sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Efeito Mozart: Movimentos de um Gênio

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), nasceu em 27 de janeiro de 1756 em Salzburgo, na Áustria, e cresceu numa família influente e intelectual.

"Mozart tocando em Verona", 1770, por Saverio dalla Rosa
Reconhecida como uma criança prodígio com um ouvido musical infalível, Mozart possuía memória musical impecável e habilidade para leitura desde os três anos de idade. Aos quatro anos, poderia dizer se um instrumento estava fora de sintonia. Tornou-se um excelente compositor aos cinco anos, concluindo sua primeira sinfonia ao completar oito anos. Deixo-nos um legado de mais de 600 peças musicais.

Casa onde Mozart nasceu. Salzburgo, Áustria.
Conversar sobre um dos maiores gênios musicais de todos os tempos oferece-nos uma oportunidade não só para refletir se algum distúrbio neuropsiquiátrico seria subjacente ao seu comportamento excêntrico, mas também para examiná-lo como um homem de poder criativo excepcional, responsável por contribuições imensuráveis para o universo cultural e para a musicoterapia.

Através de relatos extraídos das correspondências do próprio artista, bem como depoimento de amigos e familiares, pesquisadores e biográficos de Mozart registraram seu comportamento peculiar, apontando-o como portador de Síndrome de Tourette (ST) e comorbidades psiquiátricas.

Outrora considerada uma curiosidade rara psiquiátrica, ST – caracterizada pela presença de tiques múltiplos, motores ou vocais, – é agora reconhecida como um distúrbio neuropsiquiátrico relativamente complexo, que afeta cerca de 2% da população geral. Os tiques ocorrem em ondas, com frequência e intensidade variáveis, pioram com o estresse, são independentes dos problemas emocionais e frequentemente associados a sintomas obsessivo-compulsivos e distúrbio de atenção e hiperatividade.

Linguagem de Mozart

Regeur e, mais tarde, Davies e Keynes, estavam entre os primeiros pesquisadores que falaram sobre a presença de ST e Transtorno ciclotímico em Mozart.

Simkin, um endocrinologista, pianista, musicólogo e historiador, investigou a vida e arte de Mozart a partir de um ponto de vista médico e discutiu extensivamente a presença de ST em Mozart. Com base na investigação meticulosa de Simkin, evidência de escatografia existe em 39 de 371 cartas (10,5 %) escritas por Mozart. Nove destas cartas foram escritas a sua irmã, Marianne. Em suas cartas, Mozart fez uso excessivo de palavras obscenas, centradas principalmente na defecação e vulgaridades anais, sugerindo a presença de coprofilia.

Também em sua obra, coprografia é encontrada na letra de sete de suas composições. Exemplo de propensão para a linguagem chula é a composição de Mozart intitulada Leck mir den Arsch fein rein ("Lamba-me o traseiro bonito e limpo"), composta quando ele tinha 26 anos de idade.

No início do século XX, o escritor austríaco Stefan Zweig, colecionador de manuscritos musicais, propôs que os materiais escatográficos de Mozart fossem interpretados sob a ótica psiquiátrica. Zweig enviou cópias das cartas a Sigmund Freud com a seguinte sugestão:

Essas nove cartas lançam uma luz psicologicamente surpreendente em sua natureza erótica, que, ainda mais [em Mozart], que em outros homens importantes, tem elementos de infantilidade e coprofilia. Este poderia ser um estudo muito interessante para um de seus alunos. 

Freud aparentemente recusou a proposta de Zweig.

Como Schroeder observa, psicobiógrafos posteriores tomaram as cartas como provas das tendências psicopatológicas de Mozart:

Nunca foi Mozart menos reconhecidamente um grande homem em sua conversa e ações, do que quando ele estava ocupado com um trabalho importante. Nesse momento, ele não só apresentava discurso estranho, mas ocasionalmente fazia brincadeiras de uma natureza que não correspondia a alguém como ele;[ .... ] Ou ele intencionalmente escondia sua tensão interna atrás de uma frivolidade superficial, por razões que não poderiam ser sondadas , ou tinha prazer em colocar em nítido contraste as ideias divinas de sua música com as explosões repentinas de chavões vulgares.
Comportamento motor

Onze de vinte e cinco pessoas que conviveram com Mozart e contribuíram para suas memórias mencionaram presença de movimentos perpétuos e maneirismos. O músico exibia caretas faciais, movimentos involuntários repetitivos das mãos e dos pés e saltos. Tais características têm sido consideradas como tiques motores e usadas para apoiar o diagnóstico de ST.

Karoline Pichler (1769-1843), membro da intelligentsia em Viena, que tinha filiação musical com Mozart e Haydn, descreveu um comportamento “inadequado” de Mozart durante uma improvisação de As Bodas de Fígaro:
"... de repente, pareceu cansado de tudo isso, levantou-se subitamente, e, no clima louco que tantas vezes se aproximou dele, começou a pular sobre mesas e cadeiras, miar feito um gato, e dar cambalhotas como um menino rebelde"
Comorbidades

Sabe-se que um dos distúrbios comportamentais que mais comumente coexistem com a ST é o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), presente em até 50% dos portadores.

Mozart expôs características que sugerem fortemente que ele nutria pensamentos obsessivos e rituais compulsivos. Por exemplo, foi obsessivamente meticuloso sobre o modo de higiene de sua esposa:
Rogo-vos a tomar o banho apenas a cada dois dias, e só por uma hora.
Além disso, costumava praticar brincadeiras inadequadas e trocadilhos, entregando-se a um comportamento infantil, sem apreciação das consequências. Isto poderia ser interpretado como análogo ao déficit de controle de impulso ou transtorno de conduta, também comumente encontrados em portadores de ST.

Nannerl, irmã de Mozart, escreveu o seguinte sobre o seu irmão:
Apresentava mudanças de humor repentinas da tristeza para a euforia; se num instante era dominado por uma ideia sublime, no outro entregava-se a gracejos e ao ridículo.  
Este mesmo ser que, como um artista, alcançou o mais alto estágio de desenvolvimento até mesmo em seus primeiros anos, permaneceu até o fim de sua vida completamente infantil em todos os outros aspectos da existência. Nunca aprendeu a exercer as formas mais elementares de autocontrole.  
Wolfgang Hildesheimer, um historiador do século XX, comentou que Mozart:
Foi tão estranho para o mundo da razão como para a esfera das relações humanas. Ele foi guiado unicamente pelo objetivo do momento. 
Tais relatos sinalizam a presença de labilidade emocional e impulsividade.

Para investigadores, alguns elementos de comportamento de Mozart podem indicar a presença de déficit de atenção e hiperatividade. Por exemplo, enquanto compunha, simultaneamente envolvia-se em outras atividades, como caminhar, pular ou jogar billiard.

 “Fora da música, ele foi uma nulidade.” (Pichler) 

 Há como cindir o gênio do frívolo?

Contrastando com essas afirmações, permaneceu inabalada a confiança de Mozart em suas próprias capacidades musicais, exultando com elas, e não há traço em parte alguma de sua correspondência, nem nas memórias de seus contemporâneos, que acusem qualquer dúvida ou insegurança de sua parte neste aspecto.

Paradoxalmente aos relatos sobre o estado de saúde mental de Mozart, sua música, como a Sonata para dois pianos, em Ré Maior, K.448, é descrita como tendo um "Efeito Mozart", que inclui melhoria no QI e desempenho espacial-temporal e em partes do cerebelo dentro de alguns minutos nos ouvintes.



Pesquisas sugerem que a música de Mozart tem um efeito terapêutico em pacientes epilépticos, possivelmente por aumentar o fluxo de sangue para as áreas temporais, giro pré-frontal dorsolateral, occipital e cerebelo.

Há grande destaque, também, para as propriedades medicativas das composições: Concertos para violino nºs 3, em Sol Maior K.216 e nº 4, em Ré Maior K.218.

Embora haja inúmeros artigos atribuindo a personalidade e comportamento peculiar de Mozart como parte de um espectro de transtornos neuropsiquiátricos, a evidência para qualquer um desses distúrbios é inexistente.

A existência singular de Mozart mostra que sua extraordinária criatividade foi beneficamente carregada por sua distintiva cognição e função neurológica.

Sua música parece ter absorvido a totalidade magnânima que Mozart carregara em si, eternizando a grandiosidade de um gênio.

Consistentemente, o que sabemos é que, a despeito de seu criticado comportamento, seu trabalho criativo alcançou, tal como aspirou, um efeito divino: sua música é capaz de ir aos recônditos do ser, aplaca dores, humaniza, promove a cura, acalenta, harmoniza e potencializa as funções intelectuais dos ouvintes.

REFERÊNCIAS: 

1. Ashoori, A. Jankovic, J. ” Mozart's movements and behaviour: a case of Tourette's syndrome?” J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2007. 
2. Bodner M, Muftuler L T, Nalcioglu O. et al FMRI study relevant to the Mozart effect: brain areas involved in spatial–temporal reasoning. Neurology 2001 
3. Hounie, A. Petribú, K. “Síndrome de Tourette - revisão bibliográfica e relato de casos”. Rev Bras Psiquiatr, 1999. 
4. Simkin B. Mozart's scatological disorder. BMJ 1992. 5. Wolfgang Amadeus Mozart. Wikipédia