domingo, 21 de novembro de 2010

A Conversão de São Paulo do Ponto de Vista Médico

A conversão de São Paulo, descrita em três ocasiões na bíblia sagrada, ocorreu a caminho a Damasco para aprisionar cristãos. No capítulo 22 do livro de Atos, o apóstolo conta a sua experiência:

6. Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu.
7.E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?
8.E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues. (
ATOS. 22. 6-8)
[...]
11.E, como eu não via, por causa do brilho daquela luz, fui levado pela mão dos que estavam comigo, e cheguei a Damasco. (
ATOS. 22: 11)

Em A Conversão de São Paulo , de Michelangelo (1475–1564), Paulo é retratado no chão, ofuscado pela visão de uma luz divina:

Michelangelo Buonarroti (1475–1564). A Conversão de São Paulo, 1542. Capela Paulina (Vaticano).

Em Atos, o apóstolo relata que uma luz brilhante o cegou e que, em seguida, caiu no chão. Sua visão foi recuperada somente após três dias. A experiência de Paulo foi atribuída a uma crise epiléptica do lobo temporal com aura emocional que talvez tenha evoluído para generalização secundária, que foi assustadora e dramática, seguida de cegueira cortical pós-ictal (Landsborough, 1987).

Em algumas de suas cartas, Paulo dizia possuir uma enfermidade que quem padecia costumava ser desprezado. Lembremos que, à época, a epilepsia era chamada de "morbus insputatus": doença cuspida; pois, lamentavelmente, o preconceito gerou um costume que perdurou durante séculos: cuspir nos epilépticos.

Nas cartas, Paulo também afirma que, por vezes, sentiu-se arrebatado para o Paraíso. Tal sensação é atribuída à aura extática, outrora descrita pelo escritor russo Fíodor Dostoiévski, epiléptico que afirmou que durante os segundos antecedentes a crise, sentia-se “no céu”:

Que importa que seja doença? Quem mal faz que seja uma intensidade anormal, se esse fragmento de segundo, recordado e analisado depois, na hora da saúde, assume o valor da síntese da harmonia e beleza, visto proporcionar uma sensação desconhecida e não advinda antes? Um estado de ápice, de reconciliação, de inteireza e de êxtase devocional, fazendo a criatura ascender à mais alta escala da vivência? ... Sim, por este momento se daria toda a vida! (O Idiota – Dostoiévski).

Curiosidade: Antigamente, na Irlanda, a epilepsia era chamada de "doença de São Paulo".

REFERÊNCIAS:
1. Landsborrough D. St. Paul and temporal lobe epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1987.
2.DOSTOIÉVSKI, Fíodor "O Idiota" Editora José Olympio, 1951 - Rio de Janeiro.
3.Bíblia Sagrada - Tradução de João Ferreira de Almeida‎.

4 comentários:

  1. Nunca me había parado a pensar sobre el posible origen epiléptico de la conversión de San Pablo, hasta que tú lo has puesto delante de mis ojos, querida Renata.

    Perdona que haya tardado tanto en expresarte mi admiración por esta entrada. Últimamente estoy más ocupado de lo que debería. Pero, no podía dejar de decirte cuánto me ha gustado.

    Para compensar mi tardanza, permíteme que te deje dos enlaces. Uno, a un magnífico blog norteamericano, donde se habla de la epilepsia de Dostoiévski:

    http://scienceblogs.com/neurophilosophy/2007/07/diagnosing_dostoyevskys_epilep.php

    El otro (que pienso publicar, más adelante; pero que, ahora, quiero que lo veas tú, por si te gusta) sobre otra ilustre y posible epiléptica: Santa Teresa de Jesús:

    http://www.youtube.com/watch?v=0oeb8N4Nsic

    "Muitos beijos!"

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  2. Sempre pensava e refletia sobre esse acontecimento.O medo do homem com relação as doenças pode às vezes impedi-lo de ir adiante no conhecimento.Que coisas interessantes seriam descobertas se esse tipo de fenômeno fosse pesquisado a fundo.Lembrando que o problema dos "afetados"não era a doença em si mas o preconceito.

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  3. Acho plausível também, visto que diante de um relato subjetivo e traduzido de um personagem real/imaginário de 2000 anos podemos inferir uma serie senão qualquer tipo de coisa... "cegueira da neve". A luz do sol seria intensificada em ambientes como desertos, superfície clara do gelo do ártico ou mesmo da água, causando danos ao olho e/ou cegueira permanentes ou não. Mas eplepsia não seria de se estranhar, está por trás de quase todas as experiências religiosas...

    Ah! Parabéns pelo blog!

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  4. Como médico, digo que é muito difícil bater o martelo e fechar um diagnóstico médico moderno de uma pessoa que não conhecemos, não fizemos anamnese, não sabemos detalhes do que aconteceu, não o examinamos e que temos apenas alguns relatos. Hipóteses são livres, especulação também. Não dá para fechar diagnóstico de ninguém dessa forma. Mas que se trata de uma boa hipótese, não se pode negar.

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