"O primeiro médico, ao olhar-me, disse que eu morreria; o segundo, que me restava um último suspiro; e o terceiro, que eu já estava praticamente morto." F. Chopin, Mallorca, 1838.Frédéric François Chopin, brilhante compositor e pianista polonês, nasceu em 1 de março de 1810, em Elazowa Wola. Biograficamente, o artista é pintado como um jovem de saúde frágil, consequência de uma grave doença crônica iniciada na infância; malgrado a debilitação, Chopin é mundialmente conhecido como um dos maiores e mais importantes compositores da história.
Ary Scheffer (1795-1858): "Portrait of Frédéric Chopin", Versailles: Musée national du château et des Trianons.
Está além de qualquer dúvida que Chopin sofreu uma desordem crônica de múltiplos órgãos, possivelmente herdada, cujo sintoma predominante foi a tosse. No século 18, seus contemporâneos aceitaram o diagnóstico de tuberculose pulmonar, no entanto, descrição de novas entidades clínicas provocaram novos dilemas e, atualmente, a mais sustentável hipótese diagnóstica parece ser outra.
Encontramos sobre Chopin, tanto nos escritos de seus contemporâneos, quanto em cartas pessoais, notas sobre as queixas iniciadas ainda na infância. Além de freqüentes infecções do trato respiratório, o compositor apresentava distúrbios gastrintestinais que resultaram numa considerável perda de peso.
Em 1826, quando o músico possuía 16 anos de idade, adoeceu gravemente, e passou seis meses queixando-se de sintomas respiratórios e dores “insuportáveis” de cabeça. Aos 20 anos, mudou-se para França em busca de aperfeiçoar sua arte, mas nesse período, a doença de Chopin piorou, obrigando-o a mudar-se para a ilha mediterrânea de Mallorca, buscando um clima mais agradável. Mesmo no novo ambiente, a sua tosse produtiva, febre recorrente, hemoptise, perda de peso e astenia continuaram progredindo e ele apresentou uma exacerbação da infecção nasal acompanhada de um bloqueio muito incômodo da passagem de ar.
Em Mallorca, médicos locais concluíram que ele sofria de tuberculose pulmonar, em seguida, Chopin retirou-se para Paris, onde seus médicos, utilizando o recém inventado estetoscópio, discordaram de tal diagnóstico.
Chopin apresentou também sintomas de puberdade atrasada, e aos 22 anos de idade, ele escreveu “Em um lado há suíças, no outro simplesmente não vai nascer”(Kubba, YOUNG, 1998). Além disso, o pianista nunca chegou a gerar crianças, o que nos leva a crer numa possível infertilidade.
De acordo com George Sand, com quem Chopin manteve um relacionamento duradouro, ele por vezes apresentava dores abdominais e diarréias recorrentes, especialmente após comer carne de porco e outros alimentos gordurosos. (O'Shea, 1998).
No outono de 1849, sua saúde deteriorou-se ainda mais, sua respiração tornou-se intensamente penosa, acompanhada por exacerbadas crises de tosse. Chopin morreu em 17 de outubro de 1849, aos 39 anos de idade. Seu corpo foi enterrado no cemitério Pere Lachaise. Satisfazendo a vontade do músico, o "Requiem" de Mozart foi executado durante o funeral.
O atestado de óbito menciona tuberculose, mas uma autópsia realizada posteriormente pelo memorável patologista francês, Dr. Jean Baptiste Cruveilhier, declarou que tuberculose não foi encontrada nos pulmões nem em outros lugares. O médico afirmou nunca ter visto as mudanças patológicas observadas nos pulmões de Chopin.
Acredita-se que Chopin foi vítima de mucoviscidose, uma doença hereditária de secreção mucosa alterada, descrita primeiramente em 1932, originada por uma mutação no cromossoma 7, que impede a absorção de oxigênio nos pulmões e estimula o crescimento de bactérias causadoras de pneumonia. A manifestação mais grave da doença genética é chamada de fibrose cística, tal diagnóstico justificaria a o comprometimento gastrointestinal do músico, bem como os sintomas pulmonares, a infertilidade e a puberdade atrasada.
Além disso, os argumentos de fundo genético dos problemas de saúde de Frederic Chopin apontam em favor da fibrose cística. Em primeiro lugar, sua história familiar mostra que duas das suas três irmãs tinham queixas semelhantes e morreram prematuramente. Em segundo lugar, os três membros da família (F. Chopin e seus dois irmãos) tinham sintomas multiorgânicos progressivos que começaram na infância e não foram iniciados por qualquer causa conhecida.
Outra fato que nos leva a aventar que a afecção em questão se trata de fibrose cística é o "tórax em barril", característico da doença, e que pode ser visto claramente numa caricatura feita do compositor no ano de 1844:
Caricatura feita em 1844 mostra um tórax em barril e os membros finos de Chopin; M. MaurvoisA fibrose cística parece ser a única hipótese diagnóstica que explica todas as queixas de Chopin, porém, não há conclusões definitivas nesta enunciação. A análise genética do DNA do coração de Chopin, que se encontra em Varsóvia, poderia nos esclarecer essa dúvida, mas as entidades polacas ainda não autorizaram o exame.
O nome de Chopin evoca a imagem de um artista sentimental, um dos gigantes do período musical romântico. Sua música tornou-se um símbolo de sua tragédia pessoal e, por vezes, um protesto contra as restrições que a doença crônica o infligia. Cientistas seguem tentando revelar o segredo etiogênico da moléstia padecida pelo espetacular compositor durante a maior parte de sua vida, e é possivelmente em seu nobre coração que, se permitido, encontrarão a resposta.
REFERÊNCIAS:
KUBBA A.K., YOUNG M.A. (1998). The long suffering of Frédéric Chopin. Chest 113:210-216.
O’SHEA J.G. (1987). Was Frédéric Chopin’s illness actually cystic fibrosis? Med. J. Aust.147: 586-589.
Niecks F. Frederick Chopin: as a man and a musician. 2nd ed.London: Novello, Ewer, & Co., 1890;(vol 2)277-328
O’SHEA J.G. (1998). Muzyka i medycyna. [Music and medicine]. Polskie Wydawnictwo Muzyczne: 183-200.