terça-feira, 13 de setembro de 2011

"Enfermaria nº 6", de Anton Tchekhov

“O repouso e a satisfação não estão fora do homem, mas dentro de si próprio.” Anton Tchekhov

Confeccionada em 1892 pelo célebre escritor e médico Anton Tchekhov, Enfermaria nº 6 é um conto que discorre de maneira sublime sobre a concepção filosófica da saúde mental, através de um passeio literário por um hospital psiquiátrico provincial.

Graças ao gigantismo do autor, a obra ficou consagrada como uma das mais impactantes histórias difundidas entre o público médico.

A trama principal transita em torno de quatro personagens portadores de transtornos mentais. O autor busca extrair, do cerne da loucura, a riqueza emocional de cada ser humano, infundindo delicadamente a idéia de que a enfermidade psíquica provém de um estado de hipersensibilidade aos
infortúnios a que estamos suscetíveis.

Ivan Dmitrich Gromov, de origem nobre, trinta e três anos, antigo oficial de diligências do julgado e secretário provincial, sofre de mania da perseguição [...] mostra-se sempre excitado, inquieto, num estado de grande tensão, como se esperasse algum acontecimento confuso e indefinido [...] tem uns tiques estranhos e doentios, mas os finos sulcos, que um profundo e sincero sofrimento deixou no seu semblante, denotam inteligência,e os seus olhos deixam transparecer um brilho carinhoso e sadio [...] Seu discurso é desordenado, febril, como em delírio; nem sempre se compreende o que diz; mas mesmo assim deixa perceber, pelas palavras e pela voz, qualquer coisa que denota extrema bondade. Quando fala, distinguem-se nele o louco e o homem. É difícil traduzir para o papel os seus desvarios. Fala da maldade humana, da violência que espezinha a justiça, da bela vida que com o andar dos tempos reinará na terra, das grades e das janelas, que a cada instante lhe recordam a obstinação e a crueldade dos opressores.”

Andrei Efimich, médico chefe do hospital, classificado inicialmente pela sociedade como um individuo sadio, estabelece uma relação de íntima amizade com um dos pacientes. Este último, a despeito de seu problema mental, exprime ser portador de peculiar inteligência quando aceita entabular diariamente conversas de conteúdo filosófico com o médico.

Com sua maneira singular de compreender a vida, o paciente influencia Andrei Efimich a ponto de modificar seu modo de ver e entender os pacientes ao mostrar-lhe o quão difícil é estar submetido à internação psiquiátrica. O médico, sensibilizado, passa a lidar com os enfermos de forma nunca feita antes, e esse estilo inteiramente novo de agir faz com que ele seja declarado insano e internado junto aos outros na enfermaria número 6.

Além de objetivar extinguir o preconceito contra os portadores de distúrbios mentais, a obra russa também enfatiza, dentre outros assuntos relevantes, as evoluções medicinais do período, a necessidade de uma boa relação médico-paciente e a importância do intelectualismo nas relações sociais.


REFERÊNCIAS:
TCHEKHOV, A. A ENFERMARIA Nº 6 e outros contos. Trad: Maria Luísa Anahory. Editora Verbo. Lisboa, 1972.

sábado, 10 de setembro de 2011

"O Homem Elefante": Filme conta a emocionante história de Joseph Merrick

Baseado numa história verídica, o filme norte-americano The Elephant Man (1980), conta a notável saga de Joseph Carey Merrick (1862-1890), constituindo um dos retratos humanos mais comoventes dentre as produções cinematográficas do século XX.


O diretor do filme, David Lynch, baseou-se em duas fontes para a composição do enredo: no livro, The Elephant Man (1980), de Frederick Treves, e em um livro de Ashley Montagu, chamado: The Elephant Man: A Study In Human Dignity, publicado em 1971.

Joseph Merrick (1862-1890), interpretado por John Hurt, portava uma doença que deformou de maneira irreversível 90% do seu corpo. Sua aparência chamou a atenção do famoso cirurgião Frederick Treves (Anthony Hopkins), que o encontrou num circo, no final de 1884, sendo apresentado como uma das aberrações do espetáculo. Em dezembro de 1884, Frederick Treves examinou Merrick e o apresentou como um caso em uma reunião da Sociedade Patológica de Londres:

“Ele é inglês. Tem 21 anos de idade e chama-se John Merrick. Na minha prática profissional, já vi deformidades do rosto decorrentes de ferimentos ou doenças, bem como mutilações e deformidades do corpo, devido a causas semelhantes. Mas em momento algum presenciei tão degradante versão de um ser humano como agora. Quero chamar a atenção dos senhores para esta insidiosa condição. Podem ver daí? Há um exagerado crescimento do crânio e do braço direito, totalmente inutilizado; uma alarmante curvatura da coluna. Notem a frouxidão da pele e os tumores fibrosos, que cobrem 90% do seu corpo. Tudo indica que essas deformações já existiam e progrediram rapidamente desde o nascimento. O paciente também sofre de bronquite crônica. Um aparte interessante é que, apesar das anomalias, os genitais do paciente não foram afetados e permanecem intactos. O braço esquerdo é normal, como podem ver. Então, senhores, devido a estas condições, aos tumores ósseos no crânio, à grande quantidade de massas pendentes na pele, ao crescimento exagerado do braço direito, envolvendo todos os ossos, às extensas distorções da cabeça, e à grande área coberta por papilomas, o paciente é conhecido como O Homem Elefante. Obrigado.” Frederick Treves (1884)

Fotografia de 1889.
Em 24 de junho 1886, Joseph foi admitido como residente no Royal London Hospital. Lá recebeu inúmeras visitas, a primeira sobre a qual sabemos é interpretada por Anne Bancroft, ela representa Madge Kendal, uma atriz que fazia sucesso nos palcos de Londres durante a segunda metade do século XIX. Como uma figura materna para Joseph, ela o ajuda a aceitar sua enfermidade e a encontrar alguma alegria.

Entre as personalidades que o visitava, destaca-se também a rainha Vitória e a princesa Alexandra, esta última, que o presenteava com freqüência, comentou no próprio diário o quão eram comoventes seus encontros com Merrick.

Joseph fora um jovem de sensibilidade artística; e assim como vários indivíduos portadores de alguma condição excêntrica fizeram da arte seu maior refúgio, também Joseph encontrou algum conforto na concretização de suas idéias criativas. Ele gostava de presentear a quem estimava com suas delicadas criações. Uma delas existe até hoje. É a maquete de uma igreja, de fabricação alemã, que ele fez para a atriz Madge Kendal, talvez em 1886:

Maquete de Igreja (1886). Joseph Merrick. Museu do Royal London Hospital.
Ao longo dos anos, debateu-se sobre qual seria a doença de Joseph. O próprio Merrick atribuía a misteriosa doença a um susto que sua mãe teria tido ao ver um elefante quando ainda grávida dele em 1862. No registro do paciente, feito em 1886 para os pacientes do London Hospital, consta que Joseph sofria de elefantíase, uma doença inflamatória adquirida encontrada em países tropicais. Certamente Joseph não sofria disso. A suspeita era a de que ele sofria de neurofibromatose tipo 1, complicada por outra doença, a fibrodisplasia. A análise das radiografias e fotos de Joseph Merrick mostram indícios de várias afecções. Ao exame de diferentes partes do seu corpo, como o fêmur, postulou-se que ele podia ter doença de Paget. Nos anos 80, dois médicos dos EUA propuseram outro diagnóstico, Tibbles e Cohen sugeriram que Joseph sofria da Síndrome de Proteus – assim denominada em alusão a Proteu, deus entalhador das formas –, uma rara doença genética, com poucos casos descritos na literatura médica. O diagnóstico encontrou adeptos e houve muitas tentativas de extrair o DNA dos restos mortais de Joseph para comprovar a hipótese. A condição física do jovem britânico foi fonte de diversos estudos médicos, entretanto, até o momento, não há prova científica sobre qual afecção o acometeu.
De facto, a minha aparência é algo medonha, mas censurar-me é censurar a Deus. Pudesse eu recriar-me novamente, não te decepcionaria. Pudesse eu abarcar o mundo de pólo a pólo ou abraçar o oceano num amplexo, seria medido pela minha alma, a base da mente do homem. (Trecho de poema de Isaac Watts com que Joseph finalizava suas cartas).