sexta-feira, 28 de maio de 2010

Machado de Assis e "O Alienista"

Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia. Machado de Assis 
Considerada a primeira novela de Machado de Assis maduro, O Alienista (1882) conta a história de Simão Bacamarte, um conceituado médico interessado nos estudos psíquicos.


 O doutor, demasiadamente humano, inicia um estudo sobre a loucura e seus graus na diminuta população de Itaguaí. 
O nosso médico mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção,—o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral.
 A obra inclui críticas relacionadas às condições desumanas em que viviam os mentecaptos, destituídos de tratamento eficaz:
Assim é que cada louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa, e, não curado, mas descurado, até que a morte o vinha defraudar do benefício da vida; os mansos andavam à solta pela rua.
Valorizando uma anamnese detalhada, o doutor Simão penetrava nas particularidades de cada doente.
Analisava os hábitos de cada louco, as horas de acesso, as aversões, as simpatias, as palavras, os gestos, as tendências; inquiria da vida dos enfermos, profissão, costumes, circunstâncias da revelação mórbida, acidentes da infância e da mocidade, doenças de outra espécie, antecedentes na família.
Através dos ideais de um personagem médico, Machado de Assis dá-nos uma lição de atuação humanística. Simão Bacamarte exercia a Medicina incansavelmente, tratava os enfermos de modo exemplar, aplicava detalhes às histórias clínicas, instituía admiráveis formas de tratamentos individuais e, acima de tudo, não largava o paciente até julgá-lo completamente curado.

Confira alguns dos interessantes casos retratados na obra: 

 Os loucos por amor eram três ou quatro, mas só dois espantavam pelo curioso do delírio. O primeiro, um Falcão, rapaz de vinte e cinco anos, supunha-se estrela-d’alva, abria os braços e alargava as pernas, para dar-lhes certa feição de raios, e ficava assim horas esquecidas a perguntar se o sol já tinha saído para ele recolher-se. O outro andava sempre, sempre, sempre, à roda das salas ou do pátio, ao longo dos corredores, à procura do fim do mundo. Era um desgraçado, a quem a mulher deixou por seguir um peralvilho. Mal descobrira a fuga, armou-se de uma garrucha, e saiu-lhes no encalço; achou-os duas horas depois, ao pé de uma lagoa, matou-os a ambos com os maiores requintes de crueldade.
A mania das grandezas tinha exemplares notáveis. O mais notável era um pobre-diabo, filho de um algibebe, que narrava às paredes ( porque não olhava nunca para nenhuma pessoa ) toda a sua genealogia, que era esta: —Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada, a espada engendrou Davi, Davi engendrou a púrpura, a púrpura engendrou o duque, o duque engendrou o marquês, o marquês engendrou o conde, que sou eu. Dava uma pancada na testa, um estalo com os dedos, e repetia cinco, seis vezes seguidas:—Deus engendrou um ovo, o ovo, etc.
Não falo dos casos de monomania religiosa: citarei um sujeito que, chamando-se João de Deus, dizia agora ser o deus João, e prometia o reino dos céus a quem o adorasse, e as penas do inferno aos outros; e depois desse, o licenciado Garcia, que não dizia nada, porque imaginava que no dia em que chegasse a proferir uma só palavra, todas as estrelas se despegariam do céu e abrasariam a terra; tal era o poder que recebera de Deus.

REFERÊNCIAS:
MACHADO DE ASSIS - O Alienista

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