sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sofrimento e Morte de Cristo do Ponto de Vista Médico

O sofrimento físico de Jesus começou no Getsêmani.

Jesus no Monte das Oliveiras - um raro fenômeno: Hematidrose

Antevendo o sofrimento que viria, Jesus Cristo suou sangue. Em Lucas diz: "E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra." (Lc 22:44)


Jesus no Monte das Oliveiras (1460). Andreas Mantegna.

Apesar de muito raro, bem documentado na literatura médica é o fenômeno físico de suor de sangue, denominado hematidrose. Nesse caso, atenção médica imediata é necessária para prevenir hipotermia. Em resposta a um stress emocional, há um aumento da secreção de substâncias químicas que rompem finos capilares nas glândulas sudoríparas, misturando assim o sangue com o suor. Este processo pode causar fraqueza e choque.

O Sofrimento Físico de Jesus

Um soldado romano vai a Jesus com o flagrum (açoite) em sua mão. Este é um chicote com várias tiras pesadas de couro com duas pequenas bolas de chumbo amarradas nas pontas de cada tira. O pesado chicote é batido com toda força contra os ombros, costas e pernas de Jesus. Primeiramente as pesadas tiras de couro cortam a pele. Depois, os tecidos debaixo da pele, rompendo os capilares e veias da pele, causando marcas de sangue, e finalmente, hemorragia arterial de vasos da musculatura
.
O Flagelo de Cristo. William A. Bouguereau

As bolas de chumbo primeiramente produzem enormes, profundos hematomas, que se rompem com as subseqüentes chicotadas. Finalmente, a pele das costas está pendurada em tiras e toda a área está uma irreconhecível massa de tecido ensangüentado.

O Cristo Coroado

Sobre sua cabeça cravaram-lhe a coroa de espinhos. Lembremos que as veias que drenam o couro cabeludo são avalvuladas, contribuindo assim para que o sangramento da cabeça seja expressivo (o couro do crânio é uma das regiões mais irrigadas do nosso corpo). Novamente, há uma intensa hemorragia; soma-se a isso a dificuldade das bordas da ferida na pele se aproximarem espontaneamente; a tendência da ferida é se abrir, o que se deve a tração provocada por dois músculos de ações antagônicas, frontal e occipital, que são unidos pela gálea aponeurótica.

Coroação de espinhos. Caravaggio

Cristo Carregando a Cruz

A cruz que lhe impuseram tinha, segundo dados históricos, 2,34 x 2 metros e, aproximadamente, 22Kg. A pesada barra horizontal da cruz á amarrada sobre seus ombros, e a procissão do Cristo condenado, dois ladrões e o destacamento dos soldados romanos para a execução, encabeçado por um centurião, começa a vagarosa jornada até o Gólgota. Apesar do esforço de andar ereto, o peso da madeira somado ao choque produzido pela grande perda de sangue, é demais para ele. Ele tropeça e cai. As lascas da madeira áspera rasgam a pele dilacerada e os músculos de seus ombros. Ele tenta se levantar, mas os músculos humanos já chegaram ao seu limite.


Cristo cai no caminho do calvário (1517). Rafael Sanzio. 

A Crucificação

Não raramente, os pintores e a maioria dos escultores de crucificação mostram os pregos cravados nas palmas das mãos. Como exemplo, as pinturas de Rafael Sanzio e Velázquez:

Crucificação (1502-03). Rafael Sanzio

O Cristo. Velázquez.

Contos romanos históricos e alguns trabalhos experimentais estabeleceram que os cravos foram colocados entre os ossos pequenos dos pulsos (radial e ulna) e não pelas palmas. Do ponto de vista médico é óbvio supor que os pregos não foram cravados por entre os ossos do metacarpo, pois entre esses ossos existem músculos, dentre eles os lumbricais, frágeis e incapazes de suportar o peso de um homem crucificado. Anatomicamente, um prego capaz de suportar o peso de um homem crucificado, teria que penetrar no carpo. Pregos colocados pelas palmas sairiam por entre os dedos se o corpo fosse forçado a se apoiar neles. O equívoco pode ter ocorrido por uma interpretação errada das palavras de Jesus para Tomé, “vê as minhas mãos”.

Uma crucificação retratada corretamente pode ser vista em Brasília, na Paróquia do Santuário Dom Bosco, em escultura do artista Gotfredo Traller:

Crucificação. Gotfredo Traller.

Em Jesus Cristo, provavelmente o prego foi colocado entre os ossos escafóide, semilunar e capitato. Houve intenso sangramento no momento em que os pregos foram cravados no carpo. É de se supor que a hemorragia excessiva fora provocada pela artéria ulnar, rompida provavelmente antes de emitir como ramo terminal o arco palmar superficial.

O pé esquerdo agora é posicionado de modo que fica na frente do pé direito (na pintura abaixo: erroneamente Mathias Grunewald retratou o pé direito sobre o esquerdo), e com ambos os pés estendidos, dedos dos pés para baixo, um cravo é batido através deles, deixando os joelhos dobrados moderadamente. O sangramento abundante do pé também contribuiu para a morte de Cristo. Tal hemorragia fora provocada pela laceração da artéria dorsal do pé, ramo da artéria tibial anterior, próximo à emergência do ramo tarsal lateral.

A Crucificação do Altar de Isenheim (1516). Mathias Grunewald

É provável que os pregos tenham sido transfixados nas intermediações dos ossos cuneiformes, intermédio e lateral.

A Morte de Cristo

Enquanto seus braços se cansavam, grandes ondas de cãibras percorriam seus músculos, causando intensa dor. Com estas cãibras, veio a dificuldade de empurrar-se para cima. Pendurado por seus braços, os músculos peitorais ficaram paralisados, e os músculos intercostais incapazes de agir. O ar pôde ser aspirado pelos pulmões, mas não pôde ser expirado. Jesus lutou para se levantar a fim de fazer uma respiração. Finalmente, dióxido de carbono foi acumulado nos pulmões e no sangue, e as cãibras diminuiram. Esporadicamente, ele fora capaz de se levantar e expirar e inspirar o oxigênio vital. Sem dúvida, foi durante este período que Jesus conseguiu falar as sete frases registradas no evangelho.

A Crucificação do Altar de Isenheim (1516). Mathias Grunewald

Acima: detalhe da cabeça e do tronco de Cristo evidenciando múltiplas escoriações. As pregas axilares estão retesadas, o abdome escavado e os lábios cianosados.

Confirmando a Morte de Jesus

Aparentemente, para ter certeza da morte, um soldado traspassou sua lança entre o quinto espaço das costelas, enfiado para cima em direção ao pericárdio, até o coração. O verso 34 do capítulo 19 do evangelho de João diz: "E imediatamente verteu sangue e água." Pela direção da lança até o mediastino, é de se supor que tenha havido lesão pleural, pericárdica e do coração e dos vasos da base, o que justifica haver jorrado água (líquido proveniente das serosas) e sangue.

Lembramos o Salmo 22 versículo 14 “Derramei-me como água, e todos os meus ossos se desconjuntaram; meu coração fez-se como cera, derreteu-se dentro de mim.”

O momento em que Cristo recebe uma lancetada no hemitórax direito pode ser visto na pintura de Rubens, exposta no Museu de Belas Artes da Antuérpia (Bélgica):

Cristo na cruz entre dois ladrões (1620). Pieter Pauwel Rubens.

Há várias teorias diferentes sobre a causa real da morte de Jesus. Uma teoria declara que Jesus morreu, não de asfixia, mas de um infarto do coração, causado por choque e constrição do coração por fluidos no pericárdio. Outra teoria afirma que Jesus morreu de ruptura cardíaca. A real causa da morte de Jesus, no entanto, parece ter sido multifatorial e está relacionada principalmente ao choque hipovolêmico, asfixia por exaustão e insuficiência cardíaca aguda. Uma fatal arritmia cardíaca pode ter sido o evento terminal.

A Vida, a Morte e a Ascensão de Cristo

Salvador Dali, o mestre do surrealismo, pintou uma tela em que, genialmente, retrata ao mesmo tempo a vida, a morte e a ascensão de Cristo. Esta obra é uma das raras crucificações que mostram corretamente o pé esquerdo posicionado sobre o direito. A cruz flutua sobre o mar da Galiléia. É interessante observar que na cruz, que ascende ao céu, se projeta a sombra do Cristo, mostrando o renascer do sol após as trevas que tomaram conta da Terra no momento em que o Salvador morreu.

Cristo de São João da Cruz (1951). Salvador Dalí.

A Ressurreição na Arte

A obra abaixo, que simboliza a ressurreição de Cristo, fora executada entre 1499 e 1502 e trata-se de uma das primeiras pinturas conhecidas do mestre do renascimento italiano Rafael Sanzio.


Ressurreição de Cristo ou Ressurreição Kinnaird. Óleo sobre madeira. Rafael Sanzio.

REFERÊNCIAS:
1.DAVIS, Truman. "A Crucificação de Cristo, a partir de um ponto de vista médico."
2.TERASAKA, D. "Medical Aspects of the Crucifixion of Jesus Christ." . Blue Letter Bible. 1 Jan 2000. 2010. 24 Dec 2010.
3.BEZERRA, Armando "Admirável mundo médico: a arte na história da medicina" - Brasília, 2002.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A Melancolia em "Hamlet" / William Shakespeare

Entender o ser humano em suas fraquezas, suas forças, suas felicidades, seus gozos e angústias, e desta percepção dar luz a uma das mais belas literaturas de todos os tempos, foi tarefa magistral do dramaturgo William Shakespeare.

No segundo ato da peça A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca escrita em 1600, encontramos sintomas característicos do que chamamos atualmente de transtorno depressivo:

HAMLET: De tempos a esta parte – por motivos que me escapam - perdi toda a alegria e descuidei-me dos meus exercícios habituais.Tão grave é o meu estado, que esta magnífica estrutura, a terra, se me afigura um promontório estéril. (ATO II CENA II)

POLÔNIO: [...] e ele - para ser breve - repelido, cai em melancolia a que se segue jejum, falta de sono, abatimento e distração. E assim, piorando sempre, cai na loucura em que ora se debate e nos punge. (ATO II CENA II)

Segundo a DSM IV, a depressão é caracterizada pela presença há pelo menos duas semanas de um dos sintomas obrigatórios: estado deprimido ou falta de motivação para as tarefas diárias, além de outros sintomas menores.

Humor deprimido: "De tempos a esta parte – por motivos que me escapam - perdi toda a alegria..."

Anedonia: “...descuidei-me dos meus exercícios habituais”

Através do personagem Polônio, o autor mostra que os outros sintomas presentes no episódio depressivo de Hamlet são: perda de apetite, insônia, fadiga e distração.

Durante a tragédia, Shakespeare marca o caráter do protagonista com uma notável manifestação de tristeza. A peça, que traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida, mostra que o dramaturgo, sem pesquisas e fundamentos científicos, mas com intuição e sensibilidade, percebeu exatamente como se comporta um homem acometido pela depressão.

William Shakespeare é um dos grandes artistas que marcou sua trajetória pela capacidade de perceber o comportamento humano sem utilizar metodologias científicas. A citação acima prova que às vezes as respostas não se encontram em cientistas, pesquisadores e doutores, mas com literatos, pintores, músicos, poetas, dramaturgos; aqueles que observam, sentem e criam.

LEIA TAMBÉM:

A loucura em "Hamlet" - Ofélia, a personagem suicida de William Shakespeare

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Síndrome de Hipermobilidade em "As Três Graças", de Rubens.

A síndrome de hipermobilidade, definida como o aumento anormal da mobilidade das articulações, foi descrita em 1967 por Kirk, Ansell e Bywaters como um distúrbio hereditário de tecido conjuntivo, associado com queixas musculoesqueléticas. A entidade é comum em mulheres jovens, com uma prevalência estimada de 5% na população adulta saudável.

É possível que características clínicas da síndrome de hipermobilidade familiar benigna e sinal de trendelenburg positivo estejam presentes em uma pintura de 1638, intitulada As Três Graças, de Peter Paul Rubens:


As Três Graças (1638). Peter Paul Rubens (1577–1640).Óleo sobre madeira, 181 x 221 cm. Museu do Prado, Madrid (Espanha).

Os achados mais evidentes são: escoliose, lordose, sinal de trendelenburg positivo, hiperextensão das juntas do metacarpo e pés planos.

Na pintura, a "graça" do meio mostra claramente a escoliose manifesta na forma de S na coluna e, curiosamente, ela está em pé sobre a perna esquerda e a nádega direita é descendente, em vez de para cima, como seria em uma pessoa normal, caracterizando o sinal de Trendelenburg positivo. O sinal, descrito por um cirurgião alemão chamado Friedrich Trendelenburg (1843-1924), é encontrado em pessoas com fraqueza da musculatura abdutora do quadril. O sinal de Trendelenburg é dito positivo se, quando o quadril de um paciente que está de pé sustentado por somente uma perna, cai para o lado da perna levantada. A fraqueza é presente no lado da perna em contato com o chão.

Devido à debilidade da articulação, o quadril pode ser instável na síndrome de hipermobilidade, o que explica o sinal de Trendelenburg positivo. Também a escoliose é observada numa grande parte dos portadores da síndrome devido a frouxidão articular em nível da coluna vertebral.

A inspeção minuciosa do quadro mostra que a "graça" à esquerda tem os dedos em hiperextensão tanto nas interfalangeanas distais quanto nas articulações metacarpofalangeanas do quarto e quinto dedos e pés chatos. Observa-se também que todas as três "graças" têm hiperlordose da coluna lombar.


Uma expressão de hipermobilidade das articulações dos dedos, que pode estar presente especialmente na síndrome de hipermobilidade familiar benigna, justificaria a presença da deformidade em pescoço de cisne na "graça" à esquerda.


Presumivelmente uma das mulheres retratadas na pintura é Hélène Fourment, segunda esposa de Rubens, e as outras são suas irmãs, sugerindo fortemente o diagnóstico de hipermobilidade familiar benigna.

Descobrir sinais de doenças em pinturas antigas confirma que os artistas – exímios observadores da natureza – descreveram, ou pelo menos registraram muitas condições patológicas antes que os médicos fizessem. A arte do passado é sem dúvida uma ferramenta útil no campo da paleopatologia.

REFERÊNCIAS:
1.DEQUEKER, J."Benign familial hypermobility syndrome and Trendelenburg sign in a painting ''The Three Graces'' by Peter Paul Rubens (1577-1640)". Ann Rheum Dis 2001 60: 894-89.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A Primeira Anestesia com Éter

Foi no Hospital Geral de Massachusetts, em 1846, que William Thomas Green Morton (1819-1868) usou com reconhecido êxito o éter pela primeira vez. Morton iniciou sua carreira como dentista e, mais tarde, matriculou-se na Escola de Medicina de Havard, onde o químico Charles Jackson forneceu-lhe o éter, assegurando que a substância poderia aliviar a dor.

Após conduzir experiências em cães, no dia 30 de setembro de 1846, Morton anestesiou um paciente antes de extrair-lhe o dente e a novidade foi publicada no Boston Daily Journal. O diretor do Hospital Geral de Massachusetts, o cirurgião John Collins Warren, permitiu que Morton usasse éter no hospital.


Primeira anestesia com éter (1894) Robert C. Hinckley (1853 – 1940). Óleo sobre tela, 243 x 292 cm. Biblioteca Médica de Boston. (Cambridge).

A pintura acima retrata a experiência ocorrida em 16 de outubro de 1846. Morton anestesiou, perante numerosa platéia, o jovem paciente Edward Gilbert Abbott, que caiu em sono profundo, enquanto Warren extraiu-lhe um tumor da mandíbula. Abbott acordou pouco depois do corte ter sido fechado e declarou não sentir nenhuma dor. Naquele momento foi constatado que se havia descoberto e provado perante inúmeros médicos e demais presentes um meio de anestesiar um ser humano, a ponto de permitir qualquer procedimento cirúrgico, por mais doloroso que fosse. O uso do éter como anestésico foi publicado dali a um mês, começando a ser usado em Londres no mês seguinte.

Morton ganhou a fama como “eterista”, mas a luta que travou com o Congresso americano para ser recompensado financeiramente por seu feito, e a ação de indenização que lhe moveu seu ex-professor Charles Jackson – que ensinou a Morton a ação do éter como anestésico - , fizeram-no enlouquecer. Morton morreu correndo, na miséria e sem destino, nas proximidades do Central Park.

No cinema: The Great Moment (1944) é um filme biográfico da Paramount Pictures dirigido por Preston Sturges. Baseado no livro The Triumph Over Pain ( 1940 ) de René Fülöp-Miller, o longa-metragem narra a história de vida e a contribuição à anestesiologia de William T. G. Morton.

REFERÊNCIAS:
1. BEZERRA, Armando "Admirável mundo médico: a arte na história da medicina" - Brasília, 2002
2. MARGOTTA, Roberto "História Ilustrada da Medicina" Editora Manole - São Paulo, 1998.
3.
Wikipédia – William Thomas Green Morton

domingo, 12 de dezembro de 2010

"O Ingênuo" de Voltaire

Uma pequena grande obra que revela a peculiar sensibilidade crítica do filósofo francês Voltaire, é o conto O Ingênuo, onde o protagonista é um hurão honesto e sincero, espantado com as ridículas convenções sociais da França do século XVIII.

Com seu estilo literário único, Voltaire se mostra um genial pensador iluminista que nos leva a meditar sobre nossos hábitos, religiões e, não raro, profissões

Em determinado momento, Voltaire ataca os “médicos da moda”, culpando-os pela piora do estado de saúde dos pacientes vítimas de um inadequado exercício da prática médica:

Mandaram chamar um médico da vizinhança. Era um desses que visitam os doentes correndo, que confundem a doença que acabaram de ver com a que estão examinando, que exercem uma cega rotina em uma ciência à qual nem toda a maturidade de um espírito são e prudente poderá tirar seus perigos e incertezas. Agravou o mal com uma precipitação em prescrever um remédio em moda da época. Há modas até na medicina! Essa mania era bastante comum em Paris. [...] Mandaram chamar outro médico. Este, em lugar de ajudar a natureza e deixá-la agir em uma jovem criatura cujos órgãos a induziam para a vida, só se preocupou em contrariar o seu colega. Em dois dias a doença tornou-se fatal. (O Ingênuo - 1767)

O texto acima destaca a importância de valorizar a individualidade de cada paciente. Certamente, o caminho para a cura é o tratamento não somente da doença, mas do doente.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Distonia Oromandibular Idiopática / "O Bocejador" de Brueghel

A síndrome de Brueghel ou distonia oromandibular idiopática é uma condição neurológica que acomete principalmente homens na sétima década de vida. A síndrome é caracterizada por espasmos dos músculos perioculares associada com espasmos severos da metade inferior da face, mandíbula e músculos da região cervical. Vêem-se movimentos anormais da boca, língua e mandíbula. A condição pode ser agravada pelo comer ou falar.

A pintura O Bocejador de Pieter Brueghel mostra a face de um homem com a boca aberta e as pálpebras fortemente cerradas. Segundo os historiadores da arte, esta pintura retrata somente um bocejo:

O Bocejador (1564). Pieter Brueghel. Museu Real de Belas Artes (Bélgica).

A distonia do nervo motor trigêmeo produz uma boca amplamente aberta, simulando um grande bocejo. Em 1976, Madsen creditou a R.E. Kelly a observação da semelhança desta pintura com a síndrome da distonia oromandibular e blefaroespasmo e sugeriu o epônimo de síndrome de Brueghel.

REFERÊNCIAS:
1.Carvalho, RM; Gomi, C. Tratamento do blefaroespasmo e distonias faciais correlatas com toxina botulínica - estudo de 16 casos. Arq. Bras. Oftalmol. vol.66 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2003.
2.Roberto Cano de la Cuerda, Susana Collado-Vázquez ;“Deficiencia, discapacidad, neurología y arte”; Rev Neurol 2010; 51 (2): 108-116
3. Sociedade Brasileira de História da Medicina - A Neurologia na Arte

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Acondroplasia na Arte / "Retrato de Sebastián de Morra" - Diego Velázquez

Durante o século XVII, os monarcas europeus mantinham anões em sua corte como fonte de diversão. Considerados “raras atrações” nos eventos da realeza, os anões eram comprados e vendidos em toda a Europa. Era costume oferecê-los como presente; em algumas ocasiões, eram eles enfeitados com diversos ornamentos, adornados com jóias e ouro e, assim, apresentavam-se em cerimônias do Estado e nas ocasiões festivas.

A simpatia de Diego Velázquez com os anões da corte é óbvia. Em 1645 ele pintou o Retrato de Sebastián de Morra, registrando na arte a figura de um anão que servia de diversão para o Príncipe Baltazar Carlos na corte espanhola de Felipe IV.


Retrato de um Anão Sentado no Chão, ou O Retrato de Sebastián de Morra (1645). Diego Velázquez (1599-1660). 106x81cm. Museu do Prado (Madrid).

Uma mutação no receptor do fator de crescimento do fibroblasto tipo 3 (FGFR3), é a responsável pela mais freqüente displasia esquelética de membros curtos, a acondroplasia, que altera o crescimento afetando a ossificação endocondral.

As características físicas de Sebastián De Morra – a baixa estatura, os membros curtos com predomínio proximal, macrocefalia, macrocrania com bossa frontal e a depressão da ponte nasal – sugerem fortemente o diagnóstico de nanismo acondroplásico.

Velázquez, que procurava transmitir em suas pinturas não apenas a imagem pictórica, mas também o retrato psicológico das pessoas, pintou De Morra com uma expressão dramática, grave e triste, contrastando com a sua profissão de palhaço. Os punhos cerrados apertados contra a cintura fazem-lhe parecer desafiador, em denúncia do tratamento de si mesmo e dos outros anões. O olhar irritado e intenso de De Morra é suficiente para convencer o telespectador de que ele detestava o seu papel, pois queria ser considerado como o ser humano que era, e não como o brinquedo, como o tribunal queria.

LEIA TAMBÉM:

Cretinismo na Pintura / "O Anão Francisco Lezcano" - Diego Velázquez

REFERÊNCIAS:
1.Adelson, Betty M. The Lives of Dwarfs: Their Journey from Public Curiosity Toward Social Liberation. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 2005. 154-161.
2. LIMA, R; SILVA, MC. “Acondroplasia: revisão sobre as características da doença.”. Arq Sanny Pesq Saúde 1(1):83-89, 2008.


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dia Mundial de Luta Contra a AIDS

No dia 1° de dezembro é comemorado o Dia Mundial de Luta Contra a AIDS. Essa data foi instituída como forma de despertar nas pessoas a consciência da necessidade da prevenção, aumentar a compreensão sobre a síndrome e reforçar a tolerância e a compaixão às pessoas infectadas.

A cada ano, diferentes temas são abordados, destacando importantes questões relacionadas à doença. Em 2011, a campanha dará enfoque nos jovens gays de 15 a 24 anos. A ação busca discutir as questões relacionadas à vulnerabilidade ao HIV/aids, na população prioritária, sob o ponto de vista do estigma e do preconceito. Além disso, a ideia é estimular a reflexão sobre a falsa impressão de que a aids afeta apenas o outro, distante da percepção de que todos estamos vulneráveis.

Viver a realidade da AIDS, despindo-a de sua carga de hipocrisia, foi a derradeira tarefa a que se dedicou o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948 – 1996):

Voltei da Europa em junho me sentindo doente. Febres, dores, perda de peso, manchas na pele. Procurei um médico e, à revelia dele, fiz O Teste. Aquele. Depois de uma semana de espera agoniada, o resultado HIV positivo. [...] A vida me dava pena, e eu não sabia que o corpo (“meu irmão burro”, dizia são Francisco de Assis) podia ser tão frágil e sentir tanta dor. Certas manhãs chorei, olhando através da janela os muros brancos do cemitério no outro lado da rua. Mas à noite, quando os néons acendiam, de certo ângulo a Doutor Arnaldo me parecia o boulevard Voltaire, em Paris, onde vive um anjo sufista que vela por mim. Tudo parecia em ordem, então. Sem rancor, nem revolta, só aquela imensa pena de Coisa Vida dentro e fora das janelas, bela e fugaz feito as borboletas que duram só um dia depois do casulo. Pois há um casulo rompendo-se lento, casca sendo abandonada. (Caio Fernando Abreu, 1994).

Publicado em 18 de setembro de 1994 no jornal O Estado de São Paulo, o depoimento acima é uma prova de sua coragem. Antes de falecer, Caio Fernando Abreu viveu por 2 anos dedicando-se inteiramente a tarefas como jardinagem, cuidando de roseiras. “A vida grita. E a luta continua.” Com essas palavras termina o histórico texto. E com elas, prossegue a batalha contra a AIDS.

REFERÊNCIAS:
1.
Dia Mundial de Luta Contra a Aids
2.SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo, 1996.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"O Nascimento da Clínica" - Michel Foucault

O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) é amplamente conhecido pelas suas críticas às instituições sociais. Suas mais famosas obras enfocam especialmente à área da saúde. Filho de um médico, ele estava interessado na epistemologia da Medicina e 1963 publica, O Nascimento da Clínica - uma arqueologia do saber médico:

Trata-se, no entanto, de um destes períodos que delineiam um inapagável limiar cronológico: o momento em que o mal, o contra- natural, a morte, todo o fundo negro da doença em suma, vem à luz.[...] O que era fundamentalmente invisível subitamente se oferece ao brilho do olhar, num movimento de revelação tão simples, tão imediato que parece ser a conseqüência natural de uma experiência mais altamente desenvolvida. É como se, pela primeira vez em milhares de anos, os médicos, livres por fim de teorias e quimeras, concordassem em se aproximar do objeto de sua experiência com a pureza de um olhar sem preconceitos. (O Nascimento da Clínica - Michael Foucault)

A obra trata do domínio da medicina e do modo como se estruturou em alguns anos o conhecimento singular do indivíduo doente. Foucault escreveu “um livro sobre o espaço, sobre a linguagem, sobre a morte, sobre o ato de ver, sobre o olhar”. O Nascimento da Clínica analisa um período crucial da história da medicina: o fim do século XVIII e o início do XIX. O período histórico mencionado é caracterizado por grandes mudanças, em particular a Revolução Francesa. Ocorreu então uma reorganização da maneira de olhar o doente e, em decorrência do discurso médico: “uma nova aliança foi forjada entre palavras e coisas, permitindo ver e dizer”.

Até então, os médicos perguntavam ao doente o que estava errado com ele; agora, passam a perguntar onde dói. O diagnóstico é feito com base em um sistema classificatório de doenças; como a botânica, a medicina agora vai distribuir as entidades nosológicas em grupos. A doença tem sua sede em um órgão, em tem seu lugar em uma classe. A intervenção médica passa a ter normas. Antes, quando o doente recuperava seu vigor, sua disposição, estava curado. Agora, padrões de normalidade, numericamente expressos, definirão o objetivo do tratamento.

O hospital que, antes do século XVIII era basicamente uma instituição de caridade a cargo de religiosos, agora torna-se um instrumento de medicalização coletiva e leiga. Médicos famosos, que antes não apareciam nos hospitais, agora montam ali seus serviços. Começam a surgir os sistemas de intervenção médica, com registro de dados e sistemas estatísticos.

A medicina atua nas necessidades mais concretas do ser humano. Quando a saúde substitui a salvação da alma, conclui Foucault, o poder dos doutores cresce exponencialmente.

REFERÊNCIAS:
1.
Wikipédia - Michal Foucault 2.FOUCAULT, Michel (1963). O nascimento da clínica. 2. ed. Rio de Janeiro.
3.SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo, 1996

domingo, 21 de novembro de 2010

A Conversão de São Paulo do Ponto de Vista Médico

A conversão de São Paulo, descrita em três ocasiões na bíblia sagrada, ocorreu a caminho a Damasco para aprisionar cristãos. No capítulo 22 do livro de Atos, o apóstolo conta a sua experiência:

6. Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu.
7.E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?
8.E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues. (
ATOS. 22. 6-8)
[...]
11.E, como eu não via, por causa do brilho daquela luz, fui levado pela mão dos que estavam comigo, e cheguei a Damasco. (
ATOS. 22: 11)

Em A Conversão de São Paulo , de Michelangelo (1475–1564), Paulo é retratado no chão, ofuscado pela visão de uma luz divina:

Michelangelo Buonarroti (1475–1564). A Conversão de São Paulo, 1542. Capela Paulina (Vaticano).

Em Atos, o apóstolo relata que uma luz brilhante o cegou e que, em seguida, caiu no chão. Sua visão foi recuperada somente após três dias. A experiência de Paulo foi atribuída a uma crise epiléptica do lobo temporal com aura emocional que talvez tenha evoluído para generalização secundária, que foi assustadora e dramática, seguida de cegueira cortical pós-ictal (Landsborough, 1987).

Em algumas de suas cartas, Paulo dizia possuir uma enfermidade que quem padecia costumava ser desprezado. Lembremos que, à época, a epilepsia era chamada de "morbus insputatus": doença cuspida; pois, lamentavelmente, o preconceito gerou um costume que perdurou durante séculos: cuspir nos epilépticos.

Nas cartas, Paulo também afirma que, por vezes, sentiu-se arrebatado para o Paraíso. Tal sensação é atribuída à aura extática, outrora descrita pelo escritor russo Fíodor Dostoiévski, epiléptico que afirmou que durante os segundos antecedentes a crise, sentia-se “no céu”:

Que importa que seja doença? Quem mal faz que seja uma intensidade anormal, se esse fragmento de segundo, recordado e analisado depois, na hora da saúde, assume o valor da síntese da harmonia e beleza, visto proporcionar uma sensação desconhecida e não advinda antes? Um estado de ápice, de reconciliação, de inteireza e de êxtase devocional, fazendo a criatura ascender à mais alta escala da vivência? ... Sim, por este momento se daria toda a vida! (O Idiota – Dostoiévski).

Curiosidade: Antigamente, na Irlanda, a epilepsia era chamada de "doença de São Paulo".

REFERÊNCIAS:
1. Landsborrough D. St. Paul and temporal lobe epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1987.
2.DOSTOIÉVSKI, Fíodor "O Idiota" Editora José Olympio, 1951 - Rio de Janeiro.
3.Bíblia Sagrada - Tradução de João Ferreira de Almeida‎.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O que "Sherlock Holmes" tem a ver com a medicina?

Sherlock Holmes é um personagem fictício que surgiu a partir das qualidades profissionais do Dr. Joseph Bell, exímio médico que serviu de inspiração para Arthur Conan Doyle criar seu detetive.

Conan Doyle conheceu o Dr. Joseph Bell em 1877, quando era estudante de medicina da Universidade de Edimburgo. Doyle tinha sido fortemente influenciado pelo médico, à época seu professor. Conta-se que Bell, ao ver um estranho, era capaz de deduzir muito de sua vida e de seus hábitos. O cirurgião era um expert no uso do raciocínio dedutivo para diagnosticar a doença. Conan Doyle ficou tão impressionado que usou esses mesmos princípios ao criar seu famoso personagem.

O médico inspirou não somente a criação da personalidade de Holmes, mas também o porte físico do detetive. Em um texto publicado no periódico The National Weekly em 1923, Doyle descreve seu admirado professor:

Era magro, vigoroso, com rosto agudo, nariz aquilino, olhos cinzentos penetrantes, ombros retos e um jeito sacudido de andar. A voz era esganiçada. Era um cirurgião muito capaz, mas seu ponto forte era a diagnose, não só de doenças, mas de ocupações e caráteres. Conan Doyle, 1923.



Gravura. Signey Paget (1860-1908). "Sherlock Holmes (à direita) e o Dr. Watson",1893. Strand Magazine.

Médico e artista, Doyle caprichou nos mínimos detalhes de sua obra. Nem mesmo o nome do personagem foi escolhido em vão. A escolha do sobrenome “Holmes” foi uma homenagem ao seu colega, o doutor Oliver Wendell Holmes, notável médico americano e um dos melhores escritores do século XIX. Holmes dizia ser o diagnóstico médico um trabalho digno de um detetive, visto depender de muitos detalhes. O primeiro nome do personagem é baseado em Alfred Sherlock, um violinista proeminente do seu tempo. Compõe-se assim Sherlock Holmes. Dentre as inúmeras qualidades do personagem, destacam-se a de detetive e violinista.

REFERÊNCIAS:
1.The Sherlock Holmes Society of London. "The wide world of Sherlock Holmes". No. 307: 25 October 2010.
2.
Sherlock Holmes and Dr. Joseph Bell

domingo, 14 de novembro de 2010

Dr. Frederick Banting: O Artista que Descobriu a Insulina.

“Quanto mais penso na cidade mais quero morar no campo, e quanto mais penso em ser pesquisador, mais quero ser um artista.” Frederick Banting.
Frederick Grant Banting, foi simplesmente a figura central na descoberta de uma das drogas mais importantes da terapêutica médica atual: a insulina. O médico é também autor de centenas de magníficas pinturas canadenses.

O Diabetes mellitus é uma doença conhecida desde os antigos egípcios. Estudos datados de cerca de 1500 a.C. descrevem um mal capaz de fazer as vítimas eliminarem a urina um tanto adocicada, característica que lideraria muito tempo depois a identificação do diabetes. Dando um salto na história da doença, encontramos autópsias realizadas a partir de 1850 mostrando que o pâncreas de pessoas mortas por diabetes não funcionavam satisfatoriamente.

A droga que revolucionou o tratamento dos diabéticos foi descoberta e estudada por quatro cientistas, sendo o principal deles Frederick Banting. A insulina é um hormônio produzido no pâncreas, isolado entre os anos de 1921 e 1922 na Universidade de Toronto.

Muitos cientistas especularam que algumas células especializadas do pâncreas, chamadas ilhotas de Langerhans, fabricavam um componente químico capaz de regular o nível de açúcar do sangue. A doença, por conseguinte, surgiria sempre que houvesse uma falha na produção desse elemento.

Frederick Banting, então cirurgião ortopédico em Ontário, Canadá, recebeu a incumbência de estudar a função das ilhotas pancreáticas. Também recebeu alguns cães para experimento. Logo descobriu que o extrato pancreático produzido nos experimentos reduzia a hiperglicemia e a glicosúria dos cães submetidos a pancreatectomia.

Após as indispensáveis fases de estudo, purificação e experimentação, no dia 11 de janeiro de 1922, a substância derivada do extrato, chamada hoje de insulina, foi testada com sucesso em Leonard Thompson, um garoto diabético de quatorze anos, internado em estado grave no Hospital Geral de Toronto. A partir dali, mesmo não representando um método curativo, a descoberta salvou e prolongou um número simplesmente incontável de vidas.

Milhões de crianças em todo o mundo vivem mais e melhor após a milagrosa experiência de Banting. O impacto positivo que a descoberta da insulina exerceu sobre a humanidade é comparado apenas aos resultados oriundos da descoberta da penicilina.

E sua arte?

Um dos sonhos de Frederick Banting era aposentar-se aos cinqüenta anos, partir para as geladas montanhas de sua terra natal e viver o resto da vida a pintar. Desde menino o médico demonstrava habilidade para o desenho. Na escola dizia sentir grande satisfação ao cursar matérias ligadas às artes. Pouco antes de se consagrar como um dos maiores benfeitores da história da humanidade, buscando aliviar a inevitável tensão gerada pela prática médica, Banting decidiu pintar.

Exceto alguns trabalhos sobre outros países europeus, a grande maioria de suas pinturas traziam o Canadá como tema. Os críticos da época elevaram-o ao status de um dos melhores pintores canadenses. Dois anos após sua morte, em fevereiro de 1943, duzentos de seus desenhos e pinturas foram expostos no Hart House Art Gallery, em Toronto.

Sir Frederick Grant Banting (1891-1941).A Aldeia no Inverno. Óleo sobre Painel 22x26.2cm. Canadá.

Frederick Grant Banting (1891-1941). Cobalt, Ontário.1932. Óleo sobre painel, 8x10cm. Canadá.

“O que levou um grande pesquisador a tornar-se um pintor?” perguntaram os editores de uma revista publicada pela Associação Canadense de Diabéticos. Eles mesmos deram a resposta: “Provavelmente porque se preocupava com o Canadá, com as pessoas, com a Terra. Ele foi acima de tudo um humanista – profundamente envolvido com a vida e suas facetas.”

REFERÊNCIAS:
1.
Sir Frederick Grant Banting. Gallery Walter Klinkhoff
2.
"Frederick Grant, Artist" Canadian Diabetes Association.
3.Souza, Álvaro N. – Grandes médicos e grandes artistas – nomes que deram vida, a medicina e as artes. – Salvador, BA, 2006.
4. The Canadian Diabetic Association Newsletter. "Banting - The Artist." First quarter, vol 1; 1967.

sábado, 13 de novembro de 2010

A Era Pré-Anestésica e a Descoberta do "Gás Hilariante"

Antigamente, por ser considerado inatingível, o controle da dor não era tão importante. O romano Celsius dizia ser a “falta de pena” a característica essencial de um bom cirurgião. Em muitas cirurgias, vários homens corpulentos eram necessários para manter os pacientes amarrados durante o procedimento. Uma gravura satírica que alude a forma que os pacientes eram operados foi feita pelo brilhante escritor e desenhista irlandês George Bernard Shaw:

George Bernard Shaw (1856-1950). Gravura satírica do séc. XIX mostrando paciente submetido à amputação do membro inferior.

Apesar do sentimento de que a dor era inevitável, alguns agentes diferentes eram usados para aliviá-la. Até o século XVII, era a partir da mandrágora que extraiam a substância mais utilizada para amenizar a dor. A planta era fervida em vinho, coada e usada no caso de pessoas que fossem ser cortadas ou cauterizadas.

Uma esponja contendo morfina e escopolamina foi o modo dominante de oferecer alívio da dor no período que compreende o século IX ao XIII. Em meados do século XVII, Marco Aurélio Severino sugeriu que colocando neve em linhas paralelas cruzando o plano incisional conseguia-se tornar o local cirúrgico insensível em poucos minutos, descreveu assim a “anestesia por refrigeração”. No século XIX, a Europa utilizava grande quantidade de álcool, à época único recurso disponível, para diminuir as dores dos pacientes. Apesar de surgirem variadas técnicas, nenhuma conseguia proporcionar um alívio satisfatório da dor, que até então, era o principal empecilho na tarefa do médico.

No ano de 1772, o químico inglês Joseph Priestley descobriu o Óxido Nitroso. 28 anos mais tarde, o Sir Humphry Davy, observando os efeitos analgésicos do gás, sugeriu que o uso da substância poderia ser vantajoso durante a cirurgia. Foi Davy quem também descreveu as propriedades estimulantes do Óxido Nitroso, apelidando-o de gás hilariante (ou gás do riso).

Prescrição para Mulheres Chatas (1830). T.Mclean. Gravura. Biblioteca Nacional de Medicina (Bethesda).

Espetáculos eram organizados nas tardes de domingo para atrair pessoas que queriam divertir-se sob os efeitos do Óxido Nitroso. Abaixo, um cartaz da época evidenciando os efeitos do gás da alegria:


Em um desses momentos descontraídos, um jovem senhor que participava do espetáculo, saltitando sob os efeitos do gás do riso, feriu sua perna ao colidir com uma cadeira. Ao recuperar-se do efeito da substância, comentou que nada havia sentido, nem a queda nem os ferimentos que não paravam de sangrar.

Um dentista de Connecticut(EUA), chamado Horace Wells, presenciava a brincadeira dominical e percebeu que o gás poderia servir para tirar a dor durante uma extração de dente. Wells pediu pra que extraíssem seu próprio dente após ser submetido aos efeitos do Óxido Nitroso. A experiência foi um sucesso, Wells não sentiu dor.

Em janeiro de 1845, passada a positiva experiência com o gás, Wells resolveu demonstrar publicamente o que seria uma extração sem dor. A demonstração ocorreu na Havard Medical School, em Boston, mas o paciente, um estudante de medicina muito obeso, não ficou completamente adormecido e urrou de dor quando seu dente foi puxado.

A tentativa foi julgada um fracasso. Muito desapontado, Wells desestabilizou-se e, em sofrimento profundo, cometeu suicídio no ano de 1848. "Não poderia ser chamado de vilão", dizia no bilhete que deixou. Doze dias depois chegou uma carta dizendo que a Sociedade Médica de Paris reconhecia-o como descobridor da anestesia .

É inegável ser Horace Wells um importante pioneiro da anestesia, pois foi o primeiro a reconhecer as propriedades do Óxido Nitroso (única droga anestésica do século XIX que ainda está em uso).


REFERÊNCIAS:
1. COLLINS, Vicent. História da Anestesiologia. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1979
2. MARGOTTA, Roberto. História ilustrada da medicina. 1º ed. São Paulo: Editora Manole.
3. MORGAN, G.MAGED,S. Anestesiologia Clínica - 3ª EDIÇÃO. Editora Revinter.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Anatomia Grega: Por Que a Palavra "Hímen" Denomina a Membrana Situada no Vestíbulo Vaginal?

Segundo a mitologia, Hymen (ou Hymenaios), filho de Apolo e Afrodite, é o deus grego do casamento. Seu culto era celebrado durante as núpcias do casal. Hymeneu era o termo empregado no conjunto de hinos cantados durante a cerimônia.

Himeneu Travestido Assistindo à Dança de Honra a Príapo, 1635. Óleo sobre tela, 167 × 376 cm. Museu de Arte de São Paulo.

Hymen, em Grego, quer dizer, originalmente, "membrana". Em 1550, Andreas Vesalius, médico belga fundador da moderna anatomia, usou o termo especificamente para a membrana situada no intróito vaginal.


George Rennie (1802-1860). Escultura em Mármore. Cupido empunhando a tocha de Himeneu, 1831. Londres, V&AM.

Os gregos acreditavam que Hymen precisava comparecer a todos os casamentos, pois caso contrário, o resultado do matrimônio seria desastroso. Pelo fato do deus presidir as celebrações de núpcias, foi sugerido que havia uma conexão entre esta divindade, o casamento e o hímen vaginal.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Dioramas Anatômicos do Dr. Frederik Ruysch

O anatomista holandês Frederik Ruysch (1638-1731), conhecido como o médico que melhor desenvolveu técnicas de preservação de órgãos e tecidos, destacou-se no mundo das artes por fazer incríveis arranjos artísticos com suas peças anatômicas.

Ruysch possuía o seu próprio museu de curiosidades sobre temas alegóricos da morte e da transitoriedade da vida e, dentre as exposições, havia uma série de dioramas montados a partir de partes corporais e estrelados por melodramáticos esqueletos fetais.

Ruysch,Frederik. Thesaurus Anatomicus. 1701

Criativo, Ruysch construiu as paisagens geológicas utilizando cálculos biliares e fez das veias e artérias "árvores"; e mais, tecidos ramificados de pulmões e vasos menores serviram para construir a grama de muitos dos seus arranjos.

Na maioria dos dioramas, observa-se crânios a lamentar a efemeridade da humanidade através do choro em elegantes "lenços" feitos de mesentério ou meninges cerebrais; acompanham também suas preparações diversas citações e exortações morais, enfatizando a brevidade da vida e da vaidade das riquezas terrenas.

Ruysch,Frederik. Thesaurus Anatomicus. 1701

Suas preparações anatômicas atraíram notáveis personalidades para o seu museu, incluindo o czar Pedro - O Grande, da Rússia, que estava tão fascinado com o trabalho artístico de Ruysch, que em 1717 comprou toda a coleção do médico. Vários dos itens ainda estão na posse do Museu da Academia de Ciências de São Petersburgo.

LEIA MAIS:

A Lição de Anatomia do Dr. Ruysch

REFERÊNCIAS:
RUYSCH, Frederik. Thesaurus Anatomicus Primus, 1701. Amsterdam.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Capela Sistina: Estruturas Neuroanatômicas Ocultas em "A Separação da Luz e das Trevas" / Michelangelo Buonarroti

"Em nenhum lugar Deus se mostra mais a mim em sua graça do que em alguma bela forma humana; e só isso amo, pois nisso ele se espelha." Trecho de soneto de Michelangelo.

A SEPARAÇÃO DA LUZ E DAS TREVAS (A cena representa a número I na ordenação feita pelos livros de arte. Nela, com os braços levantados, o Criador afasta as trevas à sua direita a luz à esquerda).

É inquestionável que Michelangelo Buonarroti (1475-1564), por possuir um fascínio intenso pela anatomia humana, realizou inúmeras dissecações de cadáveres.

Em um artigo publicado em 1990, Meshberger argumentou convincentemente que no afresco A Criação de Adão, localizado no teto da capela sistina, Michelangelo ilustrou um cérebro humano.

Apresentamos agora uma outra estrutura neuroanatômica oculta nos afrescos pintados por Michelangelo. Dessa vez, é em A Separação da Luz das Trevas, onde encontramos, embutida no pescoço do Criador, especificamente uma visão ventral do tronco encefálico:


Observar a perfeição com que Michelangelo ocultou as estruturas anatômicas em A Criação de Adão e A Separação da Luz e das Trevas, leva-nos a concluir que o artista possuía um profundo conhecimento da anatomia do cérebro.

LEIA MAIS:

O Anatomista Michelangelo em "A Criação de Adão".

REFERÊNCIAS:
Suk, Ian BSc, BMC; Tamargo, Rafael J. MD, FACS. “Concealed Neuroanatomy in Michelangelo's Separation of Light From Darkness in the Sistine Chapel”. Neurosurgery: May 2010 - Volume 66 - Issue 5 - p 851–861.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Loucura em "Hamlet" - Ofélia, Personagem Suicida de William Shakespeare

LAERTES (irmão de Ofélia): E assim perdi meu nobre pai, e vejo caída na demência minha irmã, cujo valor, se é lícito falar-se do que já foi, nenhum outro acharia que pudesse igualá-lo em perfeição. (Hamlet - ATO VI CENA VI).

Em A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, a personagem Ofélia morre afogada, em um provável suicídio. A bela e honrada moça que, amando Hamlet, ve-se privada de seu amor, passa a dar mostras de sua loucura após a morte de seu pai, Polônio, que fora assassinado por Hamlet.

Enquanto Ofélia enlouquece, Hamlet apenas finge perder o juízo para conseguir vingar a morte do falecido Rei Hamlet, seu pai; e sua melancolia forjada atinge tal grau que o leva a divagar sobre o suicídio.

Ofélia mata-se, mas é através de seu protagonista - que de tão racional simula perfeitamente o desespero da loucura - que Shakespeare desenvolve a dialética da angústia de uma "alma suicida":

HAMLET: Se ao menos o Eterno não houvesse condenado o suicídio! Ó Deus! Ó Deus! Como se me afiguram fastidiosas, fúteis e vãs as coisas deste mundo! (Hamlet - ATO I CENA I)

HAMLET: Ser ou não ser... Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes? Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se. Morrer.., dormir... dormir... Talvez sonhar... É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando alfim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos. É essa idéia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa! Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados? De todos faz covardes a consciência. (Hamlet - ATO III CENA I)
Paradoxalmente, enquanto todos vêem em Hamlet um louco, a loucura de Ofélia passa-se quase desapercebida, pois Shakespeare deixa transparecer a idéia de que uma moça honrada, mesmo enlouquecendo, o deve fazer de modo comportado. A insânia da boa moça tem coreografia mansa e cantante, seu suicídio é passivo, suave e deslizante.

Ofelia (1852). John Everett Millais. Galeria Tates.
A
 RAINHA: Seus vestidos se abriram, sustentando-a por algum tempo, qual a uma sereia, enquanto ela cantava antigos trechos, sem revelar consciência da desgraça, como criatura ali nascida e feita para aquele elemento. Muito tempo, porém, não demorou, sem que os vestidos se tornassem pesados de tanta água e que de seus cantares arrancassem a infeliz para a morte lamacenta.
LAERTES: Afogou-se, dissestes?
A RAINHA: Afogou-se.
(Hamlet - ATO IV CENA IV)

Em Hamlet, mais que em qualquer outra obra, Shakespeare revela seu profundo conhecimento do ser humano. A descrição da morte de Ofélia é uma das passagens mais poéticas da literatura mundial. A personagem, tão desesperada se encontra que não se dá conta da própria desgraça, de modo que canta até seu último fôlego, refletindo assim o que diz Hamlet sobre o suicídio: “Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se.”

A morte cantante de Ofélia traduz o alívio de uma alma conturbada.

LEIA MAIS:Suicídio na Literatura

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ciclopia: Monstruosidade Representada na Literatura Mitológica, Escultura e Música Clássica

Ciclopia é uma rara anomalia na qual os olhos estão parcialmente ou completamente fundidos, formando um único olho mediano incluído em uma única órbita. Geralmente é associada a um apêndice em forma de probóscide superior ao olho.

Transmitida por uma herança recessiva, a malformação parece resultar de uma severa supressão de estruturas cerebrais da linha média – holoprosencefalia – que se desenvolvem a partir da parte cefálica da placa neural. Essa grave anomalia ocular está associada com outros defeitos craniocerebrais incompatíveis com a vida.

Monstro não comparável aos humanos
[...]De carne humana estás, Ciclope, farto.

Odisséia (séc. VIII a.C) - IX canto. Homero.

Os ciclopes foram cantados por Homero no IX livro da famosa Odisséia. Segundo a mitologia grega, o raio que fulminou Esculápio (deus da medicina) gerou os seres com um só olho. Como mostra o trecho acima, nas palavras do autor grego tais seres monstruosos são incomparáveis aos humanos.



Escultura em mármore encontrada na caverna de Tibério. Museo Archeologico Grotta di Tiberio (Sperlonga).

A escultura acima mostra o momento em que Ulisses (Odisseu, em grego) consegue vingar-se do Ciclope pela morte de seus companheiros. Conta Homero que no regresso de Tróia ao reino de Ítaca, Ulisses chegou ao país dos gigantes ciclopes, que moravam em cavernas. Nesse local desembarcou com seus companheiros e, encontrando uma grande caverna, lá entrou. Pouco depois, chegou o dono da caverna, Polifemo (o mais famoso dos ciclopes), que voltando então o grande olho, viu os estrangeiros e perguntou-lhes, com maus modos, quem eram e de onde haviam vindo. Respondeu-lhe Ulisses com muita humildade que eram gregos e terminou implorando hospitalidade, mas Polifemo estendeu o braço, agarrou dois dos gregos, que atirou contra a parede da caverna, esmagando-lhes a cabeça, depois tratou de devorá-los. Na manhã seguinte o ciclope apanhou mais dois gregos e devorou-os da mesma maneira que a seus companheiros. Ulisses tratou então de como se vingaria da morte dos amigos e conseguiria fugir com os companheiros sobreviventes. Teve a idéia de dar vinho ao gigante, que tanto bebeu que não tardou a adormecer. Então, Ulisses com seus quatro companheiros escolhidos, colocou no fogo a extremidade do espeto que haviam feito, até que essa se transformou num carvão em brasa e, depois, colocando a haste bem exatamente sobre o único olho do gigante, enterram-na profundamente e a girara.

No olho o tição. Cálido sangue espirra;
O vapor da pupila afogueada
As pálpebras queimava e a sobrancelha.

Odisséia (séc. VIII a.C) - IX canto. Homero.

Os gritos dolorosos do monstro ecoaram pela caverna e, deixando Polifemo entregue à sua dor, Ulisses e seus companheiros fugiram seguindo o caminho à Ítaca.

Na Música Clássica:

Aci, Galatea e Polifemo é uma é uma dramática serenata que inclui três personagens míticas (inclusive Polifemo). A bela mini ópera foi criada pelo célebre compositor alemão George Frideric Handel em 1708. Polifemo amava Galatéia, mas esta nutria uma paixão por Ácis, sentimento que lhe era recíproco. Num dado momento, dominado pelo ciúme, o ciclope perseguiu Ácis e, arrancando um rochedo da encosta da montanha, atirou nele, que imediatamente foi esmagado e transformado no rio que conserva seu nome. O papel do ciclope Polifemo, cujas ações têm conseqüências letais para Ácis, é particularmente notável para a singular agilidade necessária à música de Handel.



REFERÊNCIAS:
1. Bulfinch, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia: (a idade da fábula). Ediouro, Rio de Janeiro, 2002.
2. Moore, Keith, L. Embriologia Clínica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
3. Decano, Winton & Knapp, J. Merrill (1987), Óperas de Handel, 1704-1726, Imprensa de Clarendon.
4.HOMERO. Odisséia. Trad. Odorico Mendes

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O Símbolo da Sociedade Brasileira de Pediatria

Antigamente, era costume da cultura judaica enfaixar a criança até os três meses de idade, quando então ela era levada ao templo para ser apresentada ao sacerdote. O pintor veneziano Giovanni Bellini assim representou o Menino Jesus:


Giovanni Bellini. Apresentação de Jesus no Templo (1464). Têmpera sobre madeira. 80 x 105 cm. Fondazione Querini-Stampalia, Veneza

Foi a partir de uma obra de arte que surgiu o desenho do símbolo da pediatria brasileira. A história é a seguinte: com base nesse costume de enfaixar recém-nascidos, em 1528 o escultor italiano renascentista Andrea della Robbia (1435 - 1525) esculpiu, para o pórtico do orfanato florentino Spedale degli Innocenti (Hospital dos Inocentes), várias imagens de crianças, objetivando ornamentar o pátio interno da instituição:

Crianças (1470). Andrea della Robbia. Medalhões (Tondos) em terracota esmaltada. Ospedale degli Innocenti (Florença).

A idéia é que cada criança esculpida represente o “Menino Jesus” com seu olhar suplicante pelas crianças abandonadas; além disso, a primeira criança aparece totalmente enfaixada, e a seqüência dos medalhões mostra as demais sendo progressivamente desenfaixadas até que a última aparece com as faixas afastadas do corpo, que se encontra, do tórax aos pés, completamente solto e livre.

A criança desenfaixada representa, talvez, a libertação do constrangimento dos pequenos por serem “bebês abandonados”, já que a educação e as demais condições fornecidas pelo instituto priorizavam o bem estar psíquico dos residentes, proporcionando a cada criança "orfã" a capacidade de livrar-se desse estigma (nas esculturas, a própria criança desenfaixa seu corpo) . Outro detalhe interessante é que os braços das crianças foram esculpidos livres e abertos, como se clamassem aos visitantes: “Adotem-me”.

À esquerda: Atual Logomarca da Sociedade Brasileira de Pediatria (1968). Francisco Confort. Rio de Janeiro.

Em 1936, o médico Adamastor Barbosa, que presidia a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), encomendou um símbolo para ornamentar o diploma de sócio da entidade. O autor do desenho se inspirou nos medalhões esculpidos por della Robbia presentes no orfanato. Em 1957, na gestão do Dr. Martinho da Rocha, o símbolo foi modernizado, mas manteve a figura do menino enfaixado. A mais recente modificação foi feita em 1968, quando o Dr. Telles era o presidente da SBP. Coube a Francisco Confort, designer da Casa da Moeda do Brasil, fazer a mais recente estilização.

Curiosidades:

O orfanato Spedale degli Innocenti foi construído e projetado em 1419 por Filippo Brunelleschi (artista considerado o fundador da arquitetura do renascimento italiano), sendo o primeiro lugar a ser dedicado exclusivamente ao cuidado e educação das crianças abandonadas. Hoje, o clássico prédio funciona como museu de arte, mas o instituto nunca interrompeu suas atividades em favor das crianças e adolescentes.

Um símbolo também baseado nas crianças de della Robia foi adotado pela American Academy of Pediatrics em 1930.

O ato de enfaixar o abdome das crianças até que caia o umbigo talvez tenha surgido a partir da herança cultural judaica. Até hoje, o costume perdura em algumas cidades do interior do Brasil.

REFERÊNCIAS:
1.KAHN,Lawrence. The "Ospedale degli Innocenti" and the "Bambino" of the American Academy of Pediatrics. PEDIATRICS Vol. 110 No. 1 July 2002, pp. 175-180.
2.Gavitt, P. Criança e Caridade na Florença renascentista: O Ospedale degli Innocenti, 1410-1536 (Ann Arbor, MI: Universidade de Michigan Press, 1990)
3.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003
4.
História da Sociedade Brasileira de Pediatria
5.
Wikipédia - Andrea della Robbia


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Estatueta de Imhotep

Imhotep, egípcio que viveu durante a Terceira Dinastia, é considerado o primeiro arquiteto, engenheiro e médico do início da história.

Além de famoso construtor de pirâmides, ele era, sobretudo, um excelente médico, sendo mais tarde considerado deus pelos egípcios. Os gregos o relacionaram a Asclépio (ou Esculápio, em Roma) o deus grego da medicina.

Imhotep foi um dos poucos mortais a ser esculpido como parte de uma estátua do faraó. Tempos depois, ele também foi reverenciado como um exímio poeta e filósofo.

Estatueta de Imhotep em bronze. Egito ptolemaico (332-30 a.C.). Museu do Louvre, Paris.
Imhotep é creditado como sendo o fundador da medicina e o autor de um tratado médico notável, o chamado papiro de Edwin Smith (1700 aC), contendo observações anatômicas, doenças e curas.

Sendo o médico mais importante na história egípcia, salvou a vida do infante príncipe Djoser e a de sua mãe. Anos mais tarde, ele foi recompensado por suas ações pelo Faraó Djoser que o designou como seu vizir, sacerdote, arquiteto chefe e astrólogo.

O nome Imhotep significa "Aquele que vem em contentamento". Foi por causa de seus muitos talentos que o povo naturalmente presumiu que apenas alguém que tinha estreitas ligações com os deuses podia ter tão grande conhecimento.

Assim, Imhotep foi deificado após a sua morte, um dos únicos mortais não-faraó que se tornou um deus.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

"A Lição de Anatomia do Dr. Frederik Ruysch" / Jan van Neck

Frederik Ruysch (1638-1731) foi um botânico holandês, anatomista e um dos pioneiros em técnicas de preservação de órgãos e tecidos. Ele estudou medicina na Universidade de Leiden, onde obteve seu diploma em 28 de julho de 1664. O principal interesse de Ruysch era anatomia, para a qual nutria uma paixão desde a sua juventude (conta-se que ele pagava coveiros para abrir as covas para que ele pudesse fazer investigações anatômicas nos cadáveres!).

Ruysch foi o primeiro a demonstrar a existência de vasos sanguíneos em quase todos os tecidos do corpo humano, destruindo assim a crença galênica de que determinadas áreas do corpo não tinham suprimento vascular. Também investigou detalhadamente as válvulas do sistema linfático, as artérias brônquicas e os plexos vasculares do coração, e foi o primeiro a apontar a nutrição do feto através do cordão umbilical. Graças às originais técnicas de preservação de tecidos, Ruysch é considerado o médico que melhor fazia preparações anatômicas.

Pintado por Jan van Neck em 1683, A Lição de Anatomia do Dr. Ruysch é o único quadro que retrata numa lição anatômica não o cadáver de um adulto, mas de um natimorto:

A Lição de Anatomia do Dr. Frederik Ruysch (1683). Jan van Neck. Óleo sobre tela, 142 x 203 cm. Museu histórico de Amsterdã.

É interessante observar que uma criança está presente à aula de anatomia. Trata-se do filho do Dr. Ruysch, o pequeno Hendrick, que na ocasião tinha apenas 9 anos de idade. Hendrick auxiliava o pai nas preparações anatômicas e, impulsionado por esta prática, apaixonou-se também pela anatomia. O jovem Ruysch, que ao crescer tornou-se médico, tem em suas mãos o esqueleto de um recém nascido.

O quadro é tipicamente holandês, nele van Neck utilizou propositalmente a coloração escura para que o feto se destaque.

LEIA MAIS:

Dioramas Anatômicos do Dr. Frederik Ruysch

REFERÊNCIAS:
1.N. T. Hazen:Johnson’s Life of Frederic Ruysch. Bulletin of the History of Medicine, Baltimore, 1939; 7: 324.
2.P. Scheltema:Het leven van Frederik Ruysch. M.D. dissertation, 1886.

domingo, 17 de outubro de 2010

São Lucas: Médico, Artista e Santo

“Saúda-vos Lucas, o médico amado.” Apóstolo Paulo (Colossenses 4:14).

São Lucas, evangelista e patrono dos pintores, é considerado também patrono da classe médica. 18 de outubro, data consagrada a Lucas pela igreja, foi escolhida para ser o dia do médico.


São Lucas com o Símbolo de Asclépio; Arlindo C. de Carli (1910 – 1985). Museu São Lucas (São Paulo).

Quem foi o médico Lucas? Ele teria estudado medicina na Antioquia (Síria), onde pela primeira vez os seguidores de Cristo foram chamados de cristãos. Pagão, converteu-se a fé cristã. Sem esposa nem filhos, começou a estudar medicina em sua cidade natal, onde havia uma famosa escola. Buscando aperfeiçoamento na arte de curar, mudou-se para Alexandria, Atenas e Pérgamo. Nesta última cidade, consultou e curou São Paulo, que partir de então se tornou seu grande amigo e, mais tarde, juntos, difundiram os ensinamentos de Jesus entre os gentios.

A tradição de ter Lucas como o patrono dos médicos é bem antiga. Em 1463, a Universidade de Pádua passou a iniciar o ano letivo em 18 de outubro, em homenagem a São Lucas, proclamado patrono do "Colégio dos filósofos e dos médicos".

Além de médico, Lucas possuía várias habilidades artísticas: era pintor, músico e escritor; por possuir maior cultura que os outros evangelistas, seu evangelho utiliza uma linguagem mais aprimorada que os demais, o que revela seu perfeito domínio do idioma grego.

São Lucas Pintando a Virgem; Martin de Vos (1532 - 1603); Antuérpia, Koninklijk Museum Voor Schone Kunsten.

Entre outras pinturas que retratam são Lucas médico, destacam-se o painel de Mantegna, na pinacoteca de Brera (Milão), e o da capela de São Lucas, na igreja de São Francisco, em Moncalvo (Itália). Neste último, o santo é representado em meio a diversos livros de Medicina de autoria de Avicena e Galeno.

Na Literatura: A vida de São Lucas, como médico e como evangelista, foi tema de um romance histórico muito difundido, intitulado Médico de Homens e de Almas, da consagrada escritora inglesa Taylor Caldwell. A obra levou quarenta e seis anos para ser produzida. Em uma narrativa encantadora e comovente, a autora apresenta dados, previamente pesquisados e coletados, que oferece pormenores significativos para a história da vida de seu protagonista, cuja maior missão fora se dedicar ao serviço da saúde, como médico, utilizando suas habilidades para curar pessoas.

REFERÊNCIAS:
1.CALDWELL, T. – Médico de homens e de almas.(trad.). 31. ed. Rio de Janeiro, Ed. Record, 2002.
2.RIBEIRO, E.B. – Médico, pintor e santo. São Paulo, São Paulo Editora, 1970.
3.BEZERRA, A.J.C.; As belas artes da medicina. Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, 2003.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Origem do Palavra "Morfina" / "Morfeu", de Houdon

Na medicina, nem mesmo as drogas escaparam à influência da mitologia grega. O mais conhecido narcótico do grupo dos opióides, a morfina, obteve seu nome de Morfeu, deus grego dos sonhos.

O nome Morfeu foi criado pelo poeta romano Ovídio na sua grande obra Metamorphoses e vem do grego “morphe”, que significa “forma”. O nome seria uma alusão às formas que enxergamos nos sonhos.

Escultura em mármore, Morfeu (1777); Jean-Antoine Houdon; Salão do Louvre (Paris)

Morfeu foi enviado por seu pai, Hipnos (deus do sono) para junto dos adormecidos, a fim de assumir qualquer forma ou aspecto de figura humana e aparecer nos sonhos das pessoas. Ele adormecia aqueles que tocava com uma papoula. Houdon o representa sonolento, mas com as asas alertas, pronto para voar e mudar de fisionomias. Foi com essa obra-prima que o escultor foi admitido, em 1777, na Academia Real de Pintura e Escultura.

Em 1804, o boticário alemão Friedrich Serturner, em honra de Morfeu, deu o nome de morfina à droga que havia isolado a partir do látex da papoula, visto que ela propicia ao usuário sonolência e efeitos análogos aos sonhos.


terça-feira, 12 de outubro de 2010

A Obra Literária "Frankenstein" e as Questões de Ética Médica

"Eu via o horrível espectro de um homem estendido, que, sob a ação de alguma máquina poderosa, mostrava sinais de vida e se agitava com um movimento meio vivo, desajeitado. Deve ter sido medonho, pois terrivelmente espantoso devia ser qualquer tentativa humana para imitar o estupendo mecanismo Criador do mundo.” Mary Shelley – Prefácio de Frankenstein (1818).

O famoso romance de autoria de Mary Shelley, escritora britânica nascida em Londres, relata a história de um estudante de ciências naturais que criou um monstro em seu laboratório. O monstro na obra de Shelley, criado pelo protagonista do livro, Victor Frankenstein, surge como uma falha do projeto obsessivo desse cientista pela busca do conhecimento, que se estende desde o aprendizado de antigos alquimistas, como Paracelso e Cornelius Agrippa, até os grandes nomes pioneiros da química moderna.

E quem era eu? Tudo ignorava de minha criação e de meu criador; mas sabia que não tinha dinheiro, amigos ou espécie alguma e propriedade. Era, além do mais, dotado de um aspecto hediondo, deformado e repelente; eu nem era da mesma natureza que o homem. Era mais ágil do que ele e podia viver com alimentação mais parca; suportava quase sem problemas os extremos do frio e do calor; minha estatura era muito superior à dele. Quando olhava ao redor ninguém encontrava que se assemelhasse. Era eu, então, um monstro, uma nódoa sobre a terra, de quem todos fugiam e a quem todos renegavam?

Com essas palavras o monstro criado pelo Dr. Victor Frankenstein dá-se conta de sua triste condição. – Um ser incomum gerado por um cientista aparece de repente como um ser humano adulto, mas entra no mundo sem nada saber sobre si mesmo, à maneira de uma criança. Uma criatura delicada vem a amar a natureza e aprende sobre a humanidade observando as pessoas. No entanto, ao tentar se comunicar com o mundo é rejeitado pela sociedade devido à sua aparência grotesca.

Também seu criador, o jovem universitário e cientista, ao ver-se diante de sua criatura horrível, rejeita-a; esta rejeição, fruto do seu erro e da percepção deste erro, fará brotar no monstro a vingança e, conseqüentemente, a desgraça em sua vida.

"Frankenstein" revela muitos desafios médicos e sociais que a nossa sociedade enfrenta hoje. A obra de Shelley desperta uma série de questionamentos éticos, dentre eles: como lidamos com o mal, o feio ou o deformado em nossa sociedade? Qual a essência do ser humano? Quais os reais problemas na experimentação científica com a vida (pesquisas com células-tronco embrionárias, manipulação genética, etc.)? O que é ciência aceitável, e quando ela vai longe demais?

Aprenda, se não pelos meus preceitos, antes por meu exemplo, o perigo que representa a assimilação indiscriminada da ciência, e quanto é mais feliz o homem para quem o mundo não vai além do seu ambiente quotidiano, do que aquele que aspira tornar-se maior de que sua natureza lhe permite. Victor Frankenstein

A experiência do protagonista seria, de certa forma, precursora das experiências genéticas feitas pelo homem atualmente. Assim como o médico da novela mostra a determinação apaixonada para tentar o que parecia impossível, a melhor das intenções da medicina moderna tem gerado alguns dos maiores sucessos e alguns dos piores pesadelos.

Mary Shelley escreveu a história quando tinha apenas 19 anos, entre 1816 e 1817, e a obra foi primeiramente publicada em 1818.

REFERÊNCIAS:
1. Shelley, Mary; Frankenstein ou o Moderno Prometeu.; São Paulo, Publifolha. 1998.
2. FLORESCU, Radu. Em busca de Frankenstein: o monstro de Mary Shelley e seus mitos.; Trad. Luiz Carlos Lisboa. São Paulo: Mercuryo,1998

3. Silveira, G.; Nepomuceno, L. Atos de criação: questões éticas no Frankenstein de Mary Shelley e em “O golem”, de António Vieira; Patos de Minas: UNIPAM, (6): 293-306, out. 2009

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Leopold Auenbrugger - Músico Criador do Revolucionário Método de Examinar os Pacientes Através da Percussão das Cavidades

“A Auenbrugger pertence esta bela descoberta”. Jean-Nicolas Corvisart (1808)

Como o austríaco Auenbrugger, memorável personagem do universo médico, mudou completamente o modo de detectar as doenças que acometem as cavidades orgânicas?

As coisas se deram mais ou menos assim: até o século dezoito os principais meios diagnósticos disponíveis consistiam em ouvir adequadamente a história do paciente, inspecioná-lo, contar a freqüência respiratória e o pulso. Aferir a temperatura ainda era algo novo e não constava no exame padrão recomendado pelos professores da época. Estetoscópio? Nem pensar, ainda não existia (seria inventado por Laennec décadas mais tarde). Se uma determinada cavidade do corpo, a chamada caixa torácica, por exemplo, fosse acometida por uma doença qualquer, se enchia de um líquido estranho e os médicos não tinham outra forma de detectar a agressão senão no exame pós-morte, a autópsia. Com o mal longe dos olhos e das mãos dos médicos os danos eram inexoráveis.

Aí aparece a inventividade do nosso personagem, o médico e flautista Joseph Leopold Auenbrugger. Filho de um estalajadeiro, o médico aprendeu com o pai a avaliar a quantidade de vinho de uma barrica pela percussão. Quando se formou em medicina, teve a idéia – diz-se ele – de adaptar tal procedimento ao exame do doente. Ele foi o criador de um novo e revolucionário modo de examinar os pacientes: a percussão das cavidades orgânicas. Músico, ele estava familiarizado com coisas como ressonância, timbre, altura do som, o que lhe ajudou muito em seus estudos sobre o novo método.

Em condições normais as vibrações produzidas pela percussão do tórax são abafadas devido a grande diferença acústica observada entre a parede torácica e o parênquima pulmonar. Se o parênquima é substituído pelo ar, como ocorre na situação conhecida como penumotórax, a diferença acústica se acentua ainda mais, e o abafamento do som se torna mais pronunciado. O resultado é um som de maior amplitude e duração, francamente musical, descrito sempre como “timpânico” (em referência ao tímpano) instrumento musical presente em qualquer orquestra sinfônica da atualidade. Se o tecido pulmonar é preenchido por líquido ou algo sólido, a dita diferença acústica é minimizada e o som produzido se torna de baixa amplitude e curta duração, descrito usualmente como “surdo”.

Na literatura: Em 1761, o famoso médico publicou seu Inventum Novum ex Percussione Thoracis Humani, obra escrita em latim, de 97 páginas, que apresentou o revolucionário meio de investigação das cavidades orgânicas. Ao apresentar sua obra à comunidade científica, Auenbrugger escreveu:

Apresento ao leitor um novo método para detecção de doenças, descoberto por mim. Consiste na percussão do tórax e na avaliação das condições internas da cavidade de acordo com a ressonância do som assim produzido. Minhas descobertas não foram antes confiadas ao papel por causa de um incontrolável impulso ou pelo desejo de teorizar. Sete anos de observação tornaram o assunto claro pra mim, o suficiente para que me sinta em condições de publicá-lo. Sei que encontrarei oposição às minhas opiniões. A inveja e a acusação, o ódio e a calúnia sempre foram o ônus daqueles que iluminaram a arte ou a ciência com suas descobertas. Leopold Auenbrugger (1761).

De fato, somente 46 anos depois, quando o clínico francês Jean Nicolas Corvisart, médico pessoal de Napoleão Bonaparte, introduziu o método percussivo na prática clínica e divulgou sua tradução em francês do trabalho de Auenbrugger é que a importância do invento foi definitivamente estabelecida.

REFERÊNCIAS:
1. Sakula, Alex. Auenbrugger: Opus and Opera. J.Roy. College Physicians,Vol 12; 1978.
2. Souza, Álvaro N. – Grandes médicos e grandes artistas – nomes que deram vida a medicina e as artes. – Salvador, BA, 2006.
3. SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo, 1996