Em 1878, o pensador alemão Friedrich Nietzsche publicou Humano, Demasiado Humano, visando instituir a idéia de que o homem precisa ser um “espírito livre” a fim de descobrir e aplicar seus valores.
O capítulo cinco da obra, que aborda os “sinais de cultura superior e inferior”, traz uma máxima em que o filósofo expõe sua opinião sobre as características essenciais de um médico verdadeiramente humano:
...ele deve, além disso, ter uma eloquência que se adapte a cada indivíduo e que lhe atinja o coração; uma virilidade cuja simples visão afugente a pusilanimidade (a carcoma de todos os doentes); uma flexibilidade diplomática ao medicar entre os que necessitam de alegria para a cura e os que, por razões de saúde, devem (e podem) dar alegria; a sutileza de um agente policial ou advogado, que entende os segredos de uma alma sem delatá-los - em suma, um bom médico requer atualmente os artifícios e privilégios de todas as outras classes profissionais: assim aparelhado, estará em condição de tornar-se um benfeitor de toda a sociedade, fomentando as boas obras, a alegria e fecundidade do espírito, desestimulando maus pensamentos, más intenções e velhacarias (cuja fonte asquerosa é com frequência o baixo-ventre), instaurando uma aristocracia de corpo e de espírito (ao promover ou impedir matrimônios), eliminando com benevolência todos os tormentos espirituais e remorsos de consciência: apenas assim o "curandeiro" se transforma em salvador, sem precisar fazer milagres nem se deixar crucificar (Humano, demasiado humano, 1878; Nietzsche).O aforismo de Nietzsche idealiza um médico não apenas empático, reflexivo, profissional e confiável, mas também um “instituidor de bem estar”; no entanto, a tendência atual da prática médica segue, lamentavelmente, em direção oposta: à medida que progridem os meios tecnológicos para diagnóstico, o exercício focado no âmago do próximo regride. Cada vez mais o jovem médico é exposto à alta tecnologia e menos ao lado humanístico e filosófico da medicina. Não esqueçamos que, utilizar meios técnicos ajuda a descobrir e a curar certas enfermidades, mas é através do tratamento baseado na radiografia psíquica e social do homem acometido pelo sofrimento, que reside a capacidade de salvá-lo.
Tranqüilizar a imaginação do doente para que não tenha mais que sofrer com idéias que tem de sua doença, mais que com a própria doença – acho que já é alguma coisa!E não é mesmo pouco! Compreendem agora nossa tarefa?(Aurora, 1881; Nietzsche)Sejamos, pois, como sugere Nietzsche, médicos humanos, médicos de alma, simplesmente médicos.
REFERÊNCIAS:
1.NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
2.NIETZSCHE, F. Aurora. Tradução de Antonio Carlos Braga. São Paulo: Editora Escala, 2007.
A arte da Medicina deve ser exercida com humildade, inteligência, altruísmo, visão social, bem-estar próprio e coletivo e com as bençãos de Deus. Parece-me que Nietzshe deixa de lado a importância dos ensinamentos do Mestre, ao dizer que não se precisava fazer milagres nem ser crucificado. Parabéns, Renata, por trazer mais essa análise para nossas discussões. Abraço.
ResponderExcluirMarco Valério
do Blog Coração, versos e prosa (drmarcovalerio.blogspot.com)
Nietzche passeia pela alma (humana) com tanto zelo, elevando o poder da cura, que dá a sensação de que foi ele quem deu o Cadeceu (bastão) ao Esculápio. Parece nítido (Nietzche), demasiadamente Nietzche (nítido), essa interpretação atemporal na sua exposição. Belo post. Você voa, hein!!! Outro dia você mergulhou!
ResponderExcluirbelo post , alias como em Quando nietzsche chorou o texto extraído confirma a analise de um filosofo que conhecia a si mesmo e conseguiu através de sua obra expressar o que muitos pacientes esperam dos profissionais de saúde , mas não conseguem externar pela imposição, supervalorização do médico que ocorreu com o tempo ... e como o próprio termo diz a graduação diferencia as pessoas uma das outras ( estratifica ) , porém não deve afasta-las...acho que essa é a síntese do pensamento nietzschiano nessas frases !!
ResponderExcluirmedepop.blogspot.com
E ainda dizem mal desse espírito(Nietzsche)que deve ter muita luz. mas o que dizem mal estão carecendo da luz do entendimento para aprenderem a discernir que uma consciêcia como a de Nietzsche sabe onde está o caminho certo para a evolução espiritual, ou seja, é ser livre. Ser Livre é estar desapegado de tudo quanto é dogmatico, impositivo, ter seu próprio conceito, mas que este seja compatível com a evolução da consciência sem interferência de nem um deus, guru, guia, ou qualquer que seja o ícone elevado à divindade ou coisa parecida.
ResponderExcluirJá é a segunda vez no dia que leio algo à respeito da humanização do atendimento médico. Tem sido um tema mais que frequente nas discussões acerca da relação médico-paciente.
ResponderExcluirGostei do que li. E fiquei admirada por ter vindo de Nietzsche.
Parabéns pelo blog! Acho muito interessante!