Diversos relatos o desenham como portador de epilepsia:
Lopes (1981) sugeriu a ocorrência, muito comum pelo menos na última fase da vida, de crises psicomotoras, provavelmente decorrentes de foco temporal e da ínsula, enquanto Guerreiro (1992) assinalou que o escritor sofria alterações da consciência, automatismos e confusão pós-crítica. Ambos concluindo que as crises eram provenientes do lobo temporal direito.
Desconhece-se quando e como se iniciou a doença que o iria acompanhar pela vida afora. Renard Perez, biógrafo que defende o início das crises ainda na infância, baseia-se no próprio Machado, que se referia às "coisas esquisitas", que lhe sobrevieram quando criança. Sabemos através de outros relatos biográficos do recrudescimento de sua doença, após seu casamento com Carolina a 1869, bem como de sua exacerbação, na fase final de sua vida.
Carlos de Laet presenciou uma das crises públicas vividas por Machado e assim descreveu-a:
Quando de nós se acercou o Machado e dirigiu-me palavras em que não percebi nexo. Encarei-o surpreso e achei-lhe demudada a fisionomia. Sabendo que de tempos em tempos o salteavam incômodos nervosos, despedi-me do outro cavalheiro, dei o braço ao amigo enfermo, fi-lo tomar um cordial na mais próxima farmácia e só o deixei no bonde das Laranjeiras, quando o vi de todo restabelecido, a proibir-me, que o acompanhasse até casa.
Depois de 1890, Machado confidencia a amigos suas dificuldades. Em cartas, guardadas na Academia Brasileira de Letras ele se queixa a Magalhães de Azeredo da "enfermidade", "do mal que me acompanha". Sempre com pudor numa das missivas adverte: "Mas enfim são coisas confiadas a um amigo sério e calado".
A partir do começo do século, são mais numerosos os informes sobre os sofrimentos de Machado. João Luso recordou a amizade indissolúvel do autor de Dom Casmurro a Mário de Alencar, que o acompanhava, pois receava “cair na rua, morrer de repente, ao desamparo, ou entre gente mais curiosa do que comovida".
Após a morte de sua esposa, Carolina, em outubro de 1904, torna-se mais dependente da amizade de Alencar. Este recorda: "A preocupação de saúde era freqüente: ou havia os efeitos de um acesso do mal terrível ou a iminência dele". À época, Mário de Alencar registra: “A preocupação com a saúde era frequente: ou havia os efeitos de um acesso do mal terrível ou a iminência dele. Falava-me como a seu próprio médico, confiando-me tudo, consultando-me sobre minúcias da moléstia e o que havia de dizer ao seu facultativo.”
O sofrimento de Machado é, então, pungente. Lamenta- se em carta a Alencar (1908):
O mal não é tão grande como parece; é agudo, porque os nervos são doentes delicados, e ao menor toque retraem-se e gemem. Eu sou desses enfermos, como sabe, e como sabe também, doente sem médico.Nesta frase se condensam muitas verdades e a súmula da experiência machadiana sobre a própria epilepsia. "O mal não é tão grande como parece; porque é agudo." O ataque é rápido, seus efeitos desaparecem em pouco tempo; as repetições, no entanto, amedrontam, porém a volta sempre verificada à consciência e à rotina da vida, reasseguram, até certo ponto, o epiléptico. E, em seguida, um deslocamento, “porque os nervos são doentes delicados”: não é ele, Machado, o delicado, mas sim os nervos; não é ele o doente, são os nervos; os nervos retraem-se e gemem, Machado convulso e estertorante cobre-se atrás da imagem da retração e dos gemidos dos nervos, esses sim fracos, delicados; ele, porém, forte e duro ante a adversidade.
Registros informam-nos ainda que o leque dos sintomas se abria de modo a comportar: "algumas dores", acessos de cólera, "sonolência," "ausência," e "boca amargosa". E ausências mais ou menos rápidas "com a memória de tudo".
Machado de Assis ele não aludia sua enfermidade e nem lhe escrevia o nome, como em sua correspondência com o amigo Mário de Alencar: "O muito trabalhar destes últimos dias tem-me trazido alguns fenômenos nervosos..." Para muitos, a censura da palavra "epilepsia" lhe fez excluí-la das edições ulteriores de Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas que deixaria escapar na edição primeira ao descrever o padecimento da personagem Virgília diante da morte do amante: “Não digo que se carpisse; não digo que se deixasse rolar pelo chão, epiléptica.”, que fora noutra edição substituída por: “Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa.”
Encontramos conexões da saúde de Machado com sua obra. O conto "Verba Testamentária" de Papéis Avulsos descreve uma crise epiléptica ([...] tinha ocasiões de cambalear; outras de escorrer-lhe pelo canto da boca um fio quase imperceptível de espuma.), enquanto que em Quincas Borba um dos personagens percebe que andava à toa, vertiginoso (Deu por si na Praça da Constituição.) Memórias Póstumas de Brás Cubas conta em uma de suas linhas um problema nervoso em que o narrador vai andando conforme a perna lhe leva ([...] nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas que a fizeram), enquanto que no poema Suave Mari Magno há explicitamente o uso da palavra "convulsão": Arfava, espumava e ria,/ De um riso espúrio e bufão,/ Ventre e pernas sacudia,/ Na convulsão.
Alguns biógrafos acreditam que um complexo de inferioridade acrescido de um grande introvertimento contribuíram para sua personalidade epileptóide. Entretanto, até onde se percebe, Machado não mostrou qualquer perturbação de personalidade normalmente atribuídos a alguns pacientes epilépticos, tais como: hipossexualidade, hiperreligiosidade, viscosidade, prolixidade e hipergrafia. O maior influente em sua personalidade parece ter sido relacionado ao estigma da sociedade em relação à epilepsia. Machado, na medida do possível, sempre procurou esconder seu mal da curiosidade alheia. A circunstância de viver, sob a ameaça de vir a revelar, numa crise em público, o seu mal secreto, marca o comportamento do jovem Machado: discreto, diligente, atencioso.
Guerreiro (1991) sugere que Machado apresentava epilepsia localizada sintomática com crises parciais complexas secundariamente generalizadas, de etiologia desconhecida. As crises iniciaram na infância, tiveram remissão na adolescência e recidivaram na terceira década, tornando-se mais frequentes nos últimos anos. A presença de aura, a alteração da consciência, confusão pos-ictal, a freqüência, a distribuição aleatória durante a sua vida sugerem a origem do lobo temporal das crises.
A grandiosa existência de Machado de Assis, coloridamente estampada nos livros, relembra-nos que a epilepsia não exclui uma grande inteligência ou mesmo a criatividade. Lembremos também das talentosas contribuições de Gustave Flaubert, a quem Machado rendia admiração, talvez porque reconhecesse no francês, além da "mesma solidão", "até o mesmo mal, como sabe. O outro". (Carta a Mário ,de Alencar, de 29 de agosto de 1908) .
REFERÊNCIAS:
1. Alencar, Mario de. Apud Montello J: Gigantes da Literatura Universal, Machado de Assis. Editorial Verbo, 1972.
2. GUERREIRO, C. “MACHADO DE ASSIS'S EPILEPSY”. Estudo apresentado no 19th International Epilepsy Congress. Rio de Janeiro, 14 a 19-outubro-1991.
3. LOPES, J. L. “MACHADO DE ASSIS E A EPILEPSIA” (Lido em sessão da Academia Cearense de Letras no dia 18 de novembro de 1975)