cabelos mais belos que os de Atena. Para punir tamanha vaidade, essa deusa transformou-os em serpentes. Aquele que cruzasse o olhar com o da mortal Medusa seria imediatamente paralisado.



Cabeça de Medusa (1599). Caravaggio (1571–1610). Óleo sobre tel aplicada sobre disco de madeira, 60 por 55 cm. Galeria Uffi zi (Florença)

A representação do reflexo de Medusa no escudo é um autorretrato de Caravaggio travestido de Medusa. O artista reproduziu no espelho, no escudo côncavo de Perseu, a imagem que viu de si no espelho real. Esta obra é, por isso, um duplo reflexo, real e mitológico. Caravaggio retrata um olhar aterrorizado ao ver-se petrificar, bem como a dolorosa vertigem do momento da morte.

Certo dia, Perseu, filho de Zeus, resolveu acabar com Medusa. Para escapar de seu olhar petrificante, utilizou o escudo espelhado de Atena (deusa da sabedoria e da estratégia). Ofuscada pelos raios de sol refletidos no escudo, Medusa foi então decapitada pela lâmina afiada da espada de aço de Hermes, empunhada por Perseu, que posteriormente utilizou sua cabeça como arma, até dá-la de presente para a deusa Atena, que a colocou em seu escudo. Durante séculos da idade clássica, a imagem da cabeça de Medusa fora utilizada para afuguentar o mal.



A cabeça de Medusa (1617). Peter Paul Rubens (1577–1640) e Frans Snyders (1576–1657). Óleo sobre madeira, 68,5 por 118 cm. Museu Kunsthistorich(Viena)

Mas o que a Medusa tem a ver com a Medicina?

Quando há hipertensão portal (gradiente de pressão portal igual ou superior a 12 mm Hg), instalam-se os desvios portossistêmicos, ou seja, circulação colateral constituída por veias dilatadas que surgem no abdómen dos indivíduos com cirrose hepática e que são consequência de obstáculo colocado à circulação venosa pelo processo hepático.

As veias subcutâneas periumbilicais podem tornar-se tortuosas e varicosas, como cobras azuladas serpenteando sob a pele.



Medicamente, apelida-se esse sinal perigoso e temido como caput medusae (cabeça de Medusa), devido a por sua enorme semelhança com os cabelos serpentiformes de Medusa, a letal e aterrorizante personagem da mitologia grega.

Na Literatura: Em 1922, Freud concluiu o intrigante ensaio Cabeça de Medusa, onde argumenta que a visão da personagem mitológica provoca terror por ser a decapitação um símbolo da castração:
A visão da cabeça da Medusa torna o espectador rígido de terror, transforma-o em pedra. Observe-se que temos aqui, mais uma vez, a mesma origem do complexo de castração e a mesma transformação de afeto, porque ficar rígido significa uma ereção. Assim, na situação original, ela oferece consolação ao espectador: ele ainda se acha de posse de um pênis e o enrijecimento tranqüiliza-o quanto ao fato. Sigmund Freud, 1922.

REFERÊNCIAS:
Bezerra, A.J; Araújo, JP. “Caput Medusae”. Ética Revista, ano III, n.º 4, jul./ago., 2005.
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII.

sábado, 1 de dezembro de 2012

A Arte de vHIVer com AIDS

O vírus da AIDS é apenas um vírus. É apenas outra criatura na criação de Deus. Frank Moore
O dia 1º de dezembro é o Dia Mundial de Combate a AIDS.

Aproveito a data de hoje para reforçar a admiração que nutro pelas pessoas que sofrem da doença.

Quando o individuo se descobre portador do vírus HIV, passada a fase de aflição e atingida a aceitação, a resiliência o permite enxergar a oportunidade de uma neovida, cujo caminho crucial para sobrevivência é adquirir hábitos e cuidados regulares numa trajetória sem exposição a riscos desnecessários.

A doença o possibilita refletir sobre a necessidade de mudar algumas atitudes pra que o bem estar prevaleça. Doravante, o infectado deverá viver consigo um caso de amor e dedicação.

O vírus com o poder de enfraquecer o corpo fortalece o espírito, ensinando-o a criar munições psicológicas que funcionam como projéteis de animo para lutar pela vida a despeito da deficiência imune. A vítima, capacitada para combater – pois lutam diariamente contra o preconceito, em prol do desapego dos vícios, contra os desagradáveis efeitos adversos dos coquetéis, etc. – independentemente das armas imunológicas, torna-se um mestre na arte da resistência.

O pintor Frank Moore, artista portador de HIV que fez da Acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) o seu foco principal de trabalho, confeccionou este criativo autorretrato colocando-se como o personagem Gulliver, gigante da obra As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift.

Frank Moore.Gulliver Awake, 1994 - 1995
Ao cabo desse tempo, acordei, tentei levantar-me, mas em vão o fiz. Vi-me deitado de costas, notando também que as pernas e os braços estavam presos ao chão, assim como os cabelos. Cheguei a observar que muitos cordões delgadíssimos me rodeavam o corpo, das axilas às coxas. Só podia olhar para cima; o sol começava a aquecer e a sua forte claridade feria-me a vista. Ouvi um confuso rumor em torno de mim, mas na posição em que me encontrava só podia olhar para o sol. ("As Viagens de Gulliver", J. Swift, 1726).
Gulliver acordando (1994 - 1995) mostra um homossexual infectado pelo HIV despertando em uma terra desconhecida. Os pequenos seres ao redor (liliputianos), assustados com a ameaça que o gigante representa, tentam em vão amarrar seu corpo. A cena nos induz a entender o quanto as pessoas que temem a presença do infectado e tentam paralisá-lo com finas amarras são pequenas e insuficientes perante uma criatura disposta a levantar-se.
Qual não foi o meu espanto quando enxerguei uma figurinha humana que pouco mais teria de seis polegadas, empunhando um arco e uma flecha, e com uma aljava às costas! Quase ao mesmo tempo os meus olhos viram mais uns quarenta da mesma espécie [...] Era com razão que me supunha de uma força igual aos mais poderosos exércitos que viessem atacar-me, desde que seus componentes fossem do tamanho daqueles que vira até então. ("As Viagens de Gulliver", J. Swift, 1726).
Muitas são as interpretações inferidas na imagem. O vírus HIV, que parece poderoso e invencível, mostra que o soropositivo oferece um risco gigante a sociedade e precisa ser um gigante para encará-la.

O corpo de Gulliver é sustentado por medicamentos. Na parte superior direita da pintura aparecem halteres feitos de comprimidos, aludindo ao fato de que o que torna o gigante mais forte (os antirretrovirais), não deixa de ser também um peso pra o usuário por conta dos efeitos colaterais.

À direita de Gulliver, surge uma caixa com uma citação do poeta árabe Abu Nuwas, afirmando que o amor pode dissolver os males e, mais filosoficamente, que o desejo vence a morte.

Outro trabalho de Frank Moore relacionado à AIDS que me tocou profundamente surgiu a partir de um passeio do artista num bosque perto de sua propriedade rural em Nova Iorque. Moore notou o crescimento de folhas numa árvore podre e caída. A cena o inspirou a criar a obra Release (1999):

Release. 1999. Frank Moore.
A árvore é representada como um braço estendido coberto de feridas sangrentas e lesões, mas desta “árvore” brota vida. A imagem revela, através das plantas e das borboletas, o renascimento e a regeneração após a aparente morte.

Falta-nos a consciência do que todo ser humano é naturalmente dotado de fragilidade, tanto corporal quanto psíquica. O ideal seria que nos valorizássemos como se portássemos o vírus HIV, vigiando nossos limites e podando nossos defeitos comportamentais. Diariamente, somos expostos a sedutoras toxinas sociais altamente virulentas que podem nos tornar deficientes da integridade humana. Precisamos proteger nossa essência e dignidade para evitar que, posteriormente, num momento de debilidade, a destrutiva miserabilidade de caráter se manifeste em nós.

REFERÊNCIAS:
Jonathan Swift. As Viagens de Gulliver

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Tuberculose nas Artes Visuais

A tuberculose é considerada uma das entidades médicas mais antigas da história, tida por alguns como a primeira doença que reconhecidamente afetou os seres humanos.

A enfermidade foi especialmente impactante no período final do século XVIII até o início do século XIX, quando grandes celebridades da arte se viram por ela afetadas, incluindo os músicos Purcell e Mimi; escritores como Edgar Allan Poe, Schiller e Moliere; e pintores como Watteau, Modigliani, Michelena e Cristóbal Rojas.

Muitos desses artistas iluminaram suas criações com referências a tuberculose, hora refletindo dores e desesperanças, outrora enfeitando suas pinturas com características semiológicas relativas à afecção, ou mesmo expressando o próprio padecimento. A doença romântica emprestava emoção as suas obras através da ilustração da beleza secundária ao mal, do horror e da dor.

O percurso da tuberculose pela arte inicia-se com Sandro Botticelli na época renascentista. Em várias de suas obras aparece Simonetta Vespucci, charmosa florentina acometida pelo mal que lhe cortou a vida aos 22 anos de idade. Botticelli torna a beleza de Simonetta acentuada pela enfermidade, que a faz luzir frágil, febril e pálida, como figura etérea, nos óleos como A Primavera e O Nascimento de Vênus.

O Nascimento de Venus (1484). Sandro Botticelli. Museu Galeria de los Uffizi, Florencia
Tanta beleza expressa nas pinturas é reflexo do amor profundo e secreto que o artista nutria por Simonetta, convertendo as debilidades corporais inerentes à enfermidade em virtudes dignas de louvor, colocando-a como divindade mitológica. Mais adiante, na época romântica, as mulheres imitariam esse padrão de beleza corpórea ingerindo dietas a base de água e vinagre para gerar anemias hemolíticas.

A obra Baroness Burdett dos irmãos Preston, representa um evento social organizado durante o Congresso Médico Internacional de Highgate, de 1881. A pintura evidencia a busca pela descoberta da cura da tuberculose e os vários médicos que colaboraram na identificação do bacilo de Koch.

Preston. Baroness Burdet Coutts Garden Party at Holly Lodge (1882).
Enfocando o interesse científico pelo combate a enfermidade, o trabalho revela a necessidade que tem o ser humano de apoiar-se em um universo de esperanças. Pouco depois de concluírem esta pintura,  os irmãos Preston, vencidos pela tuberculose ainda sem tratamento, faleceram.

Edvard Munch, pintor norueguês expressionista, representa em sua extensa obra paisagens de sua própria vida, transmitindo ao espectador a dor e a angústia que acompanharam sua existência. Quando ainda não havia completado cinco anos de idade, sua mãe morreu vítima de tuberculose e, nove anos depois, faleceu da mesma causa a sua irmã Sophie.

Aniquilando a tranquilidade de sua alma, a enfermidade e a degradação tornaram-se sombras que seguiram seus passos, tirando a vida dos seus entes queridos. A morte virou um tema obsessivo em sua vida, gerando em Munch uma visão desoladora e lúgubre do futuro:
Doença, loucura e morte foram os anjos negros ao lado de meu berço (Edvard Munch, 1989).
Em A Criança Doente, Munch retratou uma mulher agarrando com um vestígio de fé à mão de sua irmã Sophie, prestes a falecer:

Edvard Munch. A Criança Doente. (1885-1886). Museo National Gallery, Oslo
A Morte no Quarto da Doente reproduz o momento da morte de Sophie. Ela não aparece, pois está sentada em uma cadeira de espaldar alto, ao lado da cama, rodeada por três pessoas que a olham: o pai, a tia e o próprio Munch. Toda executada em tons verdes e ocre, o conjunto adquire uma introspecção bastante acentuada ao lado de uma angústia contida.

Edvard Munch. Morte no Quarto da Doente. (1895). Museo National Gallery, Oslo
Apesar de referir-se a uma morte ocorrida há anos, todos os presentes aparecem com a idade da época da execução das pinturas e gravuras, unidade de temporalidades heterogêneas, o que reforça a interpretação de que Munch recolocava-se a cada instante na dor que o atingiu no dia da morte de sua irmã, ocorrida em 1877.

Este tema, da dor proveniente da perda, repete-se também no óleo Mãe Morta e Criança (1898).

Munch. Mãe Morta e a Criança (1898).Museu National Gallery, Oslo
Em frente ao leito, onde jaz o corpo da mãe coberto por lençóis claros, uma criança pequena, vestida em vermelho, mãos nas orelhas, isola-se em relação às outras cinco pessoas que estão ao fundo do quarto.

Alice Neel, pintora norteamericana ícone do feminismo que se destacou por suas obras expressionistas de grande intensidade psicológica e emocional, foi tocada lateralmente pela enfermidade. Parte de sua vida transcorreu no Harlem Espanhol, um bairro em Manhattan, onde a pobreza e a enfermidade que se vislumbrava foram alicerces para sua imaginação.

Alice Neel. TB Harlem (1940). Museu Nacional da Mulher. Washington, DC
A pintura TB Harlem retrata Carlos Negrom, um jovem afetado por tuberculose que apresenta as fácies típicas de um tísico crônico: aspecto caquético, magro, cansado e deteriorado. Esta obra também mostra um dos manejos instaurados na era pré antibiótica para manejar a tuberculose: a toracostomia. A face desolada do doente é reflexo da impotência humana frente à desgraça, das esperanças quebradas de um paciente que se agarra com força a qualquer ilusão de vida.

Na pintura latina se destaca Cristóbal Rojas, famoso artista venezuelano do século XIX. Rojas peregrinou por diferentes correntes pictóricas, que vão desde o pós-romantismo até o impressionismo, ambicionando alcançar a maestria dos clássicos. O artista representa em suas obras aspectos dramáticos vinculados com a enfermidade e pobreza.

A Primeira e Última Comunhão mostra seis pessoas num recinto: o ambiente é desalentador, a desesperança reina na tela, uma das personagens é uma menina que recebe a primeira e provavelmente a última comunhão; em seu rosto se apreciam sinais de uma enfermidade de alto grau consumptivo, face caquética, devastada, a espera do fim dos seus dias. Em 1890 Rojas deixa o mundo em decorrência da tuberculose.

Cristobal Rojas. A Primeira e Última Comunhão (1888).
O talentoso pintor cubano Fidélio Ponce de León morreu aos 54 anos, vítima de tuberculose. Desde o diagnóstico até a morte, este artista se dedicou a trabalhar sua arte com temas obscuros relacionados à enfermidade, angústia, pobreza e morte.

A obra Tuberculose reflete a experiência própria do autor, que via o padecimento da enfermidade como um evento devastador, macabro, destinado a morte, sem esperança ou rotas alternativas.

Fidélio Ponce de León (1895-1949). Tuberculose.
Nota-se os pescoços alongados e edemaciados - sinal de escrófula; a palidez da pele; os olhos vazios, já apagados, sem vida e a mão de um dos dos personagens sobre um crânio, simbolizando a proximidade com a morte.

A tuberculose é vista através das artes sob variadas concepções, culturas e momentos históricos. Desde a beleza etérea e sobrenatural com que se manifesta no corpo de uma amante eterna durante a época renascentista, passando por seu apogeu estético no período romântico, em que o rosto tísico era sinônimo de formosura e criatividade, até alcançar o medo e a dor da perda de um ente amado e o desconsolo e horror que gera a iminência de morte.

Desfilando pelos distintos estilos artísticos ao longo dos tempos encontramos obras encantadoras que, apesar de refletirem manifestações da degradação orgânica, fazem florescer nossa sensibilidade adormecida. As artes carregam consigo a capacidade de despertar o lado visceral do ser humano.


REFERÊNCIAS: 
1. Cantillo, A. "Tuberculosis: expresión de belleza, horror y dolor". Colombia Medica.Vol. 40 Nº 1, 2009.
2.Chalke HD. The impact of tuberculosis on history, literature and art. Med Hist. 1962; 6: 301-18.
3. Ziskind B and Halioua B. Tuberculosis in ancient Egypt. Rev Mal Respir. 2007; 24: 1277-83.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Camptodactilia em pinturas medievais

Camptodactilia (do grego kamptos, curva, e dáktylos, dedo), ou contratura em flexão congênita, é uma deformidade em que um ou mais dedos se apresentam fletidos, caracterizada pela flexão da articulação interfalângica proximal em combinação com a hiperextensão da metacarpofalangeana e da interfalângica distal, acometendo preferencialmente o quinto dedo.

Detalhe à esquerda evidenciando mulher com turbante. Dieric Bouts, o Velho. A Festa da Páscoa, 1464-1467. Sint-Pieterskerk, Leuven.
Exemplo típico da deformidade é visto na pintura acima, representando uma figura do sexo feminino com um turbante branco detendo a bíblica "erva amarga" (Êxodo 12:8) em sua mão direita. Note a flexâo da interfalangeana proximal do quinto dedo direito, associado a hiperextensão da metacarpofalangeana (MCP) e da interfalangeana distal (IFD).

Outros exemplos são vistos adiante:

Dieric Bouts. Mater Dolorosa,. Suermondt-Ludwig-Museum, Aachen.
De acordo com a prevalente opinião, a modelo representada nas obras aqui expostas é Elisabeth van Voshem, esposa de Dieric Bouts e madrasta de Albrecht Bouts.


Albrecht Bouts . Mater Dolorosa. 1475. Suermondt-Ludwig-Museum, Aachen
Um artefato poderia explicar a apresentação incomum do quinto dedo nestas obras. Entretanto, tal alegação é improvável por conta da notável reputação de Bouts, grande observador e representador de detalhes. O artista é conhecido por ter feito, a fim de atingir os efeitos almejados, extensas correções e ajustes técnicos em suas obras.

O Maneirismo, movimento caracterizado pelo dinamismo e complexidade de suas formas a fim de se conseguir maior elegância ou emoção, poderia justificar deformidade do quinto dedo, mas tal argumento também é infundado, pois nesse caso, para inferir tensão, seria observável uma flexão da interfalangeana distal em questão (assim também seria ilustrada a mão em posição de garra ou preensão). Além disso, maneirismo não é o estilo visto em nenhuma das obra de Dieric Bouts, nem nas pinturas de seu filho Albrecht.

Exímios artistas, como os pertencentes a família Bouts, tendem a retratar fielmente o que veem, não obscurecendo a realidade pela lisonja.

Referência:
1.W Hijmans; J Dequeker. “Camptodactyly in a painting by Dirk Bouts (c. 1410–1475)”, J R Soc Med 2004;97:549–551.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Síndrome de Marfan em pintura italiana do século XVI

“Não há perfeita beleza sem algo estranho e anormal na forma”, com esta frase o artista italiano Parmigianino assinou seu estrondoso óleo sobre madeira A Virgem com Longo Pescoço (originalmente intitulado La Madonna dal Collo Lungo). Atualmente localizada na Galeria Uffizi, em Florença (Itália), estima-se que a obra fora confeccionada entre os anos 1534 e 1540.

A pintura evidencia a Virgem, sentada em um alto pedestal e envolvida com roupas extravagantes, segurando o Menino Jesus. A direita de Maria, vê-se seis anjos e, à esquerda, surge discretamente uma representação de São Jerônimo.

“Virgen Del cuello largo”. 1534-1540. Óleo sobre madeira. 216 × 132 cm. Galleria degli Uffizi. Florença (Itália).
Nota-se que a modelo que inspirou Parmigianino apresenta proporções humanas distorcidas, com comprimento anormal do pescoço e dos membros, bem como longuíssimos quirodáctilos, além de possuir quase o dobro do tamanho dos anjos representados à sua direita.

Detalhe evidenciando o comprimento do pescoço e dos dedos.
Tais características sugerem que a figura retratada pode ter sido vítima da Síndrome de Marfan, uma doença autossômica dominante do tecido conjuntivo descrita em 1896 pelo pediatra francês Antonie Marfan, causada por mutações no gene da fibrilina-1 (FBN1).

Uma grande variedade de anormalidades músculo-esqueléticas ocorre nesta síndrome, destacando-se a elevada estatura, dolicostenomelia (termo cunhado por Antonie Marfan para designar o comprimento excessivo dos membros), aracnodactilia (crescimento exagerado dos dedos) e frouxidão ligamentar.

Outras alterações incluem escoliose, deformidades da parede torácica, mobilidade articular anormal e protusão acetabular.

Curiosidade: representações artísticas das características sindromicas descritas por Marfan não se restringem aos séculos atuais, também o faraó Akhenaten, o qual governou o Egito antigo de 1350 a 1334 a.C., fora retratado com dolicostenomegalia.

Imagens representando o Faraó Akhenaten com seus membros anormalmente longos. Museu Egipcio (Cairo).

Referências:
1.BARRETO M., BRESSANE, R. et al, “Síndrome de Marfan”. Porto Alegre, 2002.
2.Wikipédia: Virgen del cuello largo

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Anatomia do coração no teto da capela sistina, por Michelangelo

Sibilas são um grupo de personagens da mitologia greco-romana, descritas como sendo mulheres que possuem poderes proféticos sob inspiração de Apolo.

A Sibila de Cumas é considerada como a mais importante das dez sibilas conhecidas. Tinha o dom da profecia, e fazia suas previsões em versos. É conhecida como a "sibila de Cumas" por ter passado a maior parte de sua vida nesta cidade, situada na costa da Campânia (Itália).

Apolo, deus que inspirava as profecias da sibila, prometeu-lhe realizar o que desejasse. A Sibila então colocou um punhado de areia em sua mão e pediu-lhe para viver tantos anos quantos fossem as particulas de terra que ali tinha. Mas esqueceu-se de rogar, também, pela eterna juventude, assim foi que com os anos tornou-se tão consumida pela idade que teve de ser encerrada no templo de Apolo em Cumas. Conta a lenda que viveu nove vidas humanas com duração de 110 anos cada.

Michelangelo retratou a Sibila de Cumas como uma profetisa robusta e musculosa, apesar do rosto envelhecido.

Embutido neste afresco, situado no teto da Capela Sistina, nota-se uma fiel representação anatômica da vista anterior do saco pericárdico e dos grandes vasos sanguíneos:

A Sibila de Cumas. Capela Sistina (Itália).
Pistas: O manto sobre a perna direta da sibila tem o formato da representação leiga de um coração. Os dois querubins à esquerda. O querubim de trás repousa a mão sobre o precórdio do querubim que está à frente.



Achados anatômicos: A bolsa pendurada pela alça que emerge logo abaixo do livro adornada com uma franja vermelha, que deixa aparente a extremidade de um rolo de papel, corresponde à vista anterior do saco pericárdico e dos grandes vasos. A veia cava corresponde à alça da bolsa (a), e a emergência da aorta corresponde à ponta do rolo de papel (b). A franja vermelha corresponde à borda do diafragma (c) inserida ao pericárdio.

A coxa e a perna direita da sibila de Cumas chamam a atenção tanto pelo volume como pela cor vermelha iluminada. Também nesta cena Michelangelo retratou, sob outra perspectiva, o coração com o saco pericárdico aberto:


Observa-se acima o coração envolto pelo pericárdio e as duas coronárias – direita (d) e esquerda (e) – percorrendo os seus trajetos estão representados no manto sobre a coxa direita da sibila.

REFERÊNCIAS:
BARRETO, Gilson "A Arte Secreta de Michelangelo - Uma Lição de Anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004

sábado, 26 de maio de 2012

Câncer de mama em obra de Rembrandt

Exposta no Louvre, O Banho de Betsabé é uma famosa obra do pintor barroco Rembrandt van Rijn (1606-1669):

O Banho de Betsabé (1654). Rembrandt van Rijn. Óleo sobre tela, 142cm x 142cm. Museu do Louvre (Paris).
A pintura retrata a cena bíblica em que o Rei Davi observa Betsabé nua, e a envia uma carta exigindo sua presença no palácio. A figura feminina expressa tristeza e resignação ao invés de prazer.

De acordo com um cirurgião italiano, Rembrandt registrou na mama esquerda de sua esposa e modelo Hendrickje Stoffels, sinais de câncer de mama, como retração na pele, assimetria mamária, alteração da cor e linfadenomegalia axilar.

Detalhe evidenciando deformidades na mama esquerda.
Devido as alterações sugestivas de neoplasia tanto na mama quanto na axila da modelo representada por Rembrandt, o quadro ilustra a capa do livro Women, Cancer and History, de autoria de James S Olson.

Outros possíveis diagnósticos sugeridos são tuberculose da glândula mamária e mastite puerperal ou da lactação.

Após a conclusão de O Banho de Betsabé Hendrickje viveu durante nove anos, envidencia-se em outras pinturas uma deterioração física de sua saúde ao longo deste período. A esposa de Rembrandt faleceu em 1663. Alguns registros históricos afirmam que ela morreu vítima de tuberculose, outros creem ser mais plausível considerar como causa mortis a disseminação de uma neoplasia mamária.

REFERÊNCIAS: 
1.Bourne RG. Did Rembrandt’s Bathsheba really have breast cancer?. Aust N Z J Surg. 2000;70:231–23. 
2.Masuda, H. Nemoto, N. “Rembrandt’s Bathsheba, possible lactation mastitis following unsuccessful pregnancy.”Medical Hypotheses. Volume 66, Issue 6 , Pages 1240-1242 , 2006.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Polimastia na arte

A anomalia congênita conhecida como mamas supranumerárias, resultante da persistência de pequenos fragmentos da crista mamária (ou linha de leite) embrionária, ocorre mais frequentemente nos seres humanos do que supomos.

A polimastia (presença de mama ou mamas acessórias) e politelia (ocorrência de mais de dois mamilos) podem apresentar-se acima ou abaixo das mamas tópicas, mais frequentemente abaixo e unilateralmente.

Júlia, a mãe do imperador romano Alejandro Severo (202-235), foi apelidada de “Mamea” por ser portadora de polimastia. Há referências de que Ana Bolena, a infortunada esposa de Henrique VIII da Inglaterra, além de polidactilia, tinha três mamas. Lynceus diz que em seu tempo existiu uma mulher romana com quatro mamas, com contornos bem definidos, colocadas regularmente uma sobre a outra.

 
Igreja de São Francisco. Salvador (Bahia).

A Igreja de São Francisco, em Salvador, abriga, revestindo as paredes do claustro, o mais importante trabalho de azulejaria portuguesa no Brasil, finalizado em 1752. A azulejaria branca, pintada em sua maior parte a mão e na cor azul, é uma das grandes contribuições portuguesas à arte mundial. As pinturas enfocam episódios sobre a corte portuguesa, seres mitológicos, penitentes rogando perdão pelos pecados ou a obtenção de curas e, principalmente, o nascimento de São Francisco e sua vida de renúncia aos bens materiais.

Dentre as personagens magistralmente registradas pelo principal mestre de azulejaria portuguesa do século XVIII, Bartolomeu Antunes de Jesus, encontra-se uma mulher com quatro mamas bem formadas, estando as aréolas e mamilos bem definidos em todas elas. Na obra em questão, as mamas peitorais tópicas são maiores que as duas supranumerárias. Dentre as inferiores, nota-se a mama esquerda, que aproxima-se da região epigástrica, ao passo que a direita, um pouco menor, projeta-se no hipocôndrio direito.

Polimastia (1752).Bartolomeu Antunes de Jesus.Pintura sobre azulejo.Claustro do convento de São Francisco (Salvador)

REFERÊNCIAS: 1.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003. 2.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Albinismo em Pintura Alemã

O distúrbio hereditário conhecido como albinismo (latim: albus = branco), – conseguinte à ausência da enzima tirosinase nos melanócitos – , resulta no bloqueio irreversível da síntese de melanina, ocasionando ausência completa ou parcial de pigmento na pele, cabelos e olhos.

O expressionista alemão Otto Dix registrou numa de suas pinturas uma jovem portadora de um sugestivo fenótipo desta condição:

“Menina nua”, 1932 (óleo sobre tela), Dix, Otto (1891-1969) / Galeria Nacional de Arte Moderna, Edinburgh, UK.

A “Menina Nua” possivelmente sofre de despigmentação oculocutânea, subtipo de albinismo também conhecido como tiroxinase-negativo, em que todo o corpo é afetado.

REFERÊNCIAS:
Emery, M. “Genetics in art”. J Med Genet 1994;31:420-422.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Paralisia de Bell em pintura de Francisco Goya

Assimetria facial é uma condição relativamente comum na população e freqüentemente aparece em obras artísticas. Imagens de antigas esculturas representando paralisia facial podem ser vistas clicando aqui.

Na pintura, o retrato Don Andres Del Peral, feito por Francisco Goya, é um exemplo claro de assimetria facial atribuível a paralisia facial unilateral:

Don Andres del Péral (1797). Francisco de Goya. Galeria Nacional , Londres, (Inglaterra).
Também conhecida por paralisia de Bell ou paralisia facial idiopática, a assimetria caracteriza-se pela afetação unilateral dos músculos da expressão facial.

Andres Del Peral, também artista, fora amigo de Goya em Madrid. O pintor retratou-o do lado direito, minimizando a desfiguração causada pela paralisia facial à esquerda.


REFERÊNCIAS:
1.SALTER, V. “Medical conditions in works of art”. British Journal of Hospital Medicine, February 2008, Vol 69, No 2.
2.SMITH,M. “Neurology in the National Gallery”. J R Soc Med 1999;92:649-652.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Os "bichinhos de pelúcia" da corte francesa

A hipertricose (também conhecida como a síndrome do lobisomem), seja universal ou localizada, é uma doença de natureza endócrina perenizada em telas.

A hipertricose generalizada pode ocorrer na anorexia nervosa, no hipotireoidismo, na porfiria, em certas doenças do sistema nervoso e com o uso drogas (ex: fenobarbital).

Pedro Gonzales, sofreu de hipertricose universal (doença tão bizarra que beira a ficção).


Pedro Gonzales, seu filho, suas duas filhas e um neto foram afetados pelo transtorno e enviados à França como uma curiosidade para os nobres. Nascido em Tenerife, nas Ilhas Canárias, em 1556, Pedro foi dado de presente à corte de Henrique II, como se fosse um bichinho de pelúcia.

Um dos primeiros casos conhecidos de hipertricose universal congênita foi, portanto, o de Pedro Gonzales. Em razão de sua inteligência e de sua presença marcante, Henrique II fez dele um de seus mais importantes embaixadores. A artista Lavinia Fontana de Zappis, filha do também artista Prosperam Fontana - amigo de Michelangelo Buonarroti e retratista do papa Júlio – representou artisticamente a hipertricose dos Gonzales. Abaixo, o retrato de Gonzales:

Gonzales (1585).Lavínia Fontana de Zappis (1552-1614).Óleo sobre tela.Castelo de Ambras (Innsbruck)

Nascida na Holanda em 1572, Antonieta Gonzales, conhecida por Tonina, herdou do pai, Pedro Gonzales, casado com uma bela holandesa, a hipertricose universal congênita.

Em 1592, Ulisses Aldrovandi, médico e professor da Universidade de Bolonha, examinou os Gonzales e documentou os casos em seu livro ilustrado com xilogravuras, o qual recebeu o título de História de Monstros. No final do capítulo, o médico registra ter recebido a notícia de que Tonina havia se casado e dado à luz um filho peludo. O óleo sobre tela ao lado, intitulado Filha de Gonzales foi pintado também por Lavinia Fontana em 1585, e encontra-se exposto no Kunsthistorishes Museum (Viena).

"Toninha" (Séc. XVI); Lavinia Fontana.

REFERÊNCIAS:
 1.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.
2Cardoso CBMA, Bordallo MAN, CKA. Hirsutismo . Adolesc. Saude. 2005;2(1):37-40