sábado, 28 de agosto de 2010

"A Transfiguração de Cristo" de Rafael Sanzio

“Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz”. Mt 17:1-2

Em “A Transfiguração de Cristo” do italiano renascentista Rafael Sanzio (1483 – 1520) aparece um adolescente com seqüelas de meningite, epiléptico, presenciando a cena em que Jesus Cristo conduz Tiago, Pedro e João a uma montanha. O rosto de Cristo resplandece como o sol, suas vestes tornam-se incandescentemente brancas e os apóstolos vêem ao seu lado os profetas Elis e Moisés:


A Transfiguração de Cristo, 1520; Rafael Sanzio. Óleo sobre painel, 405 x 278 cm. Pinacoteca Apostólica do Vaticano (Vaticano).

Rafael pintou a luminosidade da eternidade de modo a representar a aura do enfermo. O menino, com a boca entreaberta, urra em um grito epiléptico, revira os olhos e estende os membros superiores, deixando sua forte musculatura em franca evidência. O pai, aflito com a impossibilidade de cura, o ampara enquanto os que o cercam apontam-no para Jesus, clamando por sua cura, fazendo-nos lembrar os versículos de São Mateus: “Senhor, tem misericórdia de meu filho, porque ele é epiléptico e está enfermo, pois cai muitas vezes no fogo e na água, e eu o trouxe aos teus discípulos, mas eles não o puderam curar”. Mt 17:14-16


Para representar o acontecimento relatado nos Evangelhos, Rafael usa uma associação de luz e sombra. Segundo a neurologista Yacubian, considerando que a epilepsia desde a antiguidade até os dias atuais está associada à escuridão, podemos concluir que o artista tentou retratar, ao mesmo tempo, a escuridão do preconceito social em relação com a epilepsia e a luz presente no inconsciente dos próprios epilépticos, à medida que procuram sair das sombras.

REFERÊNCIAS:
1.Yacubian, Elza Márcia Targas e Pinto, Graziela R. S. Costa. Arte, Poder e Epilepsia. 2ª. edição, Editorial Lemos, 2003
2.Lucy Campos Piccinin, O pensamento de Paul Tillich: epilepsia e arte, UMESP
3.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003
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terça-feira, 24 de agosto de 2010

"Olhai os Lírios do Campo" - Érico Veríssimo

Os médicos são personagens freqüentes na obra de Érico Veríssimo (1905 – 1975). Alguma vivência com o tema deu-lhe o período em que trabalhou numa farmácia, em sua terra natal, Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul. Mais que os aspectos técnicos, no entanto, interessava-lhe a dimensão humana da profissão. Olhai os Lírios do Campo, do qual foi extraído o trecho abaixo, é exemplar nesse sentido:

“Ele principiava a ser um médico de verdade, estava diante da vida, atendia os seus clientes com toda a solicitude e às vezes tinha de esforçar-se para ser delicado e não se encolher diante de criaturas que, pelo aspecto físico ou pela natureza de seus males, lhe inspiravam repugnância ou mal-estar. Fazia-lhes perguntas, interessava-se pela vida deles. Aos poucos ia perdendo os velhos temores de fracasso e aquela sensação de que os outros não tinham confiança nele. Atirava-se à clínica cheio de coragem e isso já era a metade da vitória.”

Olhai os Lírios do Campo conta a história do dr. Eugênio Fontes, que, menino pobre, estuda medicina, apaixona-se por uma idealista colega, Olivia – mas opta por uma vida de conforto, casando com Eunice, filha de um rico empresário. Desgostoso com a existência fútil, volta a exercer a medicina, mas agora encarando a profissão por seu lado social e humano. Escrita em 1938, a obra denuncia a comercialização da medicina e propõe soluções: um sistema socializado, que imporia também uma triagem: “só seguiriam a profissão médica os que tivessem vocação”, diz Eugênio a seu colega e mentor, o dr. Seixas. Esse projeto encaixa-se num contexto mais amplo de transformação, pois é a sociedade que está doente: “A vida ali estava a se oferecer toda, numa gratuidade milagrosa. Os homens viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer davam por ela. Nem com todas as conquistas da inteligência tinham descoberto um meio de trabalhar menos e viver mais. Agitava-se na terra e não se conheciam uns aos outros, não se amavam como deviam”.

Para Érico Veríssimo, a medicina é, sobretudo, um ato de amor.

REFERÊNCIAS:
1.VERÍSSIMO, Érico. Olhai os lírios do campo. 32. ed. Porto Alegre: Globo, 1976
2.SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo,
1996


domingo, 22 de agosto de 2010

Candidatos à internação numa enfermaria casual - Luke Fields

O pintor e ilustrador inglês Sir Samuel Luke Fildes (1843 - 1927) sempre deixou transparecer sua preocupação com os pobres, motivo que o fez juntar-se, no ano de 1869, à equipe do Jornal The Graphic, uma revista semanal editada pelo reformador social William Thomas Luson. Fildes compartilhava com Thomas a crença no poder das imagens para mudar a opinião pública sobre temas como a pobreza e a injustiça. Ambos esperavam que a comoção da sociedade diante das ilustrações resultasse em atos de caridade e ação social coletiva. Sob esta perspectiva, Luke Fildes pintou “Candidatos à internação numa enfermaria casual”, quadro que expressa vividamente o sofrimento dos pobres:

Candidatos à Internação numa Enfermaria Casual, Luke Fields, 1874; Óleo sobre tela, 137 x 243cm; Royal Holloway College de Londres Unversity

Aqui, o problema da saúde é tratado através da representação de um elenco de personagens familiares organizados em fila na porta de uma enfermaria. Observamos uma mãe solteira, talvez viúva, com duas crianças com fome, o funcionário com deficiência, buscando apoio do Estado, o bêbado na cartola, as crianças esfarrapadas, dentre outros.

Ainda nos dias atuais, a imagem acima é amplamente utilizada em diversas fontes para ilustrar os problemas da saúde pública.

LEIA MAIS:
"O Doutor" - Samuel Luke Fildes

sábado, 21 de agosto de 2010

William Harvey demonstrando a circulação sanguínea ao rei Carlos I, da Inglaterra / Robert Hannah

"Sou obrigado a concluir que o sangue percorre sem cessar um circuito circular, que é função do coração propeli-lo através da pulsação, e que é esta a única razão para que o coração pulse." William Harvey

O medico britânico William Harvey (1578 – 1657) estudou na Itália, mais precisamente na cidade de Pádua, que à época abrigava a maior escola de anatomia do mundo. Durante seus estudos no exterior, ele descobre que o sangue sai do coração e segue através de um sistema de vasos fechados até a periferia do corpo e de lá retorna ao coração. Entende o médico que o coração, órgão que, acreditava-se ser a sede do amor e do afeto, é na verdade a bomba motora do sangue. William Harvey, descobre, assim, a circulação sanguínea. Ao regressar a Londres, Harvey é recebido em palácio pelo rei Carlos I.

Robert Hannah registrou esse momento no quadro intitulado: William Harvey demonstrando a circulação sanguínea ao rei Carlos I, da Inglaterra:


Na pintura, vamos o médico, com orgulho de súdito, segurando em sua mão esquerda um coração aberto e explicando ao rei como o sangue se movimenta através das quatro cavidades. Ao lado de Harvey está presente uma criança que, com ar admirado, não percebe que está presenciando uma das cenas mais marcantes da história da Medicina. O príncipe, que calado a tudo assistia, ao crescer não quis ser médico, apesar de ter sido testemunha ocular de um evento histórico. Preferiu ser advogado, tendo se destacado na história do Direito ao instituir no mundo jurídico o instrumento do habeas corpus. Após ser coroado rei, escolheu ser chamado de James II.

Na Literatura: Em 1628 William Harvey publicou sua obra clássica: Exercitatio anatômica de motu cordis et sanguinis in animalibus, livro em que explica como o sangue flui do ventrículo esquerdo do coração para a aorta, sendo, então, distribuído para todas as partes do corpo; o sangue venoso é transportado pelas veias para o ventrículo direito, e da artéria pulmonar para os pulmões, onde novamente se transforma em sangue arterial. Após passar pelas veias pulmonares, o sangue chega à aurícula esquerda e dali volta para o ventrículo esquerdo.

Outra excelente obra de Harvey foi publicada em 1651, De generatione animalium é de vital importância na história da embriologia, pois contém a teoria da “epigênese” segundo a qual o organismo não existe como uma entidade diminuta dentro do óvulo, mas se desenvolve gradualmente.

Harvey morreu em 1657, deixando para posteridade a marca de seu trabalho.

REFERÊNCIAS:
BEZERRA, Armando "Admirável mundo médico: a arte na história da medicina" - Brasília, 2002
MARGOTTA, Roberto "História Ilustrada da Medicina" Editora Manole - São Paulo, 1998

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Mente Artística de Virginia Apgar – Idealizadora da Escala de Apgar

Virginia Apgar, médica anestesiologista famosa por sua tremenda contribuição à neonatologia, também costumava tocar viola com reconhecida destreza. De sua mente criativa, impulsionada pela inclinação musical, brotou a idéia que revolucionaria a história da Medicina.

A violinista que criou os próprios instrumentos musicais

O interesse de Virginia pela música iniciou-se ainda na infância, provavelmente assistindo os concertos domiciliares promovidos pelo pai. Na vida adulta, já médica e cientista reconhecida, o apego à música era tanto que, conforme consta, ela sempre levava seus instrumentos às viagens científicas. Enquanto desbravava seu nome na história da medicina, Apgar tocou em três orquestras: Teaneck Symphony of New York, Amateur Music Players e Catgut Acoustical Society. A partir de um determinado momento de sua vida, a Dra. Virginia passou a construir seus próprios instrumentos musicais. Aparentemente simples, o violino moderno é composto por 70 peças independentes. Por essa razão, ou seja, dado a complexidade do engenho usualmente são necessários artesãos bem adestrados para a tarefa. Então, como uma médica anestesiologista – ocupadíssima em salvar recém-nascidos e devolvê-los ativos às mães – foi transformar-se numa fabricante de violinos? A história é a seguinte. Dentre suas pacientes, estava Carleen Hutchins, uma fabricante de instrumentos de cordas. Enquanto se recuperava da cirurgia, deitada num leito de hospital, Hutchins percebe, manuseando e percutindo uma espécie de concha onde se alojava o aparelho de telefone, que o material poderia muito bem transformar-se nas costas de uma viola. Hutchins dirige-se a sua médica, Virginia Apgar, e pergunta se ela poderia ter aquela concha. Virginia atenciosamente garantiu que logo consultaria a direção do hospital. Naturalmente, o hospital não permitiu a doação e, de pronto, uma das mulheres mais importantes da história da Medicina moderna e sua paciente arquitetaram um plano audacioso. Enquanto a primeira vigiava, a moribunda, armada com uma serra e uma barra, tratou de substituir a tão cobiçada concha por outra peça não muito diferente. O plano foi um sucesso! Se o gosto musical e a adversidade já uniam aquelas duas mulheres, agora um “golpe” as tornava cúmplices. A mistura entre atenção médica, música e crime fez surgir uma forte amizade entre médica e paciente. Nos anos que se seguiram, Apgar construiu uma viola, um violino, um mezzo violino e um violoncelo, tudo sob a orientação de Hutchins.

A criação da Escala de Apgar

Em 1952, Virginia fez sua maior intervenção na Pediatria, mais especificamente, na neonatologia. Graças a ela, sempre que uma criança nasce aplica-se um teste de vitalidade denominado Escala de Apgar. Freqüência cardíaca, esforço e frequência respiratória, reflexos, tônus muscular e cor da pele são os critérios aplicados ao rebento; Zero, 1 ou 2 pontos, são atribuídos, em ordem decrescente de gravidade, a cada um dos importantes parâmetros. Em função desses resultados um conjunto de cuidados especiais é imediatamente dispensado ao bebê. Antes deste teste, a atenção pós-parto era quase que totalmente dedicada às mães, advindo dessa prática altas taxas de mortalidade dos infantes. Esta brilhante idéia surgiu durante um café da manhã no hospital em que trabalhava, do qual participavam Virginia e um estudante de medicina. Por alguma razão desconhecida, o estudante chamou-lhe a atenção para a necessidade de se avaliar melhor as crianças que nasciam naquela instituição. Convencida, Virginia disse ao estudante: “Isto é fácil. Faça desta maneira.” Assim, tomando um pequeno pedaço de papel distribuído pelo refeitório com orientações sobre como carregar a própria bandeja, Virginia escreveu os critérios que definiriam afinal a consagrada Escala de Apgar. Os resultados superaram as expectativas dos membros do hospital, visto que o método reduziu drasticamente a mortalidade infantil. Hoje em dia, este é o primeiro teste a que se submete qualquer recém-nascido.

Em 1974, durante a cerimônia fúnebre de Apgar,o prof. Stanley James, ex-assistente da mestra, pronunciou as seguintes palavras: "Aprender, era o foco de sua vida. Sua curiosidade era insaciável... ela nunca estava satisfeita. Essa rara qualidade capacitou-a a seguir na vida sem que se deixasse enjaular pelos costumes ou tradiçoes". Sem dúvida alguma, o anseio por descobrir e fazer mais, sentimento que emoldurou a trajetória de Virginia Apgar, está firmemente alicerçado na curiosidade.

Os instrumentos construídos por Virginia hoje repousam na Universidade de Columbia, como um marco do zelo e carinho de Apgar pela inventividade artística e música erudita.

REFERÊNCIAS:
Souza, Álvaro N. – Grandes médicos e grandes artistas – nomes que deram vida, a medicina e as artes. – Salvador, BA, 2006.
Goodwin, JW. “A personal recollection of Virginia Apgar. L Obstet Gynaecolofy; 2002.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Os Barbeiros-cirurgiões na Arte

Durante a idade média, a cirurgia foi pouco beneficiada pelos progressos da anatomia. Os cirurgiões ainda eram considerados inferiores e, por conseguinte, mal remunerados. Nos séculos XVI e XVII, eram os barbeiros-cirurgiões - barbeiros que atuavam como médicos - que exerciam toda a prática manual da medicina através de pequenas cirurgias. Os profissionais desta área pertenciam a uma classe desprestigiada, cujo trabalho era basicamente mecânico, sem preparação científica. Somente em 1686, após a recuperação de Luís XIV de uma fístula anal crônica, nas mãos do cirurgião Félix, é que a prática cirúrgica provou ser nobre e rentável.

Uma gravura satírica, datada de 1570, demonstra bem a imagem que o público possuía dos barbeiros-cirurgiões, nela aparecem macacos utilizando os instrumentos dos barbeiros para tirar sangue, extrair dentes e cortar cabelos:

Isaac Koedyck (1616 -1677), sensibilizado com as críticas dirigidas a quem tratava dos humildes camponeses, documentou em sua obra a figura do barbeiro-cirurgião. Em duas de suas pinturas, eles aparecem trabalhando cuidadosamente nos pacientes:

O Barbeiro Cirurgião, Isaac Koedyck, 1647.

Um Cirurgião Barbeiro Cuidando do Pé de um Camponês, Isaac Koedyck, 1650.


Na literatura: Em “O Físico - A epopéia de um médico medieval”, Noah Gordon traz-nos um barbeiro cirurgião como personagem de sua obra magna. Barber, um homem amoral a viajar pelas cidades da Inglaterra, prometia cura para as enfermidades, vendendo seu específico: um xarope para quase todas as doenças. O velho barbeiro cirurgião ensinou muitas coisas a Rob, protagonista do livro que algum tempo depois viria a ser médico. Desde a arte do malabarismo até o método cirúrgico.

REFERÊNCIAS:
FIGUEIREDO, B. G.: ‘Barbeiros e cirurgiões: atuação dos práticos ao longo do século XIX’. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, VI(2): 277-91, jul.-out. 1999.
MARGOTTA, R. "História Ilustrada da Medicina" Editora Manole - São Paulo, 1998

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Esculápio e Telésforo

Esculápio, que na mitologia greco-romana representa o deus da medicina e da cura, é por vezes visto nas esculturas e pinturas apoiando-se em um bastão no qual enrola-se uma serpente.

É dessa forma que ele aparece numa antiga escultura em mármore, exposta no Museu do Louvre:

Asclépio e Telésforo. Museu do Louvre (Paris)

Em muitas ocasiões, a representação artística do deus da medicina se faz acompanhar de uma criança. Muitos médicos se perguntam: quem é o jovem que pode ser visto junto à perna esquerda de Esculápio? Trata-se de Telésforo, seu filho, deus da convalescença.

domingo, 15 de agosto de 2010

"A Parábola dos Cegos" de Pieter Bruegel

"Diz-se a um cego, estás livre, abre-se-lhe a porta que o separava do mundo, vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ali ficou parado no meio de rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição, um manicômio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar." José Saramago.

A doença ocular tem merecido lugar de destaque nas artes. Na pintura, há registros de casos de estrabismo, catarata e cegueira, dentre outros interessantes temas. Pieter Bruegel “O Velho” é o responsável pela notável A Parábola dos Cegos, na qual vê-se cegos de mãos dadas, numa fila, tateando com bengalas o caminho a percorrer. O quadro faz alusão ao Evangelho de Mateus, 15:14, que diz: “Não se preocupem com eles, são guias cegos. E quando um cego guia o outro, os dois acabam caindo no buraco”.

A Parábola dos Cegos, 1568, Pieter Bruegel; Óleo sobre tela, 154 x 86 cm; Galeria Nacional, Nápoles

Uma inspeção mais próxima dos seus rostos fornece evidências físicas que nos fazem supor as condições que determinaram a cegueira de cada um.

O rosto do primeiro homem não é visto. O segundo homem aparece sem pálpebras e globos de ambos os lados, o que sugere a possibilidade de enucleação bilateral.


Leucoma corneano é o diagnóstico proposto para explicar a cegueira da terceira figura retratada na pintura com evidente opacificação da córnea.



O quarto homem parece demonstrar sinais consistentes com uma resposta inflamatória ocular grave. A lesão facial do lado direito de sua face parece sugerir que fora vítima de um insulto externo, tal como queimadura.



Os olhos do quinto homem não são vistos sob a viseira. É considerada a possibilidade de fotofobia ou cegueira severa resultando na completa perda da percepção luminosa. Quanto ao sexto homem, argumenta-se que suas características faciais indicam o diagnóstico de cegueira conseguinte à pênfigo bolhoso.


REFERÊNCIAS:
1.SALER, V. "Medical conditions in works of art"British Journal of Hospital Medicine, February 2008, Vol 69, No 2
2.SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das. Letras, 1995.
3.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Estruturas Anatômicas Torácicas na Capela Sistina - Michelangelo

“Deus mandou o homem profundo sono e enquanto ele dormia tomou-lhe uma costela e fechou com carne o seu lugar. E da costela [...] fez uma mulher” Gênesis 2:21

Em meio aos afrescos que pintou no teto da Capela Sistina, Michelangelo espalhou um número considerável de estruturas anatômicas ocultas em sua obra. Em “A Criação de Eva” encontramos uma artística representação de estruturas contidas no tórax humano:



Cena: O Criador ordena que Eva se levante de dentro do tórax de Adão. Este repousa ao lado de um tronco seccionado que se ramifica e se trifurca mais acima.

Pista: O tórax esquerdo aberto de Adão. Além disso, o manto de Deus possui um volume dorsal muito grande em relação ao posicionamento dos pés, como se estes estivessem deslocados para a frente.

Achados anatômicos: Se observássemos dentro do tórax aberto de Adão, veríamos a lateral do pulmão esquerdo. Essa visão corresponde exatamente à forma do manto sobre o corpo do Criador. Compare a forma do manto com a figura anatômica do pulmão esquerdo. E Adão repousa sobre o tronco da árvore, que apresenta uma forma muito semelhante à de um segmento de árvore brônquica. Pode-se argumentar aqui que qualquer estrutura dendrítica de uma árvore é capaz de representar a árvore brônquica. Porém, chama a atenção nessa cena o fato de Michelangelo ter pintado, no Paraíso, um pedaço de árvores com ramos seccionados e desprovidos de folhas. Concluí-se, portanto, que essa estrutura complementa a representação do pulmão.



CONFIRA:

O Anatomista Michelangelo Revelado no Teto da Capela Sistina

Michelangelo: O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso - Anatomia da Região Cervical


REFERÊNCIAS:
BARRETO, Gilson "A Arte Secreta de Michelangelo - Uma Lição de Anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Revolucionária Experiência de Ambroise Paré

"Não te atrevas a me ensinar cirurgia, tu que nada mais fizeste a não ser ler livros. Cirurgia aprende-se trabalhando com as mãos e os olhos." Ambroise Paré

Ambroise Paré, que iniciou sua carreira como aprendiz de cirurgião-barbeiro na França, revolucionou a história da cirurgia através da introdução de diversas inovações na prática médica. Até então vista como uma atividade não médica, relegada à confraria dos barbeiros, a cirurgia resumia-se a atos operatórios drásticos e muitas vezes brutais, em que a preservação dos tecidos ficava em segundo plano. O texto abaixo, escrito pelo próprio Paré, descreve um momento transcedente na história da cirurgia:

“No ano de 1536, Francisco, rei da França, enviou uma grande força expedicionária ao Piemonte para conquistar Turim. Ao ataque maciço de nossas forças, os defensores das fortificações defenderam-se desesperadamente, matando e ferindo muitos soldados com vários tipos de armas, mas especialmente armas de fogo. Os cirurgiões tiveram muito trabalho. Eu, para dizer a verdade, era ainda um principiante; nunca vira tratar ferimentos produzidos por bala. Tinha lido no oitavo capítulo do primeiro livro de Giovanni da Vigo, Delle ferite in generali, que tais ferimentos eram perigosos por causa da pólvora, e que o melhor meio de tratá-los era a cauterização com óleo fervendo. Eu sabia que isso causaria uma terrível dor; só depois de me certificar que os cirurgiões usavam mesmo o óleo na mais alta temperatura possível, tive coragem de imitá-los. Faltando-me o referido óleo, fui obrigado a usar uma mistura de gema de ovo, óleo de rosas e terebentina. Naquela noite não dormi; assediava-me o pensamento de que muitos pacientes morreriam porque eu não havia cauterizado suas feridas com óleo fervente. Antes do nascer do sol levantei-me e fui olhá-los. O que vi superou as minhas mais otimistas expectativas, porque aqueles a quem eu tinha tratado com a mistura por mim elaborada quase não sentiam dor e suas feridas não estavam inflamadas. Outros, a quem eu tinha cauterizado, estavam com dores terríveis e com a parte afetada pelo ferimento inflamada. Nesse momento, decidi que não mais cauterizaria os pobres homens feridos a tiros de arcabuz.” Ambroise Paré, 1538.

Ambroise Paré (1517-1590) era de uma família de cirurgiões-barbeiros do interior da França. Trabalhou no Hôtel-Dieu, em Paris; como não sabia grego nem latim, foi recusado pela universidade. Tornou-se então cirurgião militar, ocasião em que fez a revolucionária experiência acima e que foi apenas o início de uma longa série de contribuições à cirurgia.

Não é de admirar que tenha se tornado o cirurgião de quatro reis da França, Henrique II, Carlos IX, Francisco II e Henrique III. Paré criou novos instrumentos cirúrgicos e próteses, introduziu importantes modificações na técnica operatória, por exemplo, na ligadura de vasos. Salvou a vida de números nobres, mas também salvou Coligny, líder dos huguenotes, o que quase lhe custou a vida nos massacres da noite de São Bartolomeu, em a 23 de agosto de 1572, teria sido executado pelos furiosos católicos se o rei Carlos IX não intercedesse em seu favor. Modesto, disse de um oficial a quem salvara: “Eu cuidei dele; Deus o curou”.

REFERÊNCIAS:
1.SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo, 1996
2.MARGOTTA, Roberto "História Ilustrada da Medicina" Editora Manole - São Paulo, 1998

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Circuncisão do Menino Jesus

"E, quando os oito dias foram cumpridos, para circuncidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido." Lc 2:21

A exérese do prepúcio, conhecida popularmente por circuncisão, é praticada há mais de 5 mil anos. Após a onfalotomia, o procedimento representa o tipo mais antigo de operação cirúrgica. De acordo com a bíblia, seguindo a tradição judaíca, a Virgem Maria levou Jesus, oito dias após seu nascimento, a um sacerdote para ser circuncidado.

Esse momento marcante na vida de Cristo foi representado por muitos artistas, inclusive pelo pintor italiano Andrea Mantegna num belíssimo quadro intitulado Circuncisão:

Circuncisão (1470); Andrea Mantegna (1431-1506); têmpera sobre madeira em trípico; Galeria Uffizi (Florença)

Num close do cirurgião (sacerdote), identificamos um bisturi de lâmina fixa em sua mão direita. Já na bandeja que lhe é apresentada pelo instrumentador (criança que o auxilia), vemos uma tesoura e uma atadura:

Detalhe do sacerdote com o bisturi e da criança segurando a bandeja de instrumentação cirúrgica

No Século XIV, Jean Purcelle (1300-1355) conhecido como o mais perfeito iluminador gótico da Escola de Paris, também documentou a circuncisão de Cristo em sua arte:

A Circuncisão de Cristo; Jean Purcelle (1300-1355); Breviário Martin de Aragão.

Outras representações:


A Sagrada Circuncisão de Jesus; Friedrich Herlin, 1466; Rottenburgo ob der Tauber.

Circuncisão de Cristo,1600; Guido Reni; Museu de Siena.

REFERÊNCIAS:
1.BEZERRA, Armando "Admirável mundo médico: a arte na história da medicina" - Brasília, 2002
2.Steinberg L. _ The Sexuality of Christ in Renaisance Art and in Modern Oblivion,1992
3.Timothy J. Etherington; The Circumcision of Christ; Box D-266, NT 503D Greek Exegesis I

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Distrofia Miotônica de Steinert / Juan Bautista Maíno

Um possível caso de Distrofia Miotônica de Steinert (DMS) foi documentado na arte pelo respeitado pintor espanhol Juan Bautista Maíno (1581-1649):


"Retrato de caballero". Juan Bautista Maíno. Óleo sobre tela, 96 x 73 cm. ca. 1613-1618. Madrid, Museo Nacional del Prado

O Retrato de Cavalheiro reproduz a imagem de um homem de meia idade, cuja notável ptose palpebral simétrica o proporciona uma fisionomia de cansaço. Na pintura, destaca-se também a calvice frontal do personagem (presente em 80% dos portadores de DMS do sexo masculino), é também visível a atrofia do músculo temporal e em menor grau do masseter. Não é possível constatar, sob a roupa do personagem, se o tórax é assimétrico, mas a elevada angulação entre o pescoço e o ombro sugere a cifoescoliose. Em decorrência da fraqueza muscular, a face apresenta uma aparência característica, é longa, estreita e com a pele brilhante, delgada e clara. Nota-se também a diminuição dos sulcos e rugas no rosto do indivíduo. Sob a luva percebemos o gesto da mão (flexão em pinça dos dois primeiros dedos e ligeira flexão das metacarpofalangeanas dos últimos três dedos) Obviamente, seria desconfortável permanecer nesta posição por longos períodos - como em uma pose para um retrato de qualidade - na prática, o incômodo se resolve com a flexão ou extensão completa de todos os dedos. Observando as mãos assim representadas, neurologistas que analisaram o quadro supõem que a falta de uma completa flexão dos últimos três dedos sugere uma fraqueza dos músculos flexores da mão (fenômeno miotônico).

Em conjunto, as características retratadas são típicas da Distrofia Miotônica de Steinert.

REFERÊNCIAS:
Roberto Cano de la Cuerda, Susana Collado-Vázquez ;“Deficiencia, discapacidad, neurología y arte”; Rev Neurol 2010; 51 (2): 108-116

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

"O Doutor" - Samuel Luke Fildes

O inglês Sir Samuel Luke Fields foi o artista responsável por um dos mais belos quadros que têm médicos como tema. A célebre obra retrata um médico pensativo observando uma criança gravemente doente:

" The Doctor",1891; Samuel Luke Fildes (1844-1927), Óleo sobre tela, Galeria Tate (Londres)

Ao pintar a criança enferma Fields inspirou-se no drama que viveu com o falecimento do seu filho na noite de natal de 1877. O quadro foi uma homenagem do pintor ao médico prestativo que assistiu seu filho até a hora da morte. Para que a tela fosse mais real possível, Luke Fields reproduziu no seu ateliê a sala de sua casa, palco do óbito de seu herdeiro.

No quadro, nota-se o médico em primeiro plano, olhando para sua paciente enquanto pensa se, a despeito do grau da enfermidade, é possível encontrar uma terapêutica eficaz.Observa-se também uma jovem doente, pálida, fraca e adormecida.

No fundo vemos uma mãe aflita, preocupada e desesperançosa, sua cabeça baixa traduz o desespero de quem espera o pior. Também é notável a expressão do pai, que não pode conter sua preocupação com a doença de sua filha, mas procura manter a calma, a fim de confortar a mãe. Se levarmos em consideração a época em que a tela foi pintada, é possível supor que o quadro retrata uma vítima de alguma doença infecciosa incurável, comum na era pré-antibiótica.



O Doutor foi concluído em 1891, atendendo a um pedido da rainha Vitória, da Inglaterra. O trabalho que custou três mil libras esterlinas, foi intermediado por Sir Henry Tate, em cuja homenagem existe atualmente em Londres, na Galeria Tates, onde essa obra de arte encontra-se exposta.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A Doença de Frédéric Chopin

"O primeiro médico, ao olhar-me, disse que eu morreria; o segundo, que me restava um último suspiro; e o terceiro, que eu já estava praticamente morto." F. Chopin, Mallorca, 1838.

Frédéric François Chopin, brilhante compositor e pianista polonês, nasceu em 1 de março de 1810, em Elazowa Wola. Biograficamente, o artista é pintado como um jovem de saúde frágil, consequência de uma grave doença crônica iniciada na infância; malgrado a debilitação, Chopin é mundialmente conhecido como um dos maiores e mais importantes compositores da história.


Ary Scheffer (1795-1858): "Portrait of Frédéric Chopin", Versailles: Musée national du château et des Trianons.

Está além de qualquer dúvida que Chopin sofreu uma desordem crônica de múltiplos órgãos, possivelmente herdada, cujo sintoma predominante foi a tosse. No século 18, seus contemporâneos aceitaram o diagnóstico de tuberculose pulmonar, no entanto, descrição de novas entidades clínicas provocaram novos dilemas e, atualmente, a mais sustentável hipótese diagnóstica parece ser outra.

Encontramos sobre Chopin, tanto nos escritos de seus contemporâneos, quanto em cartas pessoais, notas sobre as queixas iniciadas ainda na infância. Além de freqüentes infecções do trato respiratório, o compositor apresentava distúrbios gastrintestinais que resultaram numa considerável perda de peso.

Em 1826, quando o músico possuía 16 anos de idade, adoeceu gravemente, e passou seis meses queixando-se de sintomas respiratórios e dores “insuportáveis” de cabeça. Aos 20 anos, mudou-se para França em busca de aperfeiçoar sua arte, mas nesse período, a doença de Chopin piorou, obrigando-o a mudar-se para a ilha mediterrânea de Mallorca, buscando um clima mais agradável. Mesmo no novo ambiente, a sua tosse produtiva, febre recorrente, hemoptise, perda de peso e astenia continuaram progredindo e ele apresentou uma exacerbação da infecção nasal acompanhada de um bloqueio muito incômodo da passagem de ar.

Em Mallorca, médicos locais concluíram que ele sofria de tuberculose pulmonar, em seguida, Chopin retirou-se para Paris, onde seus médicos, utilizando o recém inventado estetoscópio, discordaram de tal diagnóstico.

Chopin apresentou também sintomas de puberdade atrasada, e aos 22 anos de idade, ele escreveu “Em um lado há suíças, no outro simplesmente não vai nascer”(Kubba, YOUNG, 1998). Além disso, o pianista nunca chegou a gerar crianças, o que nos leva a crer numa possível infertilidade.

De acordo com George Sand, com quem Chopin manteve um relacionamento duradouro, ele por vezes apresentava dores abdominais e diarréias recorrentes, especialmente após comer carne de porco e outros alimentos gordurosos. (O'Shea, 1998).

No outono de 1849, sua saúde deteriorou-se ainda mais, sua respiração tornou-se intensamente penosa, acompanhada por exacerbadas crises de tosse. Chopin morreu em 17 de outubro de 1849, aos 39 anos de idade. Seu corpo foi enterrado no cemitério Pere Lachaise. Satisfazendo a vontade do músico, o "Requiem" de Mozart foi executado durante o funeral.

O atestado de óbito menciona tuberculose, mas uma autópsia realizada posteriormente pelo memorável patologista francês, Dr. Jean Baptiste Cruveilhier, declarou que tuberculose não foi encontrada nos pulmões nem em outros lugares. O médico afirmou nunca ter visto as mudanças patológicas observadas nos pulmões de Chopin.

Acredita-se que Chopin foi vítima de mucoviscidose, uma doença hereditária de secreção mucosa alterada, descrita primeiramente em 1932, originada por uma mutação no cromossoma 7, que impede a absorção de oxigênio nos pulmões e estimula o crescimento de bactérias causadoras de pneumonia. A manifestação mais grave da doença genética é chamada de fibrose cística, tal diagnóstico justificaria a o comprometimento gastrointestinal do músico, bem como os sintomas pulmonares, a infertilidade e a puberdade atrasada.

Além disso, os argumentos de fundo genético dos problemas de saúde de Frederic Chopin apontam em favor da fibrose cística. Em primeiro lugar, sua história familiar mostra que duas das suas três irmãs tinham queixas semelhantes e morreram prematuramente. Em segundo lugar, os três membros da família (F. Chopin e seus dois irmãos) tinham sintomas multiorgânicos progressivos que começaram na infância e não foram iniciados por qualquer causa conhecida.

Outra fato que nos leva a aventar que a afecção em questão se trata de fibrose cística é o "tórax em barril", característico da doença, e que pode ser visto claramente numa caricatura feita do compositor no ano de 1844:


Caricatura feita em 1844 mostra um tórax em barril e os membros finos de Chopin; M. Maurvois

A fibrose cística parece ser a única hipótese diagnóstica que explica todas as queixas de Chopin, porém, não há conclusões definitivas nesta enunciação. A análise genética do DNA do coração de Chopin, que se encontra em Varsóvia, poderia nos esclarecer essa dúvida, mas as entidades polacas ainda não autorizaram o exame.

O nome de Chopin evoca a imagem de um artista sentimental, um dos gigantes do período musical romântico. Sua música tornou-se um símbolo de sua tragédia pessoal e, por vezes, um protesto contra as restrições que a doença crônica o infligia. Cientistas seguem tentando revelar o segredo etiogênico da moléstia padecida pelo espetacular compositor durante a maior parte de sua vida, e é possivelmente em seu nobre coração que, se permitido, encontrarão a resposta.

REFERÊNCIAS:
KUBBA A.K., YOUNG M.A. (1998). The long suffering of Frédéric Chopin. Chest 113:210-216.
O’SHEA J.G. (1987). Was Frédéric Chopin’s illness actually cystic fibrosis? Med. J. Aust.147: 586-589.
Niecks F. Frederick Chopin: as a man and a musician. 2nd ed.London: Novello, Ewer, & Co., 1890;(vol 2)277-328
O’SHEA J.G. (1998). Muzyka i medycyna. [Music and medicine]. Polskie Wydawnictwo Muzyczne: 183-200.