sábado, 3 de dezembro de 2011

Freud explica a epilepsia

A literatura, mais especificamente a intensa vida emocional transparecida na obra do escritor Fiódor Dostoiévski, inspirou Sigmund Freud a escrever Dostoiévski e o Parricídio (1928), ensaio onde o psicanalista destrincha a distinta e complexa personalidade do escritor. Quatro aspectos humanitários relevantes são analisados na obra: o artista criador, o neurótico, o moralista e o pecador.

Freud analisa também a epilepsia de Dostoiévski, concluindo que as crises são conseguintes à extraordinária atividade emocional do escritor, e que essas crises também podem ocorrer em outras pessoas que apresentam uma vida emocional excessiva, via de regra insuficientemente controlada.

É, portanto, inteiramente correto distinguir entre epilepsia orgânica e epilepsia ‘afetiva’. A significação prática disso é a de que uma pessoa que sofre do primeiro tipo tem uma moléstia do cérebro, ao passo que a que padece do segundo é neurótica. No primeiro caso, sua vida mental está sujeita a uma perturbação estranha, oriunda de fora; no segundo, o distúrbio é expressão de sua própria vida mental.(Freud em Dostoiévski e o Parricídio.)

O trecho acima mostra que Freud distingue claramente o que atualmente é classificada como epilepsia secundária da epilepsia idiopática. No primeiro caso, a causa é definida pela exacerbação paroxística de determinada função cortical devido a tumores cerebrais, AVC isquêmico, vasculites ou outra causa orgânica; no segundo, mesmo com todos os sofisticados exames de neuroimagem, não se descobre nenhum substrato orgânico.

Sabe-se que a excitação emocional está direta e indiretamente ligada a ocorrência de crises epilépticas. A tensão causada por tarefas cognitivas estressantes reduz o limiar epiléptico, podendo gerar diretamente anormalidades no eletroencefalograma (EEG) e, indiretamente, fatores emocionais como a ansiedade ou excessiva manifestação de alegria geram hiperventilação (um dos principais fatores desencadeantes das crises epilépticas), também a privação de sono decorrente do estresse pode levar a uma atividade elétrica anormal, deixando o indivíduo mais propenso às epilepsias.

É a epilepsia idiopática (ou primária) denominada anteriormente por Freud de “epilepsia afetiva”. Assim, Freud foi o primeiro a observar que a “tensão emocional” é um importante fator desencadeador das crises epilépticas.

REFERÊNCIAS:
FREUD, S. "Dostoiévski e o parricídio". In: O Futuro de uma Ilusão, O Mal-Estar na Civilização e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996. pp.67-148.

7 comentários:

  1. Renata, eu sou suspeito ao elogiar o teu texto, pois eu sou estudante de Psicologia, de maneira que eu estou encantado pelo tema abordado. Devo elogiar não apenas o tema, mas a maneira como você a conduziu: com leveza e segurança. Parabéns!

    Bom final de semana.
    Abraço

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    1. Renata, já escrevi e até tentei lhe enviar um livro que escrevi sobre a epilepsia na minha vida e na do Dostoiévski. Freud cometeu o maior erro da sua vida e com essa avaliação inadequada piorou durante mais de um século a vida das pessoas com epilepsia.

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    2. Como? Tentando entender o que vc quis dizer em que Freud te atrapatra, ou como ele atrapalha a vida de quem tem eplepesia

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  2. Vinicius, é uma honra receber um elogio seu. Vi seu blog "Folhas Avulsas" e amei as ricas recomendações literárias! Tornei-me sua seguidora. Ótima semana pra você!! Abraços...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Renata, sou uma pessoa com epilepsia idiopática - epilepsia com foco neurológico impossível de se detectar pelos exame cerebrais - e lhe garanto que Freud foi bastante infeliz nas suas argumentações à respeito da epilepsia em Dostoiévski. Tive diversas crises sem estar excitado. A epilepsia idiopática não tem nada de afetiva, as crises surgem em função do foco cerebral existente nos neurônios que acumulam energia de forma incontrolável. É só isso. Dostoiévski teve mais de trezentas crises - ele anotava todas. Foi uma pessoa bastante sociável, trabalhador, bom marido, excelente pai. Viveu de forma intensa. Seu único ''mal efetivo'' foi o vício no jogo em cassinos, mas que deixou quando tinha quase 50 anos. ''Dostoiévski e Eu: A Epilepsia em Nossas Vidas'', é o livro que retrata a realidade sobre ele.

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    1. Oi querido, a eplepsia tem um aspecto psicológico sim, quer vc queira ou não. O que vc diz é verdade mas nossas neuroses existem tanto em quem tem qto em quem não tem epilepsia. Entende?
      Eu, psicanalista já ha 30 anos tenho minhas neuroses particulares. Meu filho, tem eplepsia desde 18 anos. A eplepsia dele é idiopatica mas eu te garanto que as neuroses dele tbm interferem nas crises. Isso é uma longa conversa...

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