sábado, 13 de novembro de 2010

A Era Pré-Anestésica e a Descoberta do "Gás Hilariante"

Antigamente, por ser considerado inatingível, o controle da dor não era tão importante. O romano Celsius dizia ser a “falta de pena” a característica essencial de um bom cirurgião. Em muitas cirurgias, vários homens corpulentos eram necessários para manter os pacientes amarrados durante o procedimento. Uma gravura satírica que alude a forma que os pacientes eram operados foi feita pelo brilhante escritor e desenhista irlandês George Bernard Shaw:

George Bernard Shaw (1856-1950). Gravura satírica do séc. XIX mostrando paciente submetido à amputação do membro inferior.

Apesar do sentimento de que a dor era inevitável, alguns agentes diferentes eram usados para aliviá-la. Até o século XVII, era a partir da mandrágora que extraiam a substância mais utilizada para amenizar a dor. A planta era fervida em vinho, coada e usada no caso de pessoas que fossem ser cortadas ou cauterizadas.

Uma esponja contendo morfina e escopolamina foi o modo dominante de oferecer alívio da dor no período que compreende o século IX ao XIII. Em meados do século XVII, Marco Aurélio Severino sugeriu que colocando neve em linhas paralelas cruzando o plano incisional conseguia-se tornar o local cirúrgico insensível em poucos minutos, descreveu assim a “anestesia por refrigeração”. No século XIX, a Europa utilizava grande quantidade de álcool, à época único recurso disponível, para diminuir as dores dos pacientes. Apesar de surgirem variadas técnicas, nenhuma conseguia proporcionar um alívio satisfatório da dor, que até então, era o principal empecilho na tarefa do médico.

No ano de 1772, o químico inglês Joseph Priestley descobriu o Óxido Nitroso. 28 anos mais tarde, o Sir Humphry Davy, observando os efeitos analgésicos do gás, sugeriu que o uso da substância poderia ser vantajoso durante a cirurgia. Foi Davy quem também descreveu as propriedades estimulantes do Óxido Nitroso, apelidando-o de gás hilariante (ou gás do riso).

Prescrição para Mulheres Chatas (1830). T.Mclean. Gravura. Biblioteca Nacional de Medicina (Bethesda).

Espetáculos eram organizados nas tardes de domingo para atrair pessoas que queriam divertir-se sob os efeitos do Óxido Nitroso. Abaixo, um cartaz da época evidenciando os efeitos do gás da alegria:


Em um desses momentos descontraídos, um jovem senhor que participava do espetáculo, saltitando sob os efeitos do gás do riso, feriu sua perna ao colidir com uma cadeira. Ao recuperar-se do efeito da substância, comentou que nada havia sentido, nem a queda nem os ferimentos que não paravam de sangrar.

Um dentista de Connecticut(EUA), chamado Horace Wells, presenciava a brincadeira dominical e percebeu que o gás poderia servir para tirar a dor durante uma extração de dente. Wells pediu pra que extraíssem seu próprio dente após ser submetido aos efeitos do Óxido Nitroso. A experiência foi um sucesso, Wells não sentiu dor.

Em janeiro de 1845, passada a positiva experiência com o gás, Wells resolveu demonstrar publicamente o que seria uma extração sem dor. A demonstração ocorreu na Havard Medical School, em Boston, mas o paciente, um estudante de medicina muito obeso, não ficou completamente adormecido e urrou de dor quando seu dente foi puxado.

A tentativa foi julgada um fracasso. Muito desapontado, Wells desestabilizou-se e, em sofrimento profundo, cometeu suicídio no ano de 1848. "Não poderia ser chamado de vilão", dizia no bilhete que deixou. Doze dias depois chegou uma carta dizendo que a Sociedade Médica de Paris reconhecia-o como descobridor da anestesia .

É inegável ser Horace Wells um importante pioneiro da anestesia, pois foi o primeiro a reconhecer as propriedades do Óxido Nitroso (única droga anestésica do século XIX que ainda está em uso).


REFERÊNCIAS:
1. COLLINS, Vicent. História da Anestesiologia. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1979
2. MARGOTTA, Roberto. História ilustrada da medicina. 1º ed. São Paulo: Editora Manole.
3. MORGAN, G.MAGED,S. Anestesiologia Clínica - 3ª EDIÇÃO. Editora Revinter.

3 comentários:

  1. En los últimos días he estado recopilando información para una próxima entrada, en "Tiempo para la Memoria" sobre los orígenes de la anestesia. Concretamente, pensaba tratar sobre Sir James Young Simpson, entre otros. Por eso, porque estoy en el tema, aún valoro más esta entrada tuya, Renata, tan magníficamente tratada e ilustrada. ¡Enhorabuena! Con seguridad, la citaré y enlazaré cuando hable de la anestesia.

    Gracias por todo lo que aportas y por lo bien que lo haces.
    Beijos!

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  2. Gosto muito do site, parabéns!

    Sugiro postagens que também enfoquem a História da Patologia, pois ainda não vi nenhuma a respeito.

    Abraço!

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