Cancerologista há mais de quarenta anos, Drauzio convive com pacientes terminais diariamente. A estreita ligação com o tema, entretanto, não o preparou para viver a situação inversa.
Mal fechei os olhos, o quarto foi invadido por um batalhão de enfermeiras e auxiliares perguntando-me se apresentava alguma alergia, queixa cardíaca, pulmonar, urinária ou digestiva. Enquanto respondia a uma delas, outra instalava o aparelho de pressão em meu braço, e uma terceira colocava o termômetro e enlaçava a pulseira de identidade. Um técnico de laboratório passou um garrote para colher sangue e ligar o frasco de soro: ‘Vou dar uma picadinha’. Foi o primeiro de uma série de diminutivos que viriam a ser pronunciados. [...] O emprego do diminutivo infantiliza o cidadão. Deitado de camisola e pulseirinha, sem forças para agir por conta própria, cercado de gente que diz ‘Vamos tomar um remedinho’; ‘Abre a boquinha’; ‘Levanta a perninha’... há maturidade que resista?
Ao retornar de uma viagem à Floresta Amazônica em 2004, Varella sentiu um mal estar associado à febre e, após um período de relutância obstinada, interrompeu o atendimento em seu consultório e aceitou repousar. Dias depois, foi internado. As incertezas quanto ao diagnóstico cresciam conforme aumentava a febre.
Acompanhando de perto a aflição dos colegas, o paciente viu-se na angustiante posição de compreender melhor do que o doente comum a gravidade de seu caso. Astênico, com a mente embaraçada pela doença e pela morfina, ciente da gravidade de sua situação, o médico passou a considerar a possibilidade de que seus dias estavam contados.
Em “O Médico Doente”, o autor narra sua experiência sob a ótica clínica e cirúrgica. Do leito hospitalar ele retorna aos caminhos que o levaram à profissão e revela os sentimentos de um médico impotente, à beira da morte.
REFERÊNCIA:
1.Varella, Drauzio. “O Médico Doente”. Companhia das Letras, São Paulo, 2007.