Os vendedores dos jornais da tarde anunciavam que a invasão dos ratos tinha parado. Mas Rieux encontrou o seu doente meio deitado para fora do leito, com uma das mãos no ventre e a outra em volta do pescoço, vomitando, com grandes arrancos, uma bílis rosada numa lata de lixo. Após grandes esforços, sem fôlego, o porteiro voltou a deitar-se. A temperatura era de trinta e nove e meio, os gânglios do pescoço e os membros tinham inchado, duas manchas escuras alastravam-se pelo flanco. Queixava-se agora de uma dor interna [...]Os gânglios tinham aumentado, estavam duros e fibrosos ao tato. Ao meio-dia, porém, a febre subira bruscamente a quarenta graus, o paciente delirava sem cessar e os vómitos tinham recomeçado. Os gânglios do pescoço eram dolorosos ao tato, e o doente parecia querer manter a cabeça o mais afastada possível do corpo. (Albert Camus, 1947).
O texto acima mostra apenas uma das muitas descrições semiológicas da peste bubônica que permeiam a obra prima do escritor e filósofo francês Albert Camus. O clássico intitulado "A Peste", publicado em 1947, conta a história de uma epidemia que assola Oran, pequena cidade argelina, cujos habitantes levam uma vida monótona até o flagelo dizimar considerável porcentagem de sua população.
A peste, uma zoonose causada pela bactéria Yersinia pestis, é transmitida ao ser humano pelas pulgas dos ratos-pretos. A bactéria entra através de invisíveis quebras na integridade da pele, espalhando-se para os gânglios linfáticos, onde se multiplica. Em poucos dias surge febre alta “a febre subira bruscamente a quarenta graus”, mal estar gastrintestinal “vomitando, com grandes arrancos, uma bílis rosada numa lata de lixo” e os bubos, que são gânglios linfáticos hemorrágicos e edemaciados devido à infecção “os gânglios do pescoço e os membros tinham inchado”. As hemorragias para a pele formam manchas escuras “duas manchas escuras alastravam-se pelo flanco”. As bactérias invadem a corrente sanguínea, onde se multiplicam causando a chamada peste septicêmica, que se caracteriza pelas hemorragias em vários órgãos.
O médico, Dr. Bernard Rieux, protagonista e narrador da história, não mede esforços para ver o bem estar de seus concidadãos. Ao perceber as limitações da batalha inglória que travou contra a peste, surge no Dr. Rieux um sentimento de revolta conseguinte ao sofrimento de constatar sua impotência diante dos pacientes “Tinha de ficar na margem, com as mãos vazias e o coração oprimido, sem armas e sem recursos, uma vez mais, contra esse desastre”.
Rieux luta, até o último momento, apenas com os recursos paliativos que tem em mãos. Este belo relato não esconde os momentos de dúvidas e fraquezas do médico, que aparece como um humanista que se inquieta a cada gemido de dor de seus pacientes. “Assim é que não há uma só das angústias de seus concidadãos de que não tenha compartilhado, uma só situação que não tenha também sido a sua.”
Outro ponto de interesse médico discutido na obra é a posição do homem frente à situação-limite que mais o assusta: a terminalidade da vida. O autor enfatiza a mudança do comportamento das pessoas que encaram a iminência da própria morte. Com seu caráter único, Camus leva – através de deliciosas digressões filosóficas - o leitor a refletir sobre como se deve lidar com quem vislumbra seu fim.
Curiosidade: O livro fora escrito durante a Segunda Guerra Mundial. Na história de Camus, a epidemia assola Oran, como a ocupação nazista assolara a França, submetendo os habitantes a um inevitável e generalizado horror. O autor chegou a afirmar que sua obra é, de fato, uma alegoria ao nazismo e, por extensão, a todo regime totalitário.
REFERÊNCIAS:
1.Camus, Albert; “A Peste”. tradução de Valerie Rumjanek Chaves. - 18ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
2.Clayton Melo. “Uma leitura de A Peste, de Albert Camus”. Dez, 2006.
3.Wikipédia: Peste negra.
Camus, más citado que leído -en mi modesta opinión- y sobre todo este libro suyo, "La Peste", que tan acertadamente nos traes, querida Renata, son referencia imprescindible para quien tenga el más mínimo interés por las humanidades médicas.
ResponderExcluirComo es habitual, tu exposición ha sido magnífica.
Gracias.
P.D.: Tu nueva plantilla es genial. ¡Me encanta!
Essa é a diferença entre um bom e um genial escritor: as entrelinhas. Gostei muito da comparação entre a peste e o nazismo.
ResponderExcluirBom fim de semana!
Renata,
ResponderExcluirBonito. Muito bonito o novo visual, não bastassem as riquezas de conteúdo. Que Asclépio, nosso "deusinho" maior, continue iluminando tua massa cinzenta e tonificando tuas cordoalhas tendinosas.
Legal saber que gostaram do novo "designer" do blog. Roger, agradeço imensamente os carinhosos votos!
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