terça-feira, 27 de julho de 2010

"O Louco" de Pablo Picasso

Pablo Picasso foi um dos muitos artistas que retratou um alienado em sua obra. Seu período azul - fase artística que durou de 1901-1904, caracterizada por temas melancólicos e cores sombrias – tem como belo exemplo uma aquarela sobre cartolina intitulada O Louco:

O Louco (1904).Pablo Picasso (1881-1973).Aquarela sore cartolina, 85 x 35 cm .Museu Picasso (Barcelona)

Concluída em 1904, Picasso representou na aquarela um doente mental que perambulava pelas ruas de Barcelona.

O Louco encontra-se no acervo do Museu Picasso, em Barcelona.

domingo, 25 de julho de 2010

Opistótono na Pintura do Dr. Charles Bell

O termo “Opistótono” designa a posição do corpo em que a coluna vertebral, o pescoço e a cabeça formam um arco côncavo para trás. O doente apóia-se na cabeça e nos calcanhares. A posição é resultante da contração sustentada dos músculos posteriores do pescoço e do tronco, e pode ocorrer, dentre outras causas, em pacientes com meningite, tétano, tumor cerebral e em intoxicados por estricnina; algumas lesões neurológicas também podem ocasionar tal postura anormal.

O médico escocês Charles Bell (o mesmo da paralisia de Bell) - famoso anatomista, fisiologista e cirurgião – com sua notável habilidade para o desenho, registrou magnificamente um caso de opistótono na arte:

Óleo sobre tela, Opistótono, 1809; Charles Bell; Colégio de Cirugiões de Edimburgo (Escócia).

Na pintura, vê-se um soldado que desenvolveu tétano após ser lesionado em uma batalha, a posição é uma das manifestações da doença, resultante da ação da Tetanoespamina (neurotoxina produzida pelo Clostridium tetani). A potente toxina é responsável pela presença de espasmos musculares intermitentes e rigidez generalizada.

A obra “Opistótono” foi concluída no ano de 1809 e está exposta no Colégio de Cirurgiões de Edimburgo.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Epilepsia na Bíblia

Etimologicamente, a palavra epilepsia significa “ser invadido e abatido”. Nos dias atuais, existe ainda muito preconceito em torno desta condição neurológica crônica, e não são poucos os que acreditam que os portadores da síndrome estão, no momento da crise, sob domínio de demônios. Grande parte desse estigma deve-se ao “endemoninhado” citado no livro sagrado. A bíblia relata o caso de um jovem que, por apresentar crises epilépticas generalizadas, é levado a Jesus em busca de cura. A história do “menino lunático” aparece no evangelho de Mateus (17:14-18) e de Lucas (9:38-42), porém, encontramos uma descrição mais detalhada da crise no livro de Marcos:
E um da multidão, respondendo, disse: Mestre, trouxe-te o meu filho, que tem um espírito mudo; E este, onde quer que o apanha, despedaça-o, e ele espuma, e range os dentes, e vai definhando; e eu disse aos teus discípulos que o expulsassem, e não puderam.E ele, respondendo-lhes, disse: O geração incrédula! até quando estarei convosco? até quando vos sofrerei ainda? Trazei-mo.E trouxeram-lho; e quando ele o viu, logo o espírito o agitou com violência, e, caindo o endemoninhado por terra, revolvia-se, escumando.E perguntou ao pai dele: Quanto tempo há que lhe sucede isto? E ele disse-lhe: Desde a infância.E muitas vezes o tem lançado no fogo, e na água, para o destruir; mas, se tu podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós, e ajuda-nos.E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê.E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade.E Jesus, vendo que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele, e não entres mais nele.E ele, clamando, e agitando-o com violência, saiu; e ficou o menino como morto, de tal maneira que muitos diziam que estava morto. (MC 9:17-26)

REFERÊNCIAS:
Bíblia Sagrada - Tradução de João Ferreira de Almeida‎

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Tuberculose na Literatura Russa

Ninguém se salva sozinho. F.M.Dostoiévski

Em “O Idiota” o escritor russo Dostoiévski criou um personagem que sofria de uma grave doença pulmonar. São-nos bem conhecidas as caracteristicas clínicas conseguintes à infecção por Mycobacterium tuberculosis. Observando a descrição dos sintomas de Hipólito, dentre eles: tosse persistente, hemoptise, mal-estar generalizado, fraqueza, febre, sudorese noturna, calafrios, extrema palidez, prostração, etc; percebemos claramente que estamos diante de um caso de tuberculose pulmonar:

“Hipólito chegou. E tão fraco e cansado que se atirou sobre uma poltrona, sem pronunciar uma palavra, literalmente prostrado, logo desandando a tossir de maneira sofrida até vir sangue. Seus olhos emitiam chispas e duas rosetas rubras lhe tingiam as faces [...] Sua inquietação era quase convulsiva, e tinha a fronte pelada de suor... Sua inquietude provinha mais da febre do que da aglomeração [...] Os dentes do rapaz rangiam, como se o acometesse um calafrio [...] Lívido, Hipólito levou quase um minuto calado, com a respiração presa. Por fim, retomado o fôlego, pronunciou, com tremendo esforço...": “Nesse ínterim, segurei a maçaneta da porta para me ir sem lhe responder, mas estava sem fôlego, eu próprio, e a minha atrapalhação provocou tal acesso de tosse que mal me pude suster. Creio que levei tossindo uns três minutos ou mais [...] Procurei uma cadeira, fiquei quase sem poder tomar fôlego, respirando com muita dificuldade [...] Tal visita me cansou demais e não me senti nada bem aquela manhã, de tardinha me senti tão fraco que me estirei na cama, acometendo-me acessos de febre com rajadas de delírio

CONFISSÕES DE UM CONDENADO À MORTE

O texto abaixo, de beleza literária rara, discorre sobre o tempo em que a tuberculose, devido ao seu caráter extremamente agressivo e a falta de tratamento eficaz, era considerada incurável. Muitas vítimas pereciam por conta da moléstia. Foi nesse ambiente que Dostoiévski escreveu sobre o jovem Hipólito, personagem que aos 18 anos padecia da enfermidade, para traduzir a dor e a desesperança provocada pela tuberculose, à época equivalente a uma condenação. Algumas frases proferidas por Hipólito nos mostram o desespero de alguém que, ainda com sede de viver, descobre quão pouco tempo resta-lhe de vida:

“Não esquecer o pensamento: Não estarei maluco nesse instante, ou melhor, nesses minutos? Já me asseguraram, positivamente, que doentes como eu, em seu último estágio, perdem a cabeça por uns tempos [...] Mas é isso certo? É verdade que a minha natureza já se deixou vencer? Se eu for torturado por alguém, agora, naturalmente que ainda darei gritos, vociferarei e não direi que é indiferente sofrer só porque tenho duas semanas de vida [...] A idéia, prosseguiu ele, de que não vale a pena viver poucas semanas começou a me vir seguramente há um mês, quando eu dispunha apenas desse mês para viver [...] Admirei-me de te podido viver seis meses sem que ela me tivesse vindo antes. Estava farto de saber que não havia possibilidade de cura. Quanto a isso, nunca procurei me enganar. Compreendia a minha situação, claramente. Mas a verdade é que quanto mais claramente a compreendia mais desejo tinha de que a minha vida se prolongasse. Agarrei-me à vida, queria viver apesar de tudo [...] Conheci um pobre diabo que depois (segundo me contaram) morreu de fome. Quando vim a saber, fiquei furioso: minha vontade era ressuscitá-lo, se eu tivesse tal dom, somente para o executar, pois não se deve deixar-se morrer por tão pouco! [...] Que vontade que me vinha de me ver solto na rua, apenas com os meus dezoito anos, sem roupa, sem teto, completamente abandonado e só, sem trabalho, sem parentes de qualquer espécie, largado numa grande cidade, sentindo fome, desdenhado mas com saúde, pois então haveria de mostrar a todos... Que é que eu poderia mostrar? [...] Fique o mundo sabendo que Colombo foi feliz não quando descobriu a América mas sim quando a estava por descobrir."

terça-feira, 13 de julho de 2010

Vicent van Gogh - Os Dois Pólos do Artista

Quanto a considerar-me totalmente são, não devemos fazê-lo. As pessoas da região que são doentes como eu, falam a verdade: podemos viver muito ou pouco, mas sempre haverá momentos em que perderemos a cabeça. Peço-lhe portanto que não diga que eu não tenho nada. Se aprecias meu trabalho, tudo bem, mas continuo sempre louco. Vicent van Gogh a Theo, Arles (1888)
 Vicent van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Zundert, na aldeia holandesa de Brabant, sendo o mais velho entre os cinco filhos de um pastor protestante.

Vicent foi um menino sonhador, tímido, sensível e ligado a família. O laço afetivo que o unia ao irmão mais jovem, Theodore, a quem chamava carinhosamente de Theo, duraria enquanto vivesse. Entretanto, a bela história de amor entre dois irmãos não teve um final feliz. Em 27 de julho de 1890, Vincent caminhou até o campo de trigo onde costumava pintar, no entanto, dessa vez, não levou pincéis nem tintas, mas uma pistola. Num momento de desespero, atirou contra o próprio peito. Ferido, conseguiu arrastar-se até o café Ravoux, onde vivia, em Auvers (lugarejo próximo a Paris). Alguém trouxe o seu médico que, após examiná-lo, concluiu que a bala não podia ser extraída. Na manhã seguinte, quando Theo foi informado do que aconteceu, correu pra junto do irmão, e encontrou-o cachimbando placidamente na cama. Os dois passaram o dia juntos, falando holandês e reencontrando a harmonia dos velhos tempos. Ao fim do dia, Theo recusou-se a partir e passou a noite ao lado do irmão, na mesma cama, ouvindo-o murmurar “A tristeza não tem fim”. Vicent morreu por volta de 1h30 da madrugada do dia 29 julho de 1890, aos 37 anos de idade.

Que motivo o faria tirar a própria vida? Que doença atormentava um dos mais conhecidos pintores pós-impressionistas?

A DOENÇA DE VAN GOGH
Quanto a mim, estou me sentindo melhor. Minha digestão melhorou tremendamente desde o mês passado. Alguns dias ainda sofro involuntários ataques de excitação nervosa ou de tristeza total, mas isso vai passar, e quando passar, fico mais tranquilo. Vou esperar meus nervos ficarem estáveis... Vicent a Theo (1888)
Dono de uma personalidade difícil e temperamental, ao longo de sua vida, Van Gogh deu provas de instabilidade mental. Em 1888, deixando o irmão em Paris, fixou-se em Arles, onde produziu cerca de duzentos quadros e cem desenhos. No período em que iniciou sua série de Girassóis, o pintor Gauguin veio juntar-se a ele. Por ironia, foi a chegada de seu amigo mais caro, e a quem considerava um mestre, que provocou sua primeira crise nervosa.

Os dois artistas viviam juntos. No intenso contato cotidiano, Van Gogh começou a perceber como eram diferentes os princípios e modos de cada um deles ver a pintura. Quando Gauguin pintou um retrato dele, Van Gogh recusou-se a aceitá-lo. Não queria reconhecer-se num quadro em que Gauguin o representava como um homem pintando girassóis com certo ar de loucura. Numa violenta discussão, desestabilizado, Van Gogh se deixa atormentar por crises de humor, e, no auge do desespero, tenta ferir Gauguin com uma navalha. À noite, arrependido, com a mesma navalha Van Gogh decepou a própria orelha.

Ele documentou o evento em seu célebre Auto-Retrato com Orelha Enfaixada:


Orelha Enfaixada e Cachimbo (1889).Vincent van Gogh (1853-1890).Óleo sobre tela, 51 x 54 cm.Coleção Niarchos (Chicago)

No hospital Saint-Paul, aonde foi levado nesse episódio, ele foi atendido pelo Dr. Rey, que lhe suturou a orelha. Depois da convalescença, Vicent pintou um retrato do médico:

Retrato do Dr. Félix Rey (1889).Vincent van Gogh (1853-1890).Óleo sobre tela, 64 x 53 cm. Museu Pushkin (Moscou)

Van Gogh registrou sua passagem pelo hospital pintando também o pátio interno e a enfermaria, onde os pacientes aparecem desesperançosos e cansados do fardo que a doença os proporciona:

Enfemaria do Hospital de Arles (1889).Vincent van Goght (1853-1890).Óleo sobre tela, 74 x 92 cm.Coleção Oska Renhart (Winterthur)

O Dr. Félix Rey diagnosticou epilepsia psico-motora agravada pelo uso de absinto, e após prescrever brometo de potássio e suspensão de alcool, aconselhou Van Gogh a internar-se no hospital Saint Remy de Provence. Inicialmente o pintor não aceitou a idéia com prazer, porém, dias depois, percebendo que os moradores de Arles estavam amedrontados com seu jeito introspectivo e com suas fases de “excitação nervosa” e “tristeza total”, ele pediu a Theo que o levasse até Saint-Remy, asilo mental onde permaneceu por pouco mais de um ano. No seu registro de admissão, o Dr. Peyron escreveu:
Como diretor do asilo de Saint-Rémy, certifico e assino que van Gogh (Vincent), 36 anos de idade, nascido na Holanda e domiciliado atualmente em Arles, tendo sido tratado no hospital daquela cidade, apresenta mania aguda e alucinações visuais e auditivas que o levaram à automutilação, cortando a orelha. Atualmente parece recuperado, mas ele refere não apresentar coragem e força para a vida independente e, voluntariamente, solicita a admissão nesta instituição. Como resultado da exposição acima, acredito que o Sr. van Gogh apresenta crises epilépticas infreqüentes sendo aconselhável que permaneça em observação prolongada neste estabelecimento (Dr. Peyron, 9 de maio de 1889)
Ainda no hospício, van Gogh fica sabendo que em Auvers-sur-Oise reside um conceituado médico chamado Paul-Ferdinand Gachet, e solicita alta da clínica de Saint-Rémy. Com o consentimento de Theo, segue para Auvers-sur-Oise com o objetivo de se tratar com o Dr. Gachet, cujo diagnóstico proposto foi de intoxicação por terebintina. Gachet prescreve trabalho para Vicent, o médico via na pintura a melhor terapia para ele. Segundo críticos, seus melhores trabalhos são produzidos nessa época. A amizade com o doutor Gachet anima Vincent, que escreve a Theo afirmando que agora está feliz. Mas, pouco tempo depois entra em crise e acusa o médico de tentar matá-lo.

Centenas de médicos e psiquiatras tentaram definir as condições médicas e emocionais de Van Gogh ao longo dos anos, porém, especialistas estão longe de chegar a um acordo. Inúmeros transtornos foram diagnosticados postumamente nesta artista – epilepsia do lobo temporal, esquizofrenia, doença de Ménière - nenhum desses isentos de contradições. Entretanto, a maioria dos médicos concordam num ponto: as fases eufóricas e depressivas do artista são conseqüências do transtorno afetivo bipolar, especificamente, na forma mais grave, transtorno bipolar com sintomas psicóticos. A última frase proferida por ele "a tristeza não tem fim" carateriza bem o que provavelmente o impulsionou ao suicídio, a fase depressiva do transtorno bipolar.

A FAMÍLIA DE VAN GOGH
Havia uma frase em sua carta que me surpreendeu: 'Por vezes desejo estar longe de tudo e de todos, pois sou a causa dos males da minha família. Em mim só há miséria e sirvo apenas para levar tristeza para toda a gente.' Estas palavras me surpreenderam porque esse mesmo sentimento, da mesma forma, nem mais nem menos, também existe na minha consciência. (Vicent a Theo; Amsterdam, 30 May 1877)
Além de Van Gogh, três de seus irmãos apresentaram doença mental. O texto acima é um testemunho do que os historiadores afirmam: Théo sofreu depressão e ansiedade, anos após o forte abalo que a morte de Van Gogh provocou sobre ele, levou-o a falecer por "demência paralítica”. Sua irmã Wilhelmina, por ser esquizofrênica, passou a maior parte de sua vida internada num hospício - onde morreu. De forma trágica, seu outro irmão, Cornelius, cometeu suicídio aos 33 anos de idade.

Essas considerações reforçam a idéia de que havia um componente familiar genético na provável doença de van Gogh – o transtorno afetivo bipolar.

O MUNDO EM AMARELO
A cor expressa algo em si simplesmente porque existe, e deve-se aproveitar isso, pois o que é belo é também verdadeiro. Van Gogh
O uso do amarelo caracteriza muitas pinturas do holandês pós-impressionista e traduz o fascínio de Van Gogh por este pigmento vibrante. Ele simplesmente gosta da cor, ou sua preferência foi influenciada por alguma condição médica? Várias teorias surgiram para explicar como a qualidade de vida de Van Gogh pôde influenciar seu trabalho. A primeira delas, relativa à ingestão de absinto pelo artista, dizia que o consumo excessivo deste licor por van Gogh o induziu a ver todos os objetos com uma tonalidade amarela. No entanto, investigações conduzidas em 1991, mostraram que uma pessoa deve beber 182 litros de absinto para produzir este efeito visual, por isso podemos desconsiderar essa teoria. Uma segunda e mais provável explicação envolve o uso de digitálicos (droga derivada da Digitalis purpúrea). Seu médico, Dr. Gachet, utilizava o medicamento para tratar a possível epilepsia do artista (prática comum naquela época). O uso excessivo desta droga pode causar xantopsia em pacientes submetidos a tratamento com altas e repetidas doses, estes se queixam de ver “manchas amarelas em tudo o que olham”. Se observarmos os quadros da série "Os Girassóis", veremos que a quantidade de girassóis vai aumentando e que o fundo fica mais amarelo à medida que o tempo passa, o que faz com que os estudiosos acreditem que o aumento do consumo de absinto e/ou o nível da intoxicação por digitálicos, foram os responsáveis pelo excesso do uso da cor no final da famosa série.

A TRISTEZA REPRESENTADA NA ARTE
Não preciso sair da rotina para exprimir tristeza e o extremo da solidão. Vicent a Theo (Arles, 1890)
Em janeiro de 1882, Vicent conheceu Christine Sien, prostituta que tinha um bebê e estava grávida de outro. A vida desta mulher pareceu penosa a Van Gogh, que acolheu-a como companheira e modelo. Devido a convivência diária, Van Gogh apaixonou-se por ela, mas apesar dos esforços para manter um relacionamento, a ligação não durou. Depois do parto, Sien voltou a beber excessivamente e ele não teve mais como ajudá-la. Quando Vicent decidiu mudar-se para o campo, Christine não o acompanhou. No mais famoso retrato que pintou dela, Tristeza, o rosto não aparece, mas o corpo nu, revela o drama de uma vida:

Tristeza, 11 de novembro de 1882.

Internado no hospital de Saint-Remy, Vicent pintou “Velho Homem em Tristeza” onde representou um dos seus infelizes companheiros:

Óleo – Velho homem em tristeza (no limiar da eternidade); Saint-Rémy; abril, 1890)
 
O RECONHECIMENTO

Enquanto vivo, Van Gogh vendeu apenas uma única tela “ A Vinha Encarnada” por cerca de 400 francos. Apesar da tristeza que sentia por causa do fracasso profissional, ele nunca abandonou a crença de que sua arte - onde depositou seus profundos sentimentos - chegaria às gerações futuras. Em carta escrita ao irmão, pouco antes de morrer, Van Gogh escrevera:
Diga-me, o que posso fazer se meus quadros não se vendem? [...] mas sabe no que muitas vezes penso? No que já lhe disse há algum tempo atrás... que mesmo que eu não tenha sucesso, ainda acredito que Deus fará com que aquilo no que tenho trabalhado seja levado adiante. Futuramente, talvez, o que fiz valerá mais do que o que pagamos pelas tintas que uso. Van Gogh a Theo, Arles (1890)
No texto acima, vê-se claramente os sentimentos que dominavam Van Gogh: desespero e esperança, a despeito do diagnóstico de sua doença, eram esses os dois pólos do artista. Quanto a sua vasta obra, Vicent não profetizou em vão: Exatamente cem anos após sua morte, o seu “Retrato do Dr. Gachet” foi leiloado por US$ 82,5 milhões, um recorde até então. Hoje, as telas do artista se enquadram entre as mais caras do mundo.

REFERÊNCIAS:
1.BLUMER, D; Van Gogh: geniality and disease J Bras Patol Med Lab • Volume 46 • Número 1 • fevereiro 2010 ISSN 1676-2444
2.WOLF, p; Creativity and chronic disease Vincent van Gogh; West J Med. 2001 November; 175(5): 348.
3.VAN GOGH, V. "Cartas a Theo" Paidós Estética. Barcelona.
4.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.
5.BLUMER, D (2002): The Illness of Van Gogh. Am. J. Psychiatry; 159: 519-526.
6.JAMISOM, KR (1993): Touched with fire. Manic-Depressive Illness and the Artistic Temperament. New York.
7.JASPERS, K (2001): Genio artístico y locura. Strindberg y Van Gogh. El Acantilado. Barcelona.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Rinofima na Arte

Denomina-se rinofima a desfiguração do nariz resultante de uma intensa hiperplasia das suas glândulas sebáceas. Considerado o estágio final da acne rosácea, caracteriza-se pelo aparecimento de grandes cistos sebáceos de retenção decorrentes da obstrução dos duelos de drenagem das glândulas do ápice e asas do nariz.As alterações morfológicas têm início com a dilatação e engurgitamento dos vasos capilares e se fazem acompanhar de distorcão grosseira do tecido subcutâneo, das cartilagens alares e do músculo nasal. Essa desfiguração do nariz se processa de modo lento e progressivo; apesar de acometer jovens e mulheres, é mais prevalente em homens idosos.

O rinofima tem despertado a curiosidade de médicos e de artistas de diversas áreas. William Shakespeare faz referência à doença em sua obra Henrique V. Entretanto, é na pintura que essa deformidade está mais dramaticamente representada. Domenico di Tomaso Bigordi Ghirlandaio, conhecido por Ghirlandaio, pintou, em 1480, o óleo sobre madeira Um Velho e Seu Neto, também chamado O Ancião e a Criança:

O Ancião e a Criança (1480).Domenico Ghirlandaio ( 1449-1494). Óleo sobre madeira , 62 x 46 cm Museu do Louve (Paris)

Durante muito tempo, as identidades do velho e da criança eram simplesmente desconhecidas. Pensava-se que o ancião fosse um membro da família Ridolfi, uma vez que o quadro de Ghirlandaio esteve durante muitos anos com essa família.Posteriormente, estudiosos de arte, analisando o quadro Francesco Sassetti com seu Filho Teodoro (pertencente ao acervo de Jules Bache, de Nova York) e estudando um retrato a óleo existente no Museu de Arte de Estocolmo (Suécia), e ainda os afrescos da capela privativa do Palácio dos Sasseti, concluíram que o quadro, atualmente exposto no Museu do Louvre (Paris), representa Sasseti e Teodoro.

Em 1528, Joos van Cleeve (1485-1540) pintou o Retrato de um Ancião. A obra, atualmente exposta no Museu do Prado (Madrid), retrata o famoso matemático e geógrafo Sebastián Münster (1489-1552). Münster, que lecionava na Universidade de Heidelberg (Alemanha), e na Universidade da Basiléia (Suíça), era muito conhecido por ser o autor do livro Cosmografia Universal (1544), onde aparece a primeira descrição geográfica do mundo feita por um alemão.

Retrato de um Ancião (1580). Joons van Cleeve (1485-1540).Óleo sobre tela , 62 x 47 cm. Museu do Prado (Madrid)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Frida Kahlo: Vida Marcada por Doenças

"Pés, para que os quero se tenho asas para voar." Frida Kahlo

Maldalena Carmen Frida Kahlo retrata a trajetória de um dos maiores ícones das artes plásticas do México e do mundo. Com sua singular biografia e uma produção artística riquíssima, Frida expressava, em grande parte de suas pinturas, a dor e a mutilação, presentes, diariamente, em sua rotina de vida:

ESPINHA BÍFIDA

O primeiro problema neurológico apresentado por Frida Kahlo, espinha bífida, iniciou-se antes mesmo de seu nascimento. Espinha bífida significa espinha cindida ou dividida. Esta divisão se dá nas primeiras semanas de gravidez, quando a medula espinhal, então em formação, não se fecha corretamente. Dependendo da gravidade da fusão, a espinha bífida pode ser assintomática ou associada a diferentes manifestações esqueléticas, urogenitais e neurológicas, incluindo deformações e desordens tróficas das extremidades, paresia e outras. A maioria dos estudos bibliográficos ignoram tal patologia ou a citam de forma rápida, sem especificidade. Entretanto, sabe-se que a maior parte dos problemas ortopédicos apresentados pela pintora, têm relação direta com tal anormalidade do tubo neural. Apesar de não existirem documentos médicos especificando o defeito congênito, uma pintura intitulada: “O que eu vejo na água”, aponta tal anomalia. O elemento dominante da pintura é a presença dos pés aderidos na banheira. A presença de deformidades no hálux e segundo dedo no pé direito, é um defeito típico associado ao disrafismo congênito, incluindo a espinha bífida:



" O que eu vejo na água", 1938

Outro fato que marcou sua infância foi ter contraído poliomielite aos seis anos de idade. A doença a deixou como marcas a musculatura atrofiada e o membro inferior direito mais curto. Para encobrir a deficiência, Frida passou a usar saias longas como as das indígenas mexicanas. Já famosa, as intelectuais de sua época e as mulheres de um modo geral acharam que ela estava lançando moda e começaram a também usar aquelas saias longas.

TRAUMAS DA COLUNA VERTEBRAL E A “ÁRVORE DA ESPERANÇA”

Em 17 de setembro de 1925, na Cidade do México, um bonde bateu em um ônibus. O acidente seria esquecido se dentro do segundo veículo não estivesse a jovem Magdalena Carmen Frida Kahlo. A colisão moldou a existência da mais valorizada pintora latino-americana. Aos 18 anos, ela teve a coluna comprometida em três regiões, a perna dilacerada, o pé esmagado e a cintura pélvica fraturada. Uma barra de ferro ainda atravessou seu abdome. O sofrimento foi representado em sua arte com traços mórbidos:

Árvore da Esperança, Mantém-te Firme (1946).Frida Kahlo (1907-1954).Óleo. 56 x 40.5 cm. Galeria de Artes Isadora Ducasse (Nova York)

Sobre A Árvore da Esperança, Frida escreveu em seu diário: "Estou quase terminando o quadro que nada mais é que o resultado da tal operação. Estou sentada à beira de um precipício - com o colete em uma das mãos. Atrás estou deitada numa maca de hospital - com o rosto voltado para a paisagem - um tanto das costas está descoberto, onde se vê a cicatriz das facadas que me deram os cirurgiões filhos de sua recém-casada mamãe."

Segundo ela, um verdadeiro milagre a permitiu sobreviver: porém, lhe deixou graves seqüelas físicas. Devido a fratura de pelve, Frida foi informada de que não poderia ter filhos de parto normal, e era recomendável portanto que evitasse engravidar. O mesmo acidente destruiu seu sonho de ser médica. Em 1929 ela sofreu o primeiro aborto; em 1932, o segundo e último. Seu grande desejo era ter filhos, e a impossibilidade de concretizá-lo naturalmente deixou-a extremamente traumatizada.Felizmente, mais adiante, conseguiu voltar a caminhar. A artista foi submetida a mais de trinta operações e, mesmo assim, nunca deixou de pintar.

A COLUNA PARTIDA

Em 1944, Frida pintou o auto-retrato intitulado A Coluna Partida. A obra expressa o sofrimento da artista, pois sua saúde piorara a ponto de ter de usar um colete de aço. Uma coluna artificial, partida em vários lugares, toma o lugar de sua coluna fraturada. As rachaduras em seu corpo e os pregos espalhados pela superfície corporal são símbolos da dor e solidão:

“A coluna partida”, 1944.

A DOR DE UMA MÃE QUE PERDEU O FILHO

Em 1932, Frida pintou o quadro O Hospital Henry Ford, também conhecido como A Cama Voadora. O quadro mostra a pintora deitada no leito do hospital, localizado em Detroit, EUA. Flutuando sobre o leito, pode ser visto um feto do sexo masculino, um caramujo e um modelo anatômico de abdome e de pelve. No chão, abaixo do leito, são vistos uma pelve óssea, uma flor e um autoclave. Todas as seis figuras estão presas à mão esquerda de Frida por meio de artérias, de modo a lembrar os vasos de um cordão umbilical. O lençol sob Frida está bastante ensangüentado. Seu corpo é demasiadamente pequeno em relação ao tamanho do leito hospitalar, de modo a sugerir seu sofrimento e sua grande solidão:


Cama Voadora (1932).Frida Kahlo (1907-1954).Óleo sobre metal 77,5 x 96,5.Coleção Fundaçao Dolores Olmedo (México)

Do olho esquerdo de Frida goteja uma enorme lágrima, simbolizando a dor de uma mãe pela perda do filho; a pelve óssea é um testemunho da causa anatômica da impossibilidade de ser mãe.

O CARINHO POR SEU MÉDICO NO PERÍODO MARCADO POR INÚMERAS CIRÚRGIAS (1950-1951)

"Estive doente durante um ano: 1950-1951. Sete operações na coluna. O Dr. Farill salvou-me. Restituiu-me a alegria de viver. Ainda estou numa cadeira de rodas e não sei quando poderei voltar a andar de novo.Tenho um colete de gesso que, em vez de ser horrivelmente maçador, me ajuda a suportar melhor a coluna. Não sinto dores, só um grande cansaço... e, como é natural, por vezes desespero. Um desespero indescritível. No entanto quero viver. Já comecei o pequeno quadro que vou dar ao Dr. Farill e que estou fazendo com todo meu carinho por ele”.

“Auto-Retrato com o Dr. Juan Farril”, 1951

Nessa pintura, Frida Kahlo aparece numa cadeira de rodas, em frente a um retrato do seu médico, num cavalete. Uma espécie de oferenda ao médico que salvou a artista do seu sofrimento e aparece no lugar de santo. A paciente pinta a tela com seu próprio sangue e utiliza o coração como pincel.

EPISÓDIO DA AMPUTAÇÃO

Em 27 de julho de 1953, Frida tem a perna direita amputada até a altura do joelho. Em seu diário, encontra-se o desenho da perna amputada como uma coluna rodeada de espinhos.

"Amputaram-me a perna há 6 meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão. Continuo a querer me matar. O Diego é que me impede de o fazer, pois a minha vaidade faz-me pensar que sentiria a minha falta. Ele disse-me isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida.Vou esperar mais um pouco..."

Após atentar diversas vezes contra a própria vida, Frida Kahlo, que havia contraído uma grave pneumonia, foi encontrada morta no dia 13 de julho de 1954. Embolia pulmonar é a causa registrada em seu atestado de óbito, no entanto, a última anotação em seu diário permite aventar-se a hipótese de suicídio:

"Espero alegre a saída e espero nunca voltar."

Apesar do explícito sofrimento em sua obra, Frida nunca pintou com o interesse de se lastimar; pelo contrário, as imagens cruentas que vemos em muitos de seus quadros – colunas partidas, abortos, sangue, mortes – manifestam uma espécie de provocação, de atitude desafiante frente ao mundo, porque ela era assim. Fosse para buscar a si mesma ou para expressar toda sua sensibilidade, Frida retratou-se no conjunto de sua obra. Poucos artistas se revelaram tanto. Poucos tiveram – como ela teve – na arte o seu maior conforto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Marco Orsini 1; Marcos RG de Freitas 2; “Frida Kahlo: A arte como desafio à deficiência e à dor, com enfoque na poliomielite anterior aguda” Rev Bras Neurol,44,3:5-12;2008
BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Síndrome de Jó

"Mesmo com a pele aos pedaços, eu verei a Deus." Jó 19:26

A síndrome de Jó ou síndrome da hiperimunoglobulina E, é uma rara condição de imunodeficiência, sem etiologia definida, caracterizada por infecções da pele associadas a níveis elevados de imunoglobulina E, que pode acometer também os tratos respiratórios superior e inferior. Primeiramente descrita por Davis em 1966, a síndrome recebeu essa denominação devido ao personagem bíblico Jó, cuja fé inabalável fora testada de diversas formas, inclusive através do incômodo causado pela presença de ferimentos cutâneos e pústulas.

Dermatologicamente, a doença se manifesta com erupções cutâneas moderadas a graves, pruriginosas e eczematosa. A erupção não tem variação sazonal e está presente, em algum grau, em todos os momentos. São comuns episódios intermitentes de abscessos por estafilococos.

Os sinais e sintomas são facilmente reconhecidos na leitura do livro bíblico de Jó:

Acometimento cutâneo: "A doença devora a sua pele, e a peste rói os seus membros." Jó 18:13

Acometimento difuso da pele:"E Satã saiu da presença de Javé. Satã feriu Jó com feridas graves, desde a planta do pé até à cabeça." Jó 2:7

Prurido: "Então Jó pegou num caco de telha para se coçar, sentado no meio da cinza." Jó 2:8

Pústulas: "A minha carne está cheia de vermes e feridas, e a minha pele rompe-se e supura." Jó 7:5

Não existe cura para esta condição.

Os "bichinhos de pelúcia" da corte francesa

A hipertricose (também conhecida como a síndrome do lobisomem), seja universal ou localizada, é uma doença de natureza endócrina perenizada em telas. A hipertricose generalizada pode ocorrer na anorexia nervosa, no hipotireoidismo, na porfiria, em certas doenças do sistema nervoso e com o uso drogas (ex: fenobarbital).

O primeiro caso de hipertricose foi documentado em 1648. Pedro Gonzales, sofreu de hipertricose universal (doença tão bizarra que beira a ficção).


Pedro Gonzales, seu filho, suas duas filhas e um neto foram afetados pelo transtorno e enviados à França como uma curiosidade para os nobres. Nascido em Tenerife, nas Ilhas Canárias, em 1556, Pedro foi dado de presente à corte de Henrique II, como se fosse um bichinho de pelúcia.

Um dos primeiros casos conhecidos de hipertricose universal congênita foi, portanto, o de Pedro Gonzales. Em razão de sua inteligência e de sua presença marcante, Henrique II fez dele um de seus mais importantes embaixadores. A artista Lavinia Fontana de Zappis, filha do também artista Prosperam Fontana - amigo de Michelangelo Buonarroti e retratista do papa Júlio – representou artisticamente a hipertricose dos Gonzales. Abaixo, o retrato de Gonzales:

Gonzales (1585).Lavínia Fontana de Zappis (1552-1614).Óleo sobre tela.Castelo de Ambras (Innsbruck)

Nascida na Holanda em 1572, Antonieta Gonzales, conhecida por Tonina, herdou do pai, Pedro Gonzales, casado com uma bela holandesa, a hipertricose universal congênita.

Em 1592, Ulisses Aldrovandi, médico e professor da Universidade de Bolonha, examinou os Gonzales e documentou os casos em seu livro ilustrado com xilogravuras, o qual recebeu o título de História de Monstros. No final do capítulo, o médico registra ter recebido a notícia de que Tonina havia se casado e dado à luz um filho peludo. O óleo sobre tela ao lado, intitulado Filha de Gonzales foi pintado também por Lavinia Fontana em 1585, e encontra-se exposto no Kunsthistorishes Museum (Viena).

"Toninha" (Séc. XVI); Lavinia Fontana.

REFERÊNCIAS:
 1.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.
2Cardoso CBMA, Bordallo MAN, CKA. Hirsutismo . Adolesc. Saude. 2005;2(1):37-40