sábado, 22 de maio de 2010

A Lição Clínica do Doutor Charcot

Uma teoria, por mais excelente que seja, não coíbe a existência. Jean M. Charcot

Jean Martin Charcot, que com justiça é considerado o pai da neurologia moderna, lecionou na Universidade de Paris de 1860 a 1893. Jovem de sensibilidade artística, teria sido pintor ou arquiteto, mas como também gostava de ler, o pai encaminhou-o à medicina. O grande clínico marcou sua carreira com uma série de brilhantes trabalhos, descreveu magistralmente a histeria, a atrofia muscular progressiva, esclerose múltipla, paralisia agitante e esclerose lateral amiotrófica (esta última, em sua homenagem, é denominada “doença de Charcot”). O vienense Pierre Charroux imortalizou uma aula sobre histeria ministrada pelo Dr. Charcot no Hospital Salpêtriére:

Une leçon clinique à la Salpêtrière, Pierre-André Brouillet Charroux,1887. Óleo sobre tela, Museu de Nice.

A paciente, em opistótono, chama-se Blanche Wittman. Provavelmente tratava-se de um caso grave, deduzimos isso ao observar a maca da paciente denunciando sua incapacidade de deambulação. Amparando com o braço esquerdo a paciente espástica, encontramos o Dr. Babinski (o do sinal de Babinski), à época seu aluno.



É oportuno destacar que quando Charcot chegou pra trabalhar em Salpêtriere, em 1862, acreditava-se que a doença histeria (do grego, hystéra = útero) era uma desordem do sistema nervoso de fundo emocional, causada por alterações nos fluidos uterinos.Esse termo vinha de longe. Designava, desde a antiguidade, uma desordem paroxística semelhante à epilepsia (a ala que Charcot chefiava era o Setor de Epilepsia Simples), originada no útero, que era considerado um ser autônomo:
“No meio da bacia, encontra-se o útero, órgão sexual que se diria dotado de vida própria. Move-se espontaneamente [...] dirigindo-se para o lado direito, para o esquerdo. Gosta dos odores agradáveis e deles se aproxima” Hipócrates
“Platão comparou o útero a um animal ávido de procriação que, frustrado em seu desejo, causa desordens em todo o corpo”. Galeno

A histeria seria o resultado do “sufocamento” do útero, manifestando-se por dificuldade de respirar, palpitações, perda de voz, ansiedade e confusão. Lembremos que na renascença esses sintomas eram interpretados como evidência de bruxaria ou possessão, e as vítimas eram submetidas à inquisição.

“São submetidas a torturas atrozes e abomináveis, até confessarem” Cornelius Agrippa

Tudo coincide num ponto: histeria é doença de mulher. De início, Charcot retorna à teoria uterina e fala de uma “hipersensibilidade ovariana” nas histéricas. Com isso, não são poucos os ovários extraídos para curar a doença. Depois, experimenta com mentais,com a hipnose. Tropeça sempre com um problema: neurologista, ele raciocina em termos de lesões do sistema nervoso – que não existem na histeria. Finalmente, chega a idéia da histeria traumática. À época, tornavam-se comuns os acidentes, sobretudo em estradas de ferro. As vítimas frequentemente ficavam com sintomas histéricos; por exemplo, paralisias, pelas quais pediam indenização. Mediante hipnose, Charcot produz sintomas semelhantes, mostrando assim que não se trata de lesão orgânica. O pai da neurologia também foi professor de seu amigo Sigmund Freud, que aprendeu com ele a hipnotizar seus pacientes.

Hospital Salpêtrière, Paris.

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