quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"A Morte de Ivan Ilitch" de Liev Tolstói

"Ivan Ilitch via que estava morrendo e sentia-se constantemente desesperado. No fundo da alma sabia bem que estava morrendo; mas não só não conseguia habituar-se a essa idéia, como não a compreendia mesmo - era incapaz de compreendê-la." Liev Tolstói

Em A Morte de Ivan Ilitch, considerada por alguns críticos literários a novela mais perfeita já escrita, Liev Tolstói (1828-1910) traça a trajetória de um paciente terminal confrontado com sua doença. O protagonista, Ivan Ilitch, membro de uma corte de apelação provincial, leva uma confortável vida burguesa. A doença – câncer –mudará tudo, transformará sua vida numa jornada de sofrimento e degradação. Com sua genialidade, o escritor russo nos leva a ocupar “o lugar do doente”, fazendo-nos refletir sobre o quanto a desatenção do médico pode ser desfavorável à evolução geral do paciente:

Ivan Illich foi. Tudo se passou como previa e como se passa sempre. Uma longa espera, expressões solenes e doutorais que conhecia muito bem, pois no tribunal era a mesma coisa, auscultação, apalpações, as perguntas habituais, exigindo certas respostas previamente determinadas e evidentemente inúteis, um ar importante que significava: vocês não precisam fazer mais do que obedecer-nos e nós arranjaremos tudo; sabemos muito bem, sem possíveis dúvidas, como se arranjam essas coisas, sempre da mesma forma, qualquer que seja o paciente. Tudo se passava, sem tirar nem pôr, como no tribunal. Do mesmo modo que ele representava uma farsa diante dos acusados, ali o famoso clínico a representava diante dele. O médico dizia: isto e aquilo indicam que o senhor tem isto e aquilo; mas no caso em que o exame não o confirme, seremos levados a supor que seu mal é este ou aquele. E se chegarmos a essa suposição... nesse caso... etc., etc. [...]Ivan Ilitch concluiu do resumo do médico que a coisa ia mal; para o médico, para toda gente mesmo, talvez aquilo não tivesse importância, mas para ele, pessoalmente, a coisa ia muito mal. E essa conclusão abalou de maneira dolorosa Ivan Ilitch, despertando nele um profundo sentimento de piedade de si mesmo e de ódio ao médico, tão indiferente em face de um fato daquela importância. [...] Ivan Ilitch saiu lentamente, retomou com tristeza o seu trenó e mandou tocar para casa. Durante todo o trajeto não cessou de meditar sobre as palavras do médico, esforçando-se por traduzir todos aqueles termos científicos, complicados e obscuros numa linguagem simples, a ver se encontrava nela a resposta à sua pergunta: o meu caso será perigoso, muito perigoso ou não será nada? E pareceu-lhe que as palavras do médico significavam que o seu caso era muito mau. As ruas revestiram-se de uma estranha tristeza aos olhos de Ivan Ilitch: os fiacres estavam tristes, as casas, os passantes, as lojas, tudo estava triste. E a dor que ele sentia, aquela dor surda, obstinada, que não o abandonava um instante, parecia adquirir, graças às frases ambíguas do médico, um significado novo, muito mais sério.

Os médicos, como mostra o texto acima, não se mostram dispostos a ajudá-lo; pelo contrário, o tom de “indiferença” e as palavras utilizadas pelo doutor exacerbam a sensibilidade do doente, fazendo-o se deparar com a morte de uma forma extremamente dolorosa. Seu criado, Guerássim, apieda-se dele; e é com esse homem simples que Ivan Ilitch aprenderá, afinal, o significado da fé e do amor.

A Morte de Ivan Ilitch é um dos clássicos utilizados na disciplina “Humanidades Médicas”, já instituída em diversas universidades do país.

REFERÊNCIAS:
TOLSTÓI, L A morte de Ivan Ilitch. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1998.


2 comentários:

  1. Chegará o dia,espero que seja breve,em que todo médico terá uma formação humanística,uma visão do paciente menos como um mero portador de uma patologia e mais como um outro ser humano que precisa de ajuda mais do que técnica,científica.Há muito sonho com isso.

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  2. http://numadeletra.com/a-morte-de-ivan-ilitch-de-lev-tolstoi-78458

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