segunda-feira, 9 de maio de 2011

Representações de Gemelaridade Conjugada Através dos Séculos

Embora seja um evento raro, o nascimento de gêmeos unidos sempre fascinou a sociedade científica. Um dos primeiros estudos sobre a anomalia foi publicado no século XVI pelo excepcional cirurgião Ambroise Paré, que descreveu, dentre outros casos, o fenômeno dos siameses em sua obra De monstruos y prodígio.

A gemelaridade conjugada ocorre quando há uma divisão incompleta do disco embrionário ou quando discos embrionários adjacentes se fundem.

Esses gêmeos unidos (Gr. pagos, fixo) recebem nomes de acordo com a região pela qual estão acoplados; assim sendo, toracópago indica a existência de uma união na parte anterior das regiões torácicas; craniópagos, designa irmãos ligados pelo crânio; pigópagos, unidos pelo sacro e isquiópagos, conectados pela pélvis. O termo xifópagos (xifós = espada, que se refere ao osso esterno), aponta a associação entre irmãos pelo tórax e abdômen, e é a forma mais comum de gêmeos conjugados.

Estima-se que a incidência de irmãos siameses seja de 1 em 50.000 a 100.000 nascimentos. Em alguns casos, os gêmeos estão unidos um ao outro somente pela pele, ou por tecidos cutâneos ou outros, por exemplo, fígados fundidos.

Entre os gêmeos unidos mais antigos que se conhecem se encontram as siamesas Biddenden, nascidas em 1100 na Inglaterra, elas viveram 34 anos com apenas um par de extremidades superiores e inferiores.


Gravura de 1869 retratando Maria e Eliza Biddenden Fonte: Gentleman's Magazine, volume 226.

Mary e Eliza Chulkhurst, registradas na história como as irmãs Biddenden, aparecem unidas por seus quadris e seus ombros em representações pictóricas da época. À morte de uma delas, os médicos propuseram separá-las para salvar a vida da sobrevivente, “Assim como viemos juntas, nós iremos juntas”, conta a lenda que disse Eliza, ao negar a opção. Sua morte ocorreu 6h após a morte da irmã, tinham elas 34 anos. As duas são recordadas até o dia de hoje graças a 20 acres de terra doados por elas a igreja local que, em reconhecimento a generosidade de ambas, prepara bolos e biscoitos com a imagem das gêmeas para dar aos pobres todos os domingos.

Bolo com a imagem em alto relevo das gêmeas siamesas Biddenden.

O procedimento cirúrgico empregado para a separação de irmãos conjugados não é, em verdade, nenhuma novidade, excetuando-se é claro o indiscutível aperfeiçoamento das técnicas. Uma miniatura da Idade Média nos apresenta uma imagem da separação do corpo de um dos siameses já falecido:

Gravura medieval ilustrando um procedimento cirúrgico para separação de siameses. Manuscrito Skilitdés. Biblioteca Nacional. Madri.

Numa das igrejas “A la Scala”, na Itália, há um baixo relevo representando gêmeos siameses florentinos, nascidos no século XIV, com três extremidades inferiores e superiores. No século XV, os irmãos escoceses Scottish viveram 28 anos unidos da cintura para baixo. Mas os gêmeos unidos mais famosos em tempos passados foram as siamesas húngaras Helen e Judith, nascidas em Szoony, no ano de 1701, que se tornaram objeto de grande curiosidade ao serem apresentadas em muitos países. Eram unidas pela região lombar.


Representação de siameses masculino e feminino em uma gravura colorida do Renascimento.

Vasos de cerâmica que ilustram o fenômeno dos siameses entre povos preincaicos no Peru. Museu Larco Hoyle. Lima.

Sem dúvida, os mais conhecidos entre todos os tempos dos que nasceram com esta malformação foram os meninos Chang e Eng Bunker, nascidos no Sião (atual Tailândia) no século XIX e convertidos em celebridades após se exibirem publicamente na Europa e nos Estados Unidos. Inclusive, a denominação popular “gêmeos siameses” foi cunhada devido ao fato dos irmãos Bunker (1811-1874) serem de Sião. Chan e Eng trabalhavam no famoso circo Barnum, ambos se casaram com duas irmãs e tiveram um total de 21 filhos.

Os irmãos Chang e Eng.

Os problemas teóricos plantados pela realidade dos siameses são de uma complexidade notável, tanto que nos obrigam a remover as idéias mais fundamentais da Antropologia filosófica, idéias tais como as de unidade ou identidade dos indivíduos, da personalidade, de racionalidade, de consciência, de responsabilidade, de liberdade, e mesmo a própria idéia de natureza, que agora se nos apresenta como "monstruosa", sem deixar por isso de ser natureza. Tudo isso, obviamente, constitui um desafio para os sistemas mais consensuados de "princípios da Bioética" que tem a ver com a
"autonomia do individuo humano", com os "direitos humanos", ou com o "direito natural", em geral.

Não deixa de ser significativo, o relativo "retraimento" — assim poderíamos considerar — que se observa nos manuais de bioética, em tudo o que concerne a questão de irmãos siameses, plantada como questão bioética (e não como questão estritamente embriológica). Suspeita-se que este suposto retraimento tem a ver com a dificuldade que as situações plantadas por siameses suscitam ante sistemas de principios bioéticos generalmente adoptados por consenso.


REFERÊNCIAS:
1. Serret, S. Aguilar, Maria. “Monstruos siameses. Presentación de un caso”. MEDISAN 1998;2(4):44-47.
2. Topolanski, R. “LA CIRUGÍA Y LOS CIRUJANOS”. OBRA EL ARTE Y LA MEDICINA. CAPÍTULO 6 CIRUGÍA.
3. MOORE, K. Embriologia Básica.7ª Edição. Guanabara Koogan, 2008.

3 comentários:

  1. Ha merecido la pena esperar, para disfrutar de esta interesante y documentada entrada. La verdad, es un tema que nunca me había planteado, y me ha gustado mucho. ¡Enhorabuena, Renata!
    Besos.

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  2. Excelente blog.Rico e multivariado.

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  3. As duplas sertanejas também são um desafio à compreensão de Indivíduo e subjetividade individual formulada pela cultura do Ocidente.

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